Clayton Christensen é o inventor do conceito de “inovação disruptiva”. Sua teoria foi apresentada no livro O Dilema da Inovação, de 1997, e revolucionou o mundo dos negócios. Professor da Universidade Harvard, aos 66 anos, Clay ampliou o alcance de sua ideia, aplicando-a às nações. E é justamente sobre esse tema sua nova obra The Prosperity Paradox – How Innovation can Lift Nations Out of Poverty (“O Paradoxo da Prosperidade – Como a Inovação Pode Erguer Nações da pobreza”, em tradução livre). Lançada hoje nos Estados Unidos pela editora Harper Business, ainda não tem data para chegar ao Brasil.
Época NEGÓCIOS teve acesso com exclusividade ao livro, do qual publica a seguir o capítulo 9. Nesse trecho, por meio do relato de vários casos, Clay mostra como as inovações e a criação de novos mercados, ao fazer as sociedades prosperar, é uma das estratégias mais eficazes contra a corrupção. Traduzido por Luiz Roberto Gonçalves e Thaïs Costa, ele pode ser lido a seguir.A corrupção não é o problema; é uma solução
Na nossa teoria, qualquer que seja a estratégia de aplicação da lei escolhida pela sociedade, os indivíduos privados tentarão subverter seu funcionamento em benefício próprio.
— EDWARD L. GLAESER e ANDREI SHLEIFER, “THE RISE OF THE REGULATORY STATE”A ideia em resumo
Corrupção. Pergunte aos investidores por que eles decidem não investir em determinadas regiões, ou aos cidadãos dessas regiões por que seus países não estão se desenvolvendo, e a corrupção estará quase sempre no topo da lista. Uma estimativa recente do Fundo Monetário Internacional (FMI) situa o custo anual só de subornos em aproximadamente US$ 1,5 trilhão a US$ 2 trilhões. Os custos econômicos e sociais totais da corrupção são provavelmente muito maiores, já que as propinas constituem apenas um aspecto de suas possíveis formas. O problema da corrupção é tão corrosivo e disseminado que centenas de milhões de dólares são gastos anualmente para tentar erradicá-la em todo o mundo — mas ela ainda é teimosamente generalizada.
Neste capítulo, examinaremos o problema da corrupção de modo diferente. Em vez de perguntar como podemos erradicá-la, perguntamos por que a corrupção persiste, para começar? A resposta, acreditamos, está não somente em algumas falhas morais fundamentais, mas sobretudo em compreender por que muitas pessoas preferem “adotar” a corrupção. Através de um novo conjunto de lentes, poderemos entender melhor a corrupção e, esperamos, começar a encontrar novas maneiras de mitigá-la. Quando eu era missionário na Coreia do Sul, éramos visitados todo mês por um homem que vendia um seguro de “segurança”. Se você lhe pagasse (e não era uma quantia pequena, da nossa perspectiva), ele garantiria que nossa casa não fosse roubada. Se você não comprasse o seguro, alguém “limparia” sua casa. Garantir que nossas modestas posses não fossem levadas embora era importante para nossa sobrevivência, por isso pagamos. Somente em retrospectiva eu vejo que participamos ativamente de uma forma de corrupção de baixo nível — uma espécie que define um equilíbrio de poder na comunidade local, facilita a vida (ou dificulta, para os que não quiserem participar) e mantém engraxadas as engrenagens econômicas da vida cotidiana. A corrupção era uma questão de sobrevivência. Nos dois lados.
