A dura realidade das culturas inovadoras

A dura realidade das culturas inovadoras.

Culturas que favorecem a inovação são valiosas não só para a última linha do balancete, mas também para líderes e funcionários que prezam sua empresa.

Em seminários corporativos do mundo todo, eu perguntava informalmente a centenas de executivos se eles gostariam de trabalhar numa organização onde a norma eram comportamentos inovadores. Não consigo me lembrar de uma única vez que alguém tivesse dito “não, não gostaria”. Quem pode culpá-los: as culturas inovadoras geralmente são descritas como muito divertidas. Quando pedi aos mesmos executivos que descrevessem essas culturas, eles imediatamente forneceram uma lista de características idênticas àquelas apregoadas nos livros de administração: tolerância ao fracasso, disposição para experimentar, segurança psicológica, ambiente altamente colaborativo e não hierárquico. As pesquisas corroboram a ideia de que essas características se traduzem em desempenho inovador.

Mas, apesar do fato de que culturas inovadoras são desejáveis e que a maioria dos líderes alega entender o que significam, elas são difíceis de criar e manter. Isso é intrigante. Como práticas aparentemente tão universalmente apreciadas — até divertidas — podem ser tão difíceis de implementar?

Eu acredito que é porque as culturas inovadoras não são bem compreendidas. Os comportamentos fáceis de aceitar, que merecem tanta atenção são somente um lado da moeda. Eles precisam ser contrabalançados por alguns comportamentos mais rigorosos e claramente menos divertidos. Tolerância ao fracasso requer intolerância à incompetência. A disposição para o experimento exige disciplina rigorosa. A segurança psicológica requer conforto com a franqueza absoluta. A colaboração precisa ser equilibrada com responsabilidade individual. E um sistema de nivelamento requer forte liderança. Culturas inovadoras são paradoxais. A menos que tensões criadas por esse paradoxo sejam cuidadosamente administradas, qualquer tentativa de criar uma cultura inovadora fracassará.

1. Tolerância ao fracasso, mas não tolerância à incompetência

Considerando que a inovação envolve a exploração de caminhos incertos e desconhecidos, não surpreende que a tolerância ao fracasso seja uma característica importante das culturas inovadoras. Alguns dos inovadores mais icônicos têm sua cota de fracasso. Você se lembra do MobileMe da Apple, o Google Glass e o Fire Phone da Amazon?

E, apesar de estarem essencialmente focadas na tolerância ao fracasso, organizações inovadoras são intolerantes com a incompetência, estabelecem padrões de desempenho extremamente altos para seus funcionários e recrutam os melhores talentos possíveis. Explorar ideias de risco que acabam fracassando é bom, mas cultivar habilidades técnicas medíocres, mentalidade negligente, maus hábitos profissionais e gestão deficiente não é. As pessoas que não satisfazem às expectativas da empresa devem ser dispensadas ou transferidas para outras funções que melhor se adéquem às suas habilidades. Steve Jobs tornou-se famoso por despedir qualquer pessoa que não estivesse à altura da função. Na Amazon, os funcionários são classificados segundo uma curva forçada, e a parte inferior da distribuição é excluída. A Google é conhecida por sua cultura amigável para com os funcionários, mas é também um dos lugares mais difíceis do mundo de conseguir emprego (todo ano a empresa recebe mais de 2 milhões de solicitações de emprego para cerca de cinco mil vagas). Ela também tem um sistema de gestão de desempenho rigoroso que transfere as pessoas para novas funções se elas não estiverem rendendo o máximo em seus postos atuais. Na Pixar, diretores de filmes que não mantêm os projetos no caminho certo são substituídos.

Parece óbvio que as empresas devem estabelecer altos padrões de qualidade para seus funcionários, mas infelizmente muitas organizações falham nesse quesito. Veja, por exemplo, uma companhia farmacêutica onde trabalhei recentemente. Eu fiquei sabendo que um dos grupos de P&D não havia descoberto um único novo provável candidato a medicamento em mais de dez anos. Apesar de seu desempenho fraco, os líderes seniores não fizeram mudanças significativas na gestão ou no pessoal do grupo. Na verdade, com o sistema de recompensa igualitário da empresa, os cientistas do grupo estavam recebendo praticamente os mesmos salários e bônus que os cientistas de unidades mais produtivas de P&D. Um executivo sênior me confidenciou que se não fosse por violações éticas, a empresa raramente dispensava uma pessoa de P&D por desempenho insatisfatório. Quando perguntei por que, ele respondeu “nossa cultura é como uma família. Despedir pessoas é uma coisa que não nos agrada”.

