Apesar de a autoconsciência – isto é, saber quem somos e como somos vistos – ser importante para o desempenho no trabalho, o sucesso na carreira e a eficácia na liderança, hoje sua existência no ambiente de trabalho é impressionantemente escassa. Em nosso programa de pesquisa de quase cinco anos sobre o assunto, descobrimos que, embora 95% das pessoas acreditem ser autoconscientes, apenas entre 10 e 15% realmente são.
Não é preciso procurar muito no escritório para encontrar colegas de trabalho que não tenham esse autoconhecimento; pessoas que, mesmo com conquistas passadas, qualificações sólidas ou inteligência irrefutável, demonstram completa falta de discernimento a respeito de como são vistas por outros. Em uma pesquisa que realizamos com 467 adultos que atuam em vários setores nos EUA, 99% dos entrevistados afirmaram trabalhar com pelo menos uma pessoa que se encaixa nesse perfil; e quase metade dos participantes disse trabalhar com pelo menos quatro delas. Colegas de trabalho foram apontados com mais frequência (73% relataram pelo menos um colega sem autoconsciência), seguidos de subordinados diretos (33%), chefes (32%) e clientes (16%).
Colegas de trabalho sem autoconsciência não são apenas frustrantes; podem reduzir pela metade as chances de uma equipe alcançar o sucesso. De acordo com nossa pesquisa, outras consequências de trabalhar com colegas desse tipo incluem maior estresse, menor motivação e maior probabilidade de deixar o emprego.
Então, como lidar com essas situações? É possível ajudá-los a desenvolver maior autoconsciência? E, se não o conseguirmos, o que podemos fazer para minimizar os danos causados em nosso sucesso e felicidade?
Compreendendo o problema
Nem todos os colegas que apresentam mau comportamento precisam desenvolver mais autoconsciência e, entre esses, nem todos podem ser ajudados. Portanto, é preciso identificar primeiro se a origem do problema é realmente a falta de autoconsciência. Reflita sobre as seguintes questões:
Qual a origem do problema?
Quando fica difícil trabalhar com alguém, nem sempre o problema se encontra na falta de autoconsciência por parte do outro. Conflitos interpessoais podem surgir de diferentes prioridades, estilos de comunicação incompatíveis ou falta de confiança.
Para saber se você realmente está lidando com uma pessoa com essa característica, pense em como os outros ao redor dela se sentem. Geralmente, se alguém não se conhece, há um consenso sobre seu comportamento (isto é, mais pessoas terão a mesma sensação que você). Em outras palavras, é possível encontrar vários comportamentos coerentes em indivíduos sem autoconsciência:
- Não ouvem nem aceitam feedbacks construtivos.
- Não conseguem sentir empatia, nem aceitar a perspectiva do outro.
- Sentem dificuldade em “interpretar” um ambiente e adaptar sua mensagem para um determinado público.
- São presunçosos quanto a suas contribuições e desempenho.
- Ofendem os outros sem perceber.
- Assumem o crédito pelas conquistas e culpam os outros pelos erros.
Quem é essa pessoa?
Diferentemente dos não autoconscientes, alguns colegas difíceis, como aqueles chatos do escritório, sabem exatamente o que estão fazendo, mas não estão dispostos a mudar.
Certa vez, conheci um diretor de operações que tinha a reputação de humilhar sua equipe sempre que o decepcionava. Quando confrontado sobre esse comportamento, respondeu que: “a melhor ferramenta de gestão é o medo. Se o temerem, farão o trabalho”. (Como esperado, seus superiores não compartilhavam do mesmo ponto de vista e o demitiram meses depois).
A maior diferença entre os que não têm autoconsciência e os que Sabem-Mas-Não Ligam são as intenções: a pessoa que não se conhece quer, genuinamente, ser colaborativa e eficaz, mas não percebe que não está conseguindo. Enquanto o que Sabe-Mas-Não-Liga reconhece seu comportamento sem que a consciência pese (“Claro que pressiono os clientes. É a única maneira de fazer a venda!”), o não consciente não percebe como está se saindo de verdade (“A reunião com o cliente correu bem!”).
Ajudando quem não se conhece
Depois de identificar que uma pessoa precisa desenvolver mais autoconsciência, é hora de avaliar, com honestidade, se é possível ajudá-la. Pense se ela tem a intenção de mudar. Você já a viu pedir uma opinião diferente ou aceitar um feedback construtivo? Isso sugere que é possível colaborar com ela para que se torne mais autoconsciente.
Mas ajudar pode dar trabalho. Nossa pesquisa descobriu que, embora 70% das pessoas com colegas sem autoconsciência tenham tentado ajudá-los a melhorar, apenas 31% tiveram êxito ou muito êxito. E, entre os que decidiram não ajudar, apenas 21% confessaram estar arrependidos. Então, antes de tentar, pergunte a si mesmo:
Sou a pessoa certa para a tarefa?
O motivo número um dado pelos entrevistados para não ajudar foi não acreditarem ser a pessoa certa para a tarefa. É verdade que só fornecer feedbacks bons e construtivos apenas nos leva até uma parte do caminho. Para se dispor a receber um feedback, a pessoa deve realmente confiar em nós – precisa acreditar que queremos, de coração, o melhor para ela. Quando há confiança, ela se sentirá mais confortável em ficar vulnerável, um pré-requisito para que consiga enxergar a realidade.
Então, pense em sua relação com esse colega: você já se esforçou para ajudá-lo ou apoiá-lo no passado? E você está confiante de que ele verá seu feedback com bons olhos – ou seja, como uma demonstração de apoio para ajudá-lo a melhorar – em vez de inferir que há um motivo mais nefasto por trás disso? Ou há outros que podem estar mais aptos para essa tarefa?