Ver quão facilmente isso aconteceu — não apenas conosco, mas com outros à nossa volta — me fez perguntar se a corrupção é só uma questão moral. Sei que os coreanos que conhecemos eram boas pessoas. Mas se a corrupção é principalmente uma questão moral, por que essas boas pessoas participavam disso com tanta facilidade? E elas não são as únicas. Hoje, mais de dois terços dos países avaliados pela Transparência Internacional, uma ONG dedicada ao combate à corrupção, tiveram notas abaixo de 50 — sendo 100 a mais alta — no Índice Anual de Percepção da Corrupção. A nota 0 é muito corrupto, 100 é muito “limpo”. A média mundial foi 43. Segundo a organização, 6 bilhões do total de 7,6 bilhões de pessoas no mundo vivem em países com governos “corruptos”. É muita gente. É difícil estimar o efeito congelante que a corrupção — ou a ameaça de — tem nos países pobres, especialmente quando a mera percepção de corrupção impede investimentos que poderiam ajudar os países a criar riqueza e prosperidade, mas sabemos que o impacto é enorme.
O combate à corrupção muitas vezes parece o Jogo da Toupeira, em que um jogador usa um martelo para acertar toupeiras de brinquedo que aparecem aleatoriamente de diversos buracos na superfície do jogo. Você acerta uma toupeira e outra salta para cima em outro buraco. Você gasta tanta energia acertando os animais que acaba desistindo.
Isso nos fez perguntar se estamos enfocados basicamente nos sintomas da corrupção, em vez de tentar realmente compreender sua causa. Para chegar ao fundo do problema, devemos fazer duas perguntas importantes: primeira, por que a corrupção escancarada é tão mais difundida nos países mais pobres do que nos ricos? E segunda: como muitos dos países hoje prósperos minimizaram as incidências de corrupção? Como veremos, as respostas a essas perguntas oferecem um quadro que poderá ajudar a reduzir a prevalência da corrupção em muitos dos países mais pobres do mundo.Compreendendo a corrupção
A corrupção não é um fenômeno recente. Muitos países hoje prósperos já foram corruptos; na verdade, alguns eram tão corruptos quanto muitos países pobres são hoje. Mas a corrupção não é um fenômeno permanente, tampouco. Ou pelo menos não precisa ser. Apesar de sabermos que ainda ocorrem casos individuais até nos países mais admirados do mundo (e os Estados Unidos não são exceção), ela não é mais uma parte dominante dessas culturas. Então o que causou o dano? Você poderia fazer uma lista rápida de respostas que parecem óbvias: boa liderança e governança de cima para baixo, uma mudança nos valores morais da sociedade, ou a implementação de instituições adequadas. Mas não acreditamos que essas sejam as coisas que modificam fundamentalmente a tolerância de uma sociedade à corrupção. Isso é importante para reconhecer por que tantos programas anticorrupção são voltados quase exclusivamente à governança e funcionam na base de instilar um sentido de certo e errado. Se essa fosse a chave para combater a corrupção, por que esses esforços muito dignos em geral tiveram relativamente pouco impacto duradouro para vencer o combate à corrupção?
Segundo o mais recente Índice de Percepção de Corrupção, relatório publicado pela Transparência Internacional, “a maioria dos países fez pouco ou nenhum progresso para acabar com a corrupção “.2 Assim, mesmo com o intenso enfoque internacional — e uma enxurrada de recursos para combater o problema, incluindo iniciativas para inculcar um sentido fundamental de integridade nas crianças –, o progresso tem sido muito lento.
Não acreditamos que as pessoas que nascem nas sociedades pobres estejam de algum modo perdendo a fibra moral fundamental das que têm a felicidade de nascer em circunstâncias mais prósperas. Tampouco elas simplesmente ignoram que exista um caminho melhor. A corrupção é o melhor caminho, um atalho, uma utilidade em lugares onde há poucas opções melhores. A corrupção é adotada para se realizar um trabalho, ou, mais especificamente, para ajudar as pessoas a progredir em uma determinada circunstância. Essa é uma visão importante. Quando compreendermos por que as pessoas recorrem à corrupção, poderemos começar a ver diferentes abordagens para solucionar o problema.