A verdade é que para haver tolerância ao fracasso é preciso dispor de pessoas extremamente competentes. Tentativas de criar novos modelos tecnológicos ou de negócios são solapadas pela incerteza. Muitas vezes, você não sabe o que você não sabe, e você tem de aprender enquanto caminha. Nessas circunstâncias os fracassos fornecem lições valiosas sobre os caminhos a seguir. Eles podem ser consequência de projetos mal elaborados, análises equivocadas, falta de transparência e má gestão. A Google pode encorajar a assunção de risco e o fracasso porque tem certeza de que a maioria dos funcionários da empresa é muito competente.

É difícil criar uma cultura que valorize tanto o aprendizado resultante do fracasso como o desempenho excepcional em empresas cujo histórico não privilegia nenhum deles. Um bom começo é que a liderança sênior articular claramente a diferença entre fracassos produtivos e improdutivos: fracassos produtivos levam a informação valiosa relativa ao seu custo. O fracasso deveria ser comemorado somente se resultasse em aprendizado. (O clichê “comemorando o fracasso” não faz sentido — nós deveríamos comemorar o aprendizado, não o fracasso.) Um protótipo simples que não apresenta o desempenho esperado devido a uma questão técnica antes desconhecida é uma falha digna de ser comemorada se esse novo conhecimento puder ser aplicado em projetos futuros. Lançar um produto mal projetado depois de gastar US$ 500 milhões para desenvolvê-lo é simplesmente um fracasso muito caro.

Criar uma cultura de competência requer articular claramente os padrões de desempenho esperados. Se esses padrões não forem bem compreendidos, decisões difíceis a respeito do pessoal podem parecer caprichosas ou, pior, ser interpretadas erroneamente como punição pelo fracasso. Os líderes seniores e os gestores de toda a organização deveriam expor suas expectativas com clareza e regularidade. Padrões de contratação podem precisar ser aumentados, mesmo se isso desacelerar temporariamente o crescimento da empresa.

Os gestores sentem-se particularmente desconfortáveis ao despedir ou transferir pessoas quando a “incompetência” não é culpa delas. Mudar tecnologias ou modelos de negócio pode tornar uma pessoa muito competente num contexto incompetente em outro. Pense em como a digitalização impactou o valor de diferentes habilidades em vários setores. Aquela representante de vendas cujas habilidades interpessoais excepcionais a tornaram uma superestrela pode não ser mais tão valiosa para a organização quanto o introvertido engenheiro de software que desenvolve os algoritmos utilizados para prever que clientes têm maior probabilidade de adquirir produtos da empresa. Em alguns casos, as pessoas podem ser retreinadas para desenvolver novas competências. Mas isso nem sempre é possível quando, para executar um trabalho, são necessárias habilidades realmente especializadas (por exemplo, um Ph.D. em matemática aplicada). Reter pessoas que se tornam obsoletas pode ser louvável, mas é perigoso para a organização.

Manter um equilíbrio saudável entre tolerar fracassos produtivos e erradicar incompetências não é fácil. Um artigo publicado no New York Times em 2015 sobre a Amazon ilustra essa dificuldade. O artigo, baseado em entrevistas com mais de cem funcionários ativos e ex-funcionários, taxava a cultura da Amazon de “agressiva” e relatava histórias de funcionários em prantos devido à forte cobrança de desempenho. Uma razão para ser tão difícil atingir o equilíbrio é que as causas do fracasso nem sempre são claras. Um designer de produto acabou cometendo uma falha devido a uma avaliação errada de um engenheiro ou porque ele descobriu um problema que até um engenheiro mais talentoso não teria percebido? E no caso de decisões técnicas ou empresariais equivocadas, quais são as consequências pertinentes? Todos cometem erros, mas até que ponto o perdão deixa de ser perdão e começa a se confundir com permissividade? E até que ponto altos padrões de desempenho não se transformam em crueldade e desrespeito para com os funcionários, independentemente da qualidade de seu desempenho?