Estou disposto a aceitar a pior das situações?
A segunda razão mais comum para as pessoas decidirem não ajudar é o risco ser alto demais. Como observou um dos participantes do nosso estudo, “posso não conseguir ajudar e tentar [pode] deixá-lo irritado”. As consequências de tudo correr mal podem variar de desagradáveis (lágrimas, tratamento do silêncio, gritos) a prejuízos na carreira (um funcionário pode pedir demissão; um colega pode tentar nos sabotar; um chefe pode nos mandar embora).
Aqui, a hierarquia representa um fator importante. Por exemplo: embora os chefes sem autoconsciência tenham um impacto negativo na satisfação, no desempenho e bem-estar de seus funcionários, confrontar o próprio chefe é mais arriscado por conta do cargo que exerce. Por outro lado, o risco tende a ser menor entre pares e menor ainda com subordinados diretos (na verdade, se você tem um funcionário sem autoconsciência, sua função é, literalmente, ajudá-lo). Contudo, seja qual for sua posição na hierarquia, esteja sempre pronto para aceitar a pior das hipóteses caso ocorra.
Se você acredita que pode ajudar, qual a melhor maneira de fazê-lo? Com certeza existem muitos recursos úteis para fornecer feedbacks de alta qualidade, e a maioria funciona com os não autoconscientes. Há, no entanto, três práticas que merecem destaque na hora de dar-lhes importância.
Em primeiro lugar, converse pessoalmente (nossa pesquisa sugere que feedbacks fornecidos por e-mail são 33% menos eficazes). Em segundo, em vez de expor o mau comportamento de repente, pratique a paciência estratégica. Se possível, espere até que pareçam estar frustrados ou insatisfeitos (sem nem perceberem) por causa da falta de autoconsciência. Ofereça fazer uma observação em prol do sucesso e bem-estar deles (usar a palavra “feedback” pode deixá-los na defensiva). Por último, se concordarem, concentre-se em comportamentos específicos, passíveis de serem observados, e em como essas atitudes lhes limitam o sucesso. Termine a conversa reafirmando seu apoio e perguntando como você pode ajudar.
O que fazer se eles não mudarem
É fácil perder a esperança quando você não consegue ajudar alguém sem autoconsciência. A boa notícia é que, embora não possamos obrigá-los a perceber como têm agido, podemos minimizar o impacto de suas atitudes sobre nós.
Ressignifique o comportamento do outro de forma consciente: A prática de atenção plena, popular no ambiente de trabalho, pode ser uma ferramenta eficaz para lidar com não autoconscientes. Especificamente, perceber o que estamos sentindo em um determinado momento nos permite ressignificar a situação e ser mais resilientes.
Eis uma ferramenta digna de nota para não nos deixarmos levar pelas nossas reações negativas diante dos não autoconscientes. A ideia da “trilha de risadas” me veio quando tive a infelicidade de trabalhar para um chefe Sei-Mas-Não-Ligo. Um dia, depois de um encontro particularmente desagradável, lembrei-me de meu programa de TV favorito na adolescência, The Mary Tyler Moore Show. O chefe da personagem Mary era um homem grosseiro chamado Lou Grant. Em um dia bom, Lou era mal-humorado; em um dia ruim, era descaradamente ofensivo. Mas, como seus comentários eram seguidos por um fundo sonoro de risadas, tornavam-se surpreendentemente agradáveis. Decidi que, na próxima vez em que meu chefe dissesse algo horrível, eu imaginaria uma trilha sonora de risadas como fundo de nossa conversa. Sempre me surpreendia com o quanto a situação ficava menos dolorosa (e às vezes até hilária) ao usar essa ferramenta.
Encontre a humanidade do outro: Por mais difícil que seja lembrar, até mesmo os sem autoconsciência são humanos. Se nos lembrarmos disso, em vez de perder a paciência quando estão se comportando mal, podemos reconhecer que, no fundo, seu comportamento não autoconsciente é um sinal de que estão com dificuldades. Podemos adotar a mentalidade de compaixão sem julgamento.
Pesquisadores descobriram que aprimorar nossas habilidades de compaixão nos ajuda a permanecer calmos diante de pessoas e situações difíceis. Como afirma o professor de administração Hooria Jazaieri, “há consequências [negativas]… quando estamos… pensando coisas ruins sobre alguém” – a compaixão “nos permite o distanciamento”.
Pense a longo prazo: quando se trata de lidar com pessoas sem autoconsciência, uma das coisas mais importantes para lembrar é que, só porque elas são assim hoje, isso não significa que não possam mudar no futuro. Às vezes, comportamentos não autoconscientes precisam ser mencionados em diversa ocasiões antes de o feedback ser aceito – ou, como notou um dos participantes da nossa pesquisa, “há casos em que precisam bater a cabeça o suficiente até finalmente verem a luz”.
Em nossa pesquisa, estudamos pessoas que tiveram melhoras drásticas e transformadoras em seu autoconhecimento. Embora seja preciso coragem, compromisso e humildade, é de fato possível – e, se as pessoas a nosso redor optam por se conhecer melhor ou não, nós temos controle total sobre nossa escolha de nos melhorarmos. Afinal, talvez nossa energia seja mais bem aproveitada quando focamos no autoconhecimento.
Tasha Eurich é doutora, psicóloga organizacional, pesquisadora e autora considerada best-seller pela New York Times. É a diretora da The Eurich Group, empresa de desenvolvimento executivo personalizado que ajuda outras empresas – de startups a Fortune 100 – a serem bem-sucedidas, melhorando a eficácia de seus líderes e equipes. Seu livro mais recente, Insight, investiga a relação entre autoconsciência e sucesso no ambiente de trabalho.