Não estamos dizendo que a corrupção possa ser completamente erradicada de uma sociedade, mas acreditamos que possa ser atenuada de modo significativo. E isso é importante para o potencial de crescimento de uma sociedade, porque limitar a corrupção abre espaço para a previsibilidade, que em última instância melhora a confiança e a transparência. A confiança enraizada nos sistemas é o objetivo, porque as pessoas se dispõem a ver oportunidade e investir em economias construídas sobre confiança e transparência. E, assim como prosperidade, construir confiança é um processo.Por que as pessoas adotam a corrupção?
Para iniciar o processo de construir confiança e transparência, precisamos compreender por que as pessoas adotam a corrupção para resolver seus problemas. Descobrimos três motivos poderosos.
Primeiro, a vasta maioria dos indivíduos na sociedade quer progredir. Da pessoa pobre que procura emprego à rica que deseja ganhar status, a maioria quer melhorar seu bem-estar financeiro, social e emocional. É por isso que estudamos, tiramos férias e vamos a locais de culto religioso. Também é por isso que guardamos dinheiro, compramos casas, abrimos empresas e disputamos cargos públicos. Cada uma dessas coisas, de uma maneira ou de outra, nos ajuda a sentir que estamos progredindo na vida. Quando a sociedade nos oferece poucas opções de progresso, a corrupção se torna mais interessante.
Segundo, todo indivíduo, assim como toda empresa, tem uma estrutura de custos. Nos negócios, a estrutura de custos de uma empresa se refere à combinação das despesas fixas e variáveis que ela efetua para conduzir seus negócios. Ela define quanto uma empresa tem de gastar para projetar, fabricar, vender e apoiar um produto. Por exemplo, quando uma companhia gasta US$ 100 para criar e entregar um produto a um cliente, para ter lucro ela deve vender o produto por mais de US$ 100.
De modo semelhante, os indivíduos também têm uma estrutura de custos — quanto eles gastam para manter um determinado estilo de vida. Isto inclui despesas como aluguel ou prestações de hipoteca, matrículas escolares, contas de hospital, alimentação etc., e, assim como as companhias, os indivíduos devem ter receitas (de trabalho ou de investimentos) maiores que os custos. Compreender essa simples relação receitas-despesas pode ajudar a prever circunstâncias em que a probabilidade de corrupção será alta, assim como a eficácia das intervenções anticorrupção. Essencialmente, se os programas anticorrupção não afetarem fundamentalmente a equação receitas-despesas, é improvável que sejam sustentáveis.
Como ilustração, considere este simples exemplo. Se um policial na Índia ganha 20 mil rúpias por mês (aproximadamente US$ 295), mas tem uma estrutura de custos que exige que ele gaste US$ 400 por mês, ele será suscetível à corrupção, independentemente do que digam as leis. Em consequência, podemos previsivelmente esperar que o policial médio peça propinas, especialmente em uma sociedade onde a aplicação da lei e os processos de crimes de corrupção não são prevalentes. Não é que ele seja inerentemente uma pessoa má — na verdade, acredito pessoalmente que as pessoas sejam intrinsecamente boas –, mas as circunstâncias de sua vida exigem que ele faça opções difíceis para sobreviver.
O terceiro motivo pelo qual as pessoas praticam corrupção é que a maioria dos indivíduos — independentemente do nível de renda — tentará subverter as estratégias predominantes de aplicação da lei para progredir ou se beneficiar, segundo os professores de Harvard Edward Glaeser e Andrei Shleifer, que estudaram o aumento da regulamentação nos Estados Unidos na virada do século XX. Os seres humanos são “programados” para tomar a melhor decisão para si mesmos conforme as circunstâncias. Quando somos confrontados com uma lei que limita nossa capacidade de fazer algo que queremos, a maioria de nós instintivamente faz um cálculo mental. Eu preciso obedecer a essa lei, ou posso desobedecê-la sem consequências? E de que modo me sairei melhor?