2. Disposição para experimentar, mas altamente disciplinada

As organizações que adotam a experimentação convivem bem com a incerteza e a ambiguidade. Elas não fingem que sabem todas as respostas óbvias nem que são capazes de analisar como chegaram ao insight. Sua experiência é de aprendizado, não de fabricação de produtos ou prestação de serviços comercializáveis.

No entanto, experimentar não é o mesmo que jogar tinta aleatoriamente sobre uma tela como fazem certos pintores abstratos de quinta categoria. Sem disciplina, quase tudo pode ser justificado num experimento. Culturas focadas na disciplina selecionam os experimentos cuidadosamente com base em seu valor potencial de aprendizado, e os projetam rigorosamente para produzir a maior quantidade de informação possível em relação aos custos. Elas estabelecem logo no início critérios claros para decidir se uma ideia deve avançar, ser modificada ou abandonada. E enfrentam as consequências dos experimentos, o que pode significar admitir que uma hipótese inicial estava errada e que um projeto aparentemente promissor precisa ser abandonado ou redirecionado de forma radical. Ser mais disciplinado ao abortar projetos perdedores torna menos arriscado tentar novos experimentos.

Um bom exemplo de cultura que equilibra bem disposição para o experimento e disciplina rígida é a Flagship Pioneering — empresa sediada em Cambridge, Massachusetts, cujo modelo de negócio é criar novos empreendimentos de risco baseados em ciência de ponta. A Flagship não costuma solicitar planos de negócio de empreendedores independentes. Em vez disso, utiliza equipes internas de cientistas para descobrir novas oportunidades de empreendimentos de risco. A empresa utiliza um processo de exploração formal pelo qual pequenas equipes de cientistas assumem a pesquisa de um problema de grande importância social ou econômica — nutrição, por exemplo. Durante essas explorações, as equipes leem a literatura sobre o assunto e convocam uma ampla rede externa de consultores científicos para pensar em novos insights científicos. Não há nenhuma restrição inicial sobre as explorações. Todas as ideias — mesmo que pareçam impraticáveis ou descabidas — são consideradas. De acordo com Noubar Afeyan, CEO e fundador da empresa, “no início de nossas explorações não perguntávamos ‘isso é verdadeiro?’ ou ‘há dados que apoiam esta ideia?’. Não procuramos artigos acadêmicos que forneçam prova de que algo é verdade. Ao contrário, nós nos perguntamos ‘e se isso fosse verdade?’ ou ‘se só isso fosse verdade, teria algum valor?’”. Além desse processo, as equipes devem formular hipóteses de negócios que possam ser testadas.

A experimentação é fundamental para o processo de exploração da Flagship, porque é assim que as ideias são selecionadas, reformuladas e desenvolvidas. Mas a experimentação na Flagship é muito diferente da que estou acostumado a ver em outras empresas. Primeiro, a Flagship não realiza experimentos para validar ideias iniciais. Ao contrário, ela espera que as equipes projetem “experimentos matadores” que maximizem a probabilidade de expor as falhas de uma ideia. Segundo, ao contrário de muitas empresas consolidadas que investem pesadamente em novos empreendimentos de risco na crença equivocada de que mais recursos se traduzem em maior velocidade e mais criatividade, a Flagship normalmente projeta experimentos matadores com um custo inferior a US$ 1 milhão e com duração máxima de seis meses. Essa abordagem enxuta para experimentar não só permite circular mais ideias com rapidez pela empresa, mas também torna psicologicamente mais fácil abandonar projetos que não levam a nada. Ela obriga as equipes a focar principalmente nas incertezas técnicas mais críticas e lhes oferece feedback mais rápido. A filosofia é descobrir logo no começo qual foi o erro, e depois avançar velozmente rumo a cenários promissores.
Terceiro, na Flagship os dados experimentais são sagrados. Se um experimento produz resultados negativos sobre uma hipótese, as equipes devem abandonar ou reformular suas ideias. Em muitas organizações, um resultado inesperado pode significar “más notícias”. As equipes, muitas vezes, sentem necessidade de reinterpretar os dados — descrevendo os resultados como algum tipo de aberração — para manter seus programas vivos. Na Flagship é inaceitável ignorar dados experimentais.