O raciocínio por trás desta ideia é muito simples: viver de acordo com as leis definidas pelo Estado exige esforço, e por isso a pessoa racional média vai justapor os benefícios de obedecer à lei com as consequências da desobediência. Se a balança se inclinar para a desobediência, é de fato irracional que o indivíduo obedeça à lei, por mais que ela pareça “boa para a sociedade”. Um exemplo simples disso que ocorre no mundo todo é o fato de que tantas pessoas ultrapassam o limite de velocidade quando não há policiais à vista. Vinte anos atrás, ter um detector de radar no carro era quase um símbolo de status nos EUA. Hoje em dia, o aplicativo Waze, baseado em GPS, nos permite avisar uns aos outros quando há um carro da polícia à espreita atrás de arbustos na estrada. Desenvolvemos um produto de rede social que depende de muitas pessoas concordarem que devemos nos ajudar mutuamente a evitar sermos apanhados por radares. Queremos progredir — ir aonde desejamos rapidamente — e ao mesmo tempo ignorar a lei que nos informa do limite de velocidade, porque acreditamos que ficaremos melhor fazendo essa opção. Enquanto as circunstâncias podem diferir, o processo de avaliação raramente o faz.
Mas as sociedades evoluem. Entretanto, o caminho de uma sociedade mergulhada em corrupção para outra em que confiança e transparência prosperam geralmente segue um padrão predefinido e muitas vezes previsível, com três fases: “corrupção escancarada e imprevisível”, seguida de “corrupção encoberta e previsível”, transitando afinal para o que chamaremos de uma sociedade “transparente”.
Só porque um determinado país é classificado como estando na fase 1 não significa que não tenha alguns componentes da fase 2. Em vez de pensar nessas três fases como absolutamente diferentes, pense nelas como três pontos em um espectro. Nossa suposição é que todos queremos terminar o mais próximo possível da fase 3 — uma sociedade em que a confiança e a transparência são valorizadas. O caminho para a transparência se manifesta de modo ligeiramente diferente em países diversos, levando em conta sua cultura e suas circunstâncias. A história nos diz, porém, que o caminho da corrupção à transparência em muitos dos países menos corruptos do mundo seguiu um caminho relativamente previsível ao passar por essas fases. Veja como ele geralmente se desenrola.Fase 1: Escancarada e imprevisível
A primeira fase é o que chamamos de Corrupção Escancarada e Imprevisível, e é aí que se encontram muitos países pobres. Neles, os contratos são difíceis de aplicar, as instituições governamentais raramente são confiáveis e os escândalos de corrupção, comuns. Em qualquer desses países, quando você lê um jornal provavelmente encontra uma manchete na primeira página sobre grandes desvios de verbas pelas elites empresariais e políticas. Muitos países nessa fase têm nota baixa no Índice de Percepção da Corrupção, da Transparência Internacional. É muito difícil que o capital seja empregado nesse tipo de ambiente. Os investidores compreensivelmente evitam esse tipo de imprevisibilidade e opacidade. Por exemplo, imagine fazer negócios na Venezuela, onde o governo não pode mais financiar as necessidades básicas de muitas pessoas.
Embora a situação na Venezuela possa parecer desesperadora, é importante notar que muitos países prósperos e avançados já tiveram circunstâncias semelhantes. No final dos anos 1940, por exemplo, Taiwan era muito corrupta e imprevisível. Prefeitos e autoridades públicas distribuíam favores aos amigos e forravam os bolsos no processo, e muitas formas de corrupção, como propina, enriquecimento ilícito, nepotismo e até crime organizado corriam soltos. Mas desde então Taiwan se tornou uma economia muito bem sucedida e produtiva, e se situa no 29º lugar entre os 180 países no Índice de Percepção de Corrupção.
Nesta primeira fase da evolução de uma sociedade, especialmente quando o país é pobre, uma estratégia de combate à corrupção enfocada basicamente na instituição de novas leis não é muito eficaz para conter a corrupção. De fato, elas tendem a agravar as coisas, pois é dado um prêmio para se encontrar maneiras de contornar as leis que atrapalham o progresso das pessoas. Além disso, muitos países pobres são incapazes de impor a lei adequadamente. Acontece que a aplicação da lei é cara — do ponto de vista financeiro, social e político. Isso não quer dizer que a corrupção passe despercebida. Os protestos contra ela são enormes e frequentes em todo o mundo. Esse fervor levou a uma proliferação de candidatos anticorrupção disputando cargos políticos importantes. Às vezes eles até ganham. Vladimir Putin, na Rússia, e o falecido Hugo Chávez, na Venezuela, por exemplo, chegaram ao poder prometendo erradicar a corrupção. Digamos apenas que essas campanhas não tiveram o efeito que os eleitores esperavam.
Mesmo no raro caso de líderes genuinamente bons com uma vontade poderosa de transformar um país — veja o exemplo da influência de Nelson Mandela na África do Sul nos anos em que ele a comandou — a corrupção não desaparece magicamente com boas intenções do governo. Quando Mandela foi eleito presidente da África do Sul pós-apartheid, em 1994, ele era sem dúvida um dos líderes mais admirados do mundo. Vinte e sete anos como prisioneiro político não haviam atenuado sua vontade de tornar a África do Sul um lugar melhor. Pelo contrário, a haviam fortalecido. Ainda hoje pensamos nele como a personificação de uma grande liderança. “Embora ele tenha declarado ser um homem comum que se tornou um líder por causa de circunstâncias extraordinárias”, disse minha colega Nitin Nohria, reitora da Escola de Economia de Harvard, por ocasião da morte de Mandela, “ele exemplificou as características de liderança que mais valorizamos: integridade, moral, compaixão e humildade.”
Mas mesmo durante os anos mais esperançosos de seu mandato a África do Sul estava — e continua — mergulhada na corrupção. De fato, nos anos desde que Mandela deixou o governo, a corrupção só piorou. Jacob Zuma, que se tornou presidente depois que o sucessor inicial de Mandela foi removido do cargo, foi chamado de “presidente Teflon”, por sua capacidade de repelir um número extraordinário de denúncias e escândalos de corrupção em seus oito anos na Presidência. Antes de finalmente ceder à pressão para renunciar, no início de 2018, a magnitude das denúncias de corrupção contra Zuma, 78 anos, era surpreendente. Ele enfrentou mais de 780 denúncias relacionadas somente a um acordo de armas de 1999, e enfrentou críticas internacionais por suas ligações incomumente próximas com uma poderosa família de empresários sul-africanos. A venda de influência em seu governo era tão generalizada, segundo The New York Times, que se tornou uma espécie de captura do Estado em que os parceiros de negócios ou amigos de Zuma influenciavam as decisões do governo em seu interesse pessoal.
Como a África do Sul, tão faminta por mudanças durante a liderança de Mandela, escorregou para tão longe e tão depressa da esperança que ele representava? Segundo a maioria dos relatos, a África do Sul possui muitas das características institucionais necessárias para combater a corrupção: uma Constituição admirável, um Judiciário independente e uma mídia robusta. Na maioria dos índices de corrupção, incluindo os produzidos pela Transparência Internacional, a África do Sul ainda se classifica em um lugar mediano — classificação que na verdade se deteriora ano a ano.