Finalmente, os próprios membros das equipes de empreendimentos de risco da Flagship são fortemente incentivados a ser disciplinados em seus programas. Eles não recebem nenhum benefício financeiro por continuar presos a um programa fadado ao fracasso. Na verdade, o oposto é verdadeiro. Persistir num programa desses significa desistir da oportunidade de participar de um programa bem-sucedido. Mais uma vez, compare esse modelo com o que é comum em muitas empresas: ter seu programa cancelado é uma notícia terrível para você pessoalmente. Pode significar perda de status ou talvez até de seu emprego. Manter seu programa vivo é bom para sua carreira. Na Flagship, começar um negócio de risco bem-sucedido, interromper seu programa fadado ao fracasso, é bom para sua carreira. (Esclarecimento: fui membro do conselho de uma empresa da Flagship, mas a informação deste exemplo é de um caso discutido na Harvard Business School, que eu pesquisei e do qual fui coautor.)

A experimentação disciplinada é um ato de equilíbrio. Como líder, você quer encorajar as pessoas a considerar “ideias descabidas” e dar-lhes tempo para formular suas hipóteses. Exigir dados para confirmar ou abandonar uma hipótese rápido demais pode reprimir o desempenho intelectual necessário para a criatividade. É óbvio que nem sempre os experimentos mais bem projetados e bem executados produzem resultados, preto no branco. É necessária uma avaliação científica e empresarial para descobrir que ideias são promissoras, quais devem ser reformuladas e quais abandonar. Mas os líderes seniores precisam moldar a disciplina, por exemplo, concluir projetos que eles pessoalmente lideraram ou demonstrar disposição para mudar de opinião diante dos resultados de experimentos.

3. Franqueza e segurança psicológica

Segurança psicológica no ambiente profissional permite que as pessoas se expressem aberta e francamente, sem medo de represália. Décadas de pesquisa sobre esse conceito pela professora Amy Edmondson, da Harvard Business School, mostram que ambientes psicologicamente seguros não só ajudam as empresas a evitar erros catastróficos, mas também promovem o aprendizado e apoiam a inovação. Quando Edmondson, Richard Bohmer, especialista em assistência de saúde, e eu realizamos uma pesquisa sobre a adoção de uma nova tecnologia cirúrgica minimamente invasiva por equipes de cirurgia cardíaca, descobrimos que as equipes com enfermeiras que se sentiam seguras em expor problemas dominavam as novas tecnologias com mais rapidez. Se as pessoas têm medo de criticar, desafiar abertamente pontos de vista dos superiores, debater ideias de outros e levantar perspectivas contrárias, a inovação pode ser reprimida.

Todos nós valorizamos a liberdade de expor nossas ideias sem medo — nós queremos ser ouvidos —, mas a segurança psicológica é uma via de mão dupla. Se para mim é seguro criticar suas ideias, também precisa ser seguro para você criticar as minhas — esteja você hierarquicamente acima de mim na organização ou abaixo. A franqueza irrestrita é crítica para a inovação porque é o meio pelo qual as ideias evoluem e são aprimoradas. Por ter observado ou assistido a inúmeras reuniões de equipes de projetos em P&D, sessões de análise de projeto e reuniões de conselhos de diretoria, posso atestar que o conforto com a franqueza varia tremendamente. Em algumas empresas, as pessoas sentem-se muito à vontade para discutir com os colegas suas ideias, métodos e resultados. A crítica pode ser feroz, e elas têm de ser capazes de defender suas propostas com dados, ou lógica.

Em outras empresas, o clima é polido, as divergências contidas, as palavras cuidadosamente analisadas, as críticas abafadas (pelo menos abertamente). Questionar com ênfase exagerada é correr o risco de parecer que você não é um membro da equipe. Uma gestora de uma grande empresa onde trabalhei como consultor capturou a essência da cultura: “Nosso problema é que somos uma organização incrivelmente agradável”.

Quando se trata de inovação, a organização sincera terá sempre desempenho superior ao da agradável. Esta última confunde polidez e simpatia com respeito. Não há nada de inconsistente em ser franco e respeitoso. Na verdade, eu diria que criticar e aceitar críticas com sinceridade é marca de respeito. Só é possível aceitar uma crítica devastadora às suas ideias se você respeitar a opinião da pessoa que fornece o feedback.