A luta da África do Sul não é única. Cinco anos depois que Ellen Johnson Sirleaf se tornou a primeira mulher democraticamente eleita presidente na África, ela recebeu uma das mais altas honrarias internacionais, o Prêmio Nobel da Paz, por sua liderança em garantir a paz na Libéria. Ela havia se dedicado durante anos a construir — ou reconstruir — as instituições democráticas do país e reforçar a posição das mulheres. Mas mesmo com essa aclamação internacional a liderança de Sirleaf não conseguiu transformar totalmente a Libéria, onde a Transparência Internacional relatou que 69% da população admitiram ter pago propina em 2016 para ter acesso a serviços básicos como saúde e educação. Sirleaf acabou deixando o cargo com o país ainda enfrentando o que ela chamou de “inimigo público número um” quando assumiu o governo, há mais de uma década. “Não cumprimos totalmente a promessa anticorrupção que fizemos em 2006”, disse Sirleaf aos legisladores em seu último discurso sobre a situação do país. “Não é por falta de vontade política de fazê-lo, mas por causa da intratabilidade da dependência e desonestidade cultivadas em anos de privação e mau governo.”
A corrupção não ocorre basicamente por falta de boa liderança. Embora ela certamente faça parte, os fatores casuais são muito mais básico fundamentais. Corrupção significa “adotar” a solução mais apropriada para o que parece ser, no momento, o bem maior entre as opções disponíveis.Fase 2: Encoberta e previsível
A segunda fase no espectro da corrupção é a encoberta e previsível. Nesta fase, a corrupção é mais ou menos um segredo em aberto — pense no filme Casablanca, em que o capitão de polícia Louis Renault declara estar “Chocado! Chocado!” ao descobrir que há jogo na boate ilícita e próspera de Rick, estabelecimento que habitualmente “molha a mão” de Renault. As pessoas sabem que há corrupção, mas ela está embutida no sistema. Como o desenvolvimento acontece em paralelo, a corrupção é vista como um custo necessário para se fazer negócios. A transição da corrupção imprevisível para a previsível pode ser muito dispendiosa econômica e politicamente — e exige basicamente a criação de novos mercados, e não leis. A maioria das pessoas que se envolvem em corrupção sabem que não devem fazer o que estão fazendo. Novas leis só ajudam a resolver um problema quando há dúvida sobre o que fazer e quando os governos têm capacidade para aplicar as leis.
Veja a China. Segundo algumas estimativas, a corrupção pode estar custando ao governo chinês até US$ 86 bilhões por ano. “É mais que o PIB de 61 dos países mais pobres do mundo. Desde 2000, entre US$ 1 trilhão e US$ 4 trilhões teriam deixado o país, segundo estimativas, e parte desses fundos estavam ligados a autoridades do governo, incluindo o cunhado do presidente Xi Jinping. Segundo uma reportagem, o valor líquido dos 153 parlamentares comunistas chineses chegou a US$ 650 bilhões em 2017, um aumento de mais de 30% em relação ao ano anterior. Isso é mais que os PIBs da Finlândia e da Noruega combinados.
A China e muitos outros países pobres tentaram erradicar a corrupção primeiramente usando leis, mas com sucesso limitado. Paradoxalmente, quanto mais leis esses países aprovam para combater a corrupção, mais a corrupção parece se espalhar. A China, por exemplo, tem “mais de 1.200 leis, regulamentos e diretrizes contra a corrupção”. Mas de que serve uma lei se o órgão que a provê não tem força, dinheiro ou vontade para aplicá-la?
Ao mesmo tempo, é difícil discutir o recente desenvolvimento da China e o influxo de investimento estrangeiro direto (IED) nas últimas quatro décadas. Em 1970, o PIB per capita da China era de aproximadamente US$ 112; hoje é de cerca de US$ 8.200. Naquela época, a expectativa de vida era de 59 anos; hoje é de aproximadamente 76. O país cresceu em uma taxa anual média de mais de 10% e representou aproximadamente 40% do crescimento global durante esse período. Deve-se notar, entretanto, que mesmo enquanto a China experimenta esse crescimento o país ainda fica em 77º lugar entre os 180 da classificação de corrupção da Transparência Internacional, abaixo do Senegal (66º) e ao lado de Trinidad e Tobago. A corrupção não impediu que o desenvolvimento se enraizasse. Talvez mais revelador seja o meteórico aumento de IED na China nos últimos 40 anos. Em 1980, o IED na China foi de cerca de US$ 400 milhões. Em 2016, totalizou mais de US$ 170 bilhões, um aumento de 42.500%. Na verdade, de 2006 a 2016 mais de US$ 2,3 trilhões em IED fluíram para a China. Os investidores estrangeiros que despejaram trilhões de dólares na China não sabiam que a corrupção era generalizada no país? Por que eles não quiseram esperar que o país erradicasse a corrupção antes de investir? Basicamente porque o tipo de corrupção na China difere do de outros países, para começar. Ela é encoberta, mas previsível. Assim, pode ser incluída no cálculo do “custo de fazer negócios” lá. Embora o desenvolvimento esteja ocorrendo na China (como mencionamos antes, o país tirou cerca de 1 bilhão de pessoas da pobreza nas últimas décadas), todos ainda concordariam que ainda não é uma sociedade transparente, e que a corrupção ainda prospera. Para que a prosperidade se torne sustentável em longo prazo, um país deve transitar para a terceira fase.Fase 3: Transparência
Em 2017, o lobby nos Estados Unidos totalizou mais de US$ 3,3 bilhões. Os lobistas são utilizados para influenciar os governos a aprovar leis favoráveis a suas causas, indústrias ou interesses particulares. Mas mesmo com bilhões de dólares influenciando as autoridades americanas o país ainda se classifica em um respeitável 16º lugar entre os 180 no Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional.
A corrupção é amplamente negligenciada nos EUA, e raramente processada em toda a extensão da lei. A Lei de Práticas Corruptas Estrangeiras de 1977 (FCPA) serve como dissuasor para possíveis empresas americanas corruptoras que atuam fora do país, ou firmas internacionais que operam nos Estados Unidos. Walmart, Siemens, Avon e Alstom, um grupo industrial francês, e muitas outras companhias burlaram a FCPA e em consequência pagaram centenas de milhões de dólares em multas.
Então como essas duas coisas se coadunam — pagamos abertamente bilhões de dólares para influenciar nossos governos, mas também perseguimos agressivamente e processamos os envolvidos em corrupção? Além do fato de que fazer lobby é legal, ele também é bastante transparente. Os americanos curiosos podem obter dados do Escritório de Registros Públicos do Senado e descobrir quem faz lobby para quem e para que causas.
Além de transparente, a economia americana também é relativamente previsível. Embora os EUA não sejam imunes a escândalos de corrupção — e as pessoas racionais podem discordar de quão corruptos os EUA realmente são –, o que é diferente e esperançoso é que a corrupção nos EUA é com frequência denunciada, processada e punida. Não é preciso procurar muito para encontrar notícias sobre políticos americanos corruptos. Três dos últimos quatro presidentes da Câmara dos Deputados do Estado de Massachusetts foram condenados por acusações de corrupção. O ex-governador de Illinois Rob Blagojevich foi julgado e condenado a 14 anos de prisão por acusações de corrupção quando tentou “vender” o lugar vago no Senado do ex-presidente Barack Obama. Mas os EUA nem sempre processaram, e ainda menos condenaram seus infratores. Então como evoluíram de um país onde a corrupção vicejava para um em que a transparência se tornou a norma?De “Boss” Tweed a Salvatore DiMasi
Assim como é difícil imaginar os Estados Unidos pobres, é igualmente difícil imaginar esse país abertamente corrupto e onde tais incidentes não seriam investigados. Mas houve uma época em que a corrupção nos Estados Unidos era comparável à corrupção atual em alguns dos países mais pobres.
Talvez mais do que ninguém, o político americano do século XIX William Magear “Boss” Tweed exemplificava o que significava ser escancaradamente corrupto. Nascido em 1823, Tweed entrou cedo na política e foi eleito vereador quando tinha 28 anos. Após vários anos no cargo, Tweed abriu um escritório de advocacia, embora não fosse advogado. Por meio do escritório, ele recebia pagamentos de grandes corporações por seus “serviços jurídicos”, que em sua maioria não passavam de extorsões. Com um grande capital acumulado, Tweed comprou muitos hectares de terras em Manhattan e aumentou sua influência política na cidade de Nova York. Isso foi apenas o começo.