No entanto, à parte desse importante alerta, as organizações “absolutamente francas” não são, necessariamente, os ambientes mais agradáveis para trabalhar. Para os outsiders e os recém-chegados, as pessoas podem parecer agressivas ou de pavio curto. Ninguém mede as palavras sobre filosofias de projeto, estratégia, pressupostos ou percepções do mercado. Tudo que é dito é avaliado (independentemente de títulos e cargos).

Criar uma cultura de debate franco é particularmente difícil em organizações onde as pessoas tendem a se esquivar do confronto ou onde embates são vistos como violação das normas de civilidade. Os líderes seniores precisam definir o tom por meio de seu próprio comportamento e estar dispostos (e ser capazes) de criticar as ideias dos outros construtivamente, sem ser rudes. Para eles, uma forma de encorajar esse tipo de cultura é solicitar críticas às suas próprias ideias e propostas. O briefing do plano de batalha do general Dwight D. Eisenhower aos oficiais do alto comando das Forças Aliadas três semanas antes da invasão da Normandia é um bom exemplo disso. Como narrado em Eisenhower, biografia escrita por Geoffrey Perret, o general começou a reunião dizendo “considero um dever de todos os que virem uma falha neste plano apontá-la sem hesitar. Não tenho simpatia por ninguém que não tolere críticas, qualquer que seja seu posto. Estamos aqui para conseguir os melhores resultados possíveis”.

Eisenhower estava não só convidando os oficiais a fazer críticas ou solicitando input. Ele estava literalmente exigindo, e invocando outro aspecto sagrado da cultura militar: o dever. Com que frequência você pede a seus superiores que critiquem suas ideias?”

4. Colaboração, mas com responsabilidade individual

Sistemas de inovação que funcionam bem precisam de informação, input e uma integração significativa de esforços de diversos grupos de colaboradores. Em culturas colaborativas, é natural para os funcionários procurar ajuda de colegas, sem se preocupar se isso faz parte da descrição formal da função destes. Tais funcionários têm senso de responsabilidade coletiva.

Mas, com muita frequência, a colaboração se confunde com consenso. E o consenso é veneno para tomar decisões rápidas e navegar pelos problemas complexos associados à inovação transformadora. No final, alguém precisa tomar uma decisão e se responsabilizar por ela. Em culturas de responsabilidade as pessoas devem tomar decisões e assumir as consequências.

Não há nada inerentemente inconsistente em culturas colaborativas e focadas na responsabilidade. A administração pode rever decisões, ou as equipes fornecer input, mas no fim do dia determinadas pessoas estão encarregadas de fazer escolhas críticas sobre o projeto — decidir que aspectos devem prosseguir ou parar, que fornecedores utilizar, que canais estratégicos são mais adequados, que plano de marketing é o melhor e assim por diante. A Pixar criou várias formas de fornecer feedback aos diretores de filmes, mas como Ed Catmull, seu cofundador e presidente, descreve em seu livro Creativity, Inc., o diretor escolhe qual feedback aceitar e qual ignorar e se responsabiliza pelo conteúdo do filme.Responsabilidade e colaboração podem ser complementares, e a responsabilidade pode motivar a colaboração.

Um bom exemplo de como a responsabilidade pode levar a um comportamento colaborativo é o da Amazon. Ao pesquisar um caso da Harvard Business School, eu descobri que quando Andy Jassy se tornou diretor do negócio de computação em nuvem, então emergente, da Amazon, em 2003, seu maior desafio foi descobrir que serviços criar (uma tarefa provavelmente nada fácil, dado que os serviços em nuvem eram um espaço completamente novo na Amazon — e no mundo). Jassy imediatamente procurou ajuda das equipes de tecnologia da Amazon, de líderes de negócio e líderes técnicos e de desenvolvedores externos. O feedback que recebeu sobre exigências, problemas e necessidades foi crítico para o sucesso inicial do que finalmente acabaria se tornando a Amazon Web Services — atualmente um negócio lucrativo de US$ 12 bilhões geridos por Jassy. Para ele, a colaboração foi essencial para o sucesso do programa do qual foi pessoalmente responsável.

Os líderes podem encorajar a responsabilidade sendo eles mesmos publicamente responsáveis, mesmo quando isso implica risco pessoal.

5. Nivelamento, mas forte liderança

Um gráfico organizacional fornece uma ideia muito boa do nivelamento estrutural de uma empresa, mas revela pouco sobre seu nivelamento cultural — como as pessoas se comportam e interagem independentemente de sua posição oficial. Em organizações culturalmente niveladas, as pessoas têm ampla liberdade de adotar medidas, tomar decisões e expor suas opiniões. A deferência é concedida com base na competência, não em títulos. Culturalmente as organizações niveladas normalmente conseguem reagir com mais agilidade a circunstâncias que mudam com rapidez, porque a tomada de decisão é descentralizada e mais próxima das fontes de informação relevantes. Elas tendem a gerar maior diversidade de ideias que as empresas hierarquizadas porque aproveitam o conhecimento, a expertise e as perspectivas de uma comunidade mais ampla de colaboradores.

No entanto, falta de hierarquia não significa falta de liderança.

Paradoxalmente, as organizações niveladas requerem liderança mais forte que as hierarquizadas. As organizações niveladas geralmente se transformam em caos quando a liderança não consegue estabelecer prioridades estratégicas e direções claras. A Amazon e a Google são organizações muito niveladas, nas quais a tomada de decisão e a responsabilidade se estendem até os níveis mais baixos e os funcionários de todos os níveis desfrutam de um alto grau de autonomia para desenvolver ideias inovadoras. No entanto, em ambas os líderes são incrivelmente fortes e visionários, comunicam metas e articulam princípios importantes sobre como essas organizações devem operar.
Aqui novamente o equilíbrio entre nivelamento e forte liderança requer a mão hábil dos gestores. Nivelamento não significa que os líderes seniores devem se distanciar dos detalhes operacionais ou projetos. Na verdade, o nivelamento permite que os líderes estejam mais próximos da ação. O falecido Sergio Marchionne, que liderou a ressurreição primeiro da Fiat e depois da Chrysler (e foi o arquiteto de sua fusão), comentou numa entrevista um caso da Harvard Business School que escrevi: “Nas duas empresas utilizei os mesmos princípios básicos para a mudança. Primeiro nivelei a organização. Tive de reduzir a distância entre mim e as pessoas que tomavam decisões. (Em determinado momento Marchionne tinha 46 subordinados diretos nas duas organizações.) Se havia algum problema, eu queria ouvi-lo diretamente da pessoa envolvida, não de seu chefe”.

Tanto na Fiat como na Chrysler, Marchionne transferiu seu escritório para o piso da engenharia para poder estar mais perto do planejamento do produto e dos programas de desenvolvimento. Ele era famoso por focar nos detalhes e por estender as tomadas de decisão até os níveis mais baixos da organização. (Com tantos subordinados diretos, era praticamente impossível não fazer isso.)

É difícil conseguir o justo equilíbrio entre nivelamento e forte liderança da alta gestão e dos funcionários de toda a organização. Para os líderes seniores, isso exige capacidade de articular visões estratégicas convincentes (o que compõe a big-picture) e, ao mesmo tempo, ser habilidoso e competente em questões técnicas e operacionais. Steve Jobs foi um grande exemplo de líder com essa capacidade. Ele delineou ideias visionárias para a Apple e ao mesmo tempo era obcecado por questões técnicas e de projeto. Para os funcionários, o nivelamento exigia que eles desenvolvessem suas próprias capacidades de forte liderança e se sentissem confortáveis em tomar medidas e se responsabilizar por suas decisões.

Liderar a jornada

Todas as mudanças culturais são difíceis. As culturas organizacionais são como contratos sociais que especificam as regras das partes interessadas. Quando os líderes resolvem mudar a cultura de uma organização, eles estão, em certo sentido, rompendo um contrato social. Não seria de surpreender que muitas pessoas da organização — principalmente as bem-sucedidas com as regras em vigor — se opusessem.

Liderar a jornada para criar e manter uma cultura inovadora é particularmente difícil por três motivos. Primeiro, como as culturas inovadoras requerem uma combinação de comportamentos aparentemente contraditórios, elas correm o risco de criar confusão. Um grande projeto fracassou. Devemos comemorar? O líder do programa deve ser responsabilizado? A resposta a essas perguntas depende das circunstâncias. A falha podia ser evitada? Havia o conhecimento prévio de questões que pudessem resultar em escolhas diferentes? Os membros da equipe foram transparentes? O aprendizado decorrente da experiência seria relevante? E assim por diante. Se não houver clareza sobre essas questões, as pessoas se tornam confusas e até céticas quanto às intenções da liderança.

Segundo, enquanto certos comportamentos exigidos por culturas inovadoras são relativamente fáceis de aceitar, outros são menos palatáveis para algumas pessoas da organização. Aquelas que pensam na inovação como aberta para todos, verão a disciplina como uma restrição desnecessária à sua criatividade. Aquelas que se aproveitam do anonimato do consenso não aceitarão uma mudança que valoriza a responsabilidade pessoal. Algumas pessoas se adaptarão rapidamente às novas regras, mas outras não.

Terceiro, como as culturas inovadoras são sistemas de comportamentos interdependentes, elas não podem ser implementadas de forma fragmentada. Pense em como os comportamentos se complementam e reforçam mutuamente. Pessoas extremamente competentes se tornarão mais confortáveis com tomadas de decisão e responsabilidades — e suas “falhas” provavelmente levarão ao aprendizado, em vez de ao desperdício. A experimentação disciplinada custará menos e produzirá informação mais útil — por isso, mais uma vez, a tolerância a experimentos que fracassam torna-se prudente, e não míope. A responsabilidade facilita muito o nivelamento — e organizações niveladas criam um fluxo rápido de informação, que leva a tomadas de decisão mais rápidas e inteligentes.

Além das coisas triviais que os líderes podem fazer para implementar uma mudança cultural (articular e comunicar valores, modelar comportamentos-alvo e assim por diante), criar uma cultura inovadora requer algumas ações específicas. Primeiro, os líderes precisam ser transparentes para com a organização sobre a dura realidade das culturas inovadoras. Elas não são brincadeira. As pessoas podem se empolgar com as perspectivas de ter mais liberdade para experimentar, fracassar, colaborar, falar abertamente e tomar decisões. Mas também precisam reconhecer que essas liberdades são acompanhadas de sérias responsabilidades. É melhor ser direto logo no início que arriscar a alimentar o ceticismo depois, quando as regras parecem mudar no meio do caminho.

Segundo, os líderes precisam reconhecer que não há atalhos na formação de uma cultura inovadora. Muitos líderes acreditam que fragmentando a organização em unidades menores ou criando “pequenos departamentos” autônomos podem emular o início de uma cultura inovadora. Essa abordagem raramente funciona. Simplesmente fragmentar uma grande organização burocrática em unidades menores não as dota magicamente de espírito empreendedor. Sem fortes esforços da gestão para moldar valores, normas e comportamentos, essas unidades geradas tendem a herdar a cultura da organização mãe. Isso não significa que unidades ou equipes autônomas não possam ser usadas para experimentar uma cultura ou incubar uma nova. Elas podem. Mas o desafio de criar culturas inovadoras dentro dessas unidades não deve ser subestimado. E elas não serão para todos, por isso você precisa selecionar com muito cuidado quem da organização mãe deve integrá-las.

Finalmente, como as culturas inovadoras podem ser instáveis e a tensão entre as forças de equilíbrio pode facilmente desequilibrá-las, os líderes precisam estar atentos aos sinais de excesso em qualquer área e intervir para recuperar o equilíbrio quando necessário. Tolerância exagerada ao fracasso pode encorajar a negligência e infindáveis pedidos de desculpas, mas excesso de intolerância à incompetência pode gerar medo de assumir riscos. Nenhum desses extremos é conveniente. Se exagerada, a disposição ao experimento se converte em permissão para assumir riscos indevidos e disciplina exageradamente restritiva reprime boas ideias, mas deformadas. A colaboração excessiva abafa a tomada de decisão, mas ênfase excessiva na responsabilidade individual leva a um clima disfuncional no qual todos, diligentemente, protegem seus próprios interesses. Há diferença entre ser franco e ser desagradável. Os líderes precisam estar atentos às tendências ao exagero, principalmente em si mesmos. Se você pretende que sua organização atinja o delicado equilíbrio necessário, então, como líder, demonstre capacidade de atingir esse equilíbrio.


Gary P. Pisano é professor e reitor assistente sênior de desenvolvimento na Harvard Business School. Ele é autor de Creative construction: the DNA of sustained innovation (a ser publicado em breve pela PublicAffairs).