“O círculo de Tweed em seu auge era uma maravilha de engenharia, forte, sólida e empregada estrategicamente para controlar centros-chave do poder: os tribunais, o Legislativo, o tesouro e as urnas eleitorais”, escreveu o biógrafo Kenneth Ackerman. “Suas fraudes tinham escala grandiosa e elegância estrutural: lavagem de dinheiro, partilha de lucros e organização.”13 Durante sua época como chefão da gangue Tammany Hall, Tweed, que também era membro da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, roubou um montante estimado entre US$ 1 bilhão e US$ 4 bilhões em valores corrigidos para a atualidade.
Em 1889, o semanário satírico Puck publicou a caricatura The Bosses of the Senate que ilustrava perfeitamente como a corrupção nos Estados Unidos era escancarada naquela época. A caricatura mostra membros do Senado trabalhando febrilmente como lobistas pelos interesses de consórcios como Steel Beam Trust, Copper Trust, Sugar Trust e assim por diante, observados da galeria acima. Entre as várias entradas para a câmara do Senado, uma tinha a seguinte inscrição: “Este é um Senado dos Monopolistas pelos Monopolistas!” A porta representando a “Entrada do Povo” estava “FECHADA”. A corrupção era tão grave e disseminada que o presidente Woodrow Wilson (1913-1921) teve de abordá-la durante sua gestão.
Em 1913, Wilson escreveu em um de seus livros: “Há tribunais nos Estados Unidos que são controlados por interesses. Há juízes corruptos; há juízes que atuam como servos de outros homens, não como servidores públicos. Oh, há alguns capítulos vergonhosos na história. O processo judicial é a salvaguarda suprema das coisas que precisamos manter estáveis neste país. Mas suponhamos que essa salvaguarda esteja corrompida e não proteja os meus e os seus interesses, porém proteja apenas os interesses de um grupo muito pequeno de indivíduos. Então, onde está sua salvaguarda?”
A corrupção nos Estados Unidos também permeava grandes projetos de infraestrutura, como ferrovias e estradas. Embora as ferrovias nos idos de 1800 e as estradas nos idos de 1900 fossem boas para o país, elas também implicavam um grau inédito de corrupção. Quando o governo americano entrou no negócio das ferrovias e estendeu subsídios a empreiteiras, esses subsídios frequentemente eram dados com base no número de quilômetros de trilhos ferroviários instalados, não na qualidade ou efetividade dos trilhos. As empreiteiras construíam ferrovias longas e sinuosas, muitas vezes usando materiais abaixo do padrão desejável, pois competiam sobretudo por “favores federais, não por usuários das ferrovias.”
Vejamos o que aconteceu com a construção de estradas após o boom dos automóveis no início do século XX. Thomas MacDonald, então à frente da Administração Rodoviária Federal dos Estados Unidos, “visitou estradas em obras onde se deparou com desperdício e trabalho ordinário em abundância”, observa Earl Swift em seu livro The Big Roads. “Era comum localidades conseguirem uma estrada que valia dez centavos por cada dólar que gastavam… as empreiteiras loteavam o estado entre si para que cada uma assegurasse todas as obras em um determinado território, um esquema que custava aos contribuintes de impostos o dobro em contratos altamente superfaturados.”
Se os rankings anuais da Transparência Internacional existissem naquela época, os Estados Unidos não estariam uma posição tão alta na lista dos países “menos corruptos”. Mas, ao longo do tempo, o país encontrou suas salvaguardas e hoje está em 16º lugar na lista. Será que isso se deveu basicamente a leis melhores? À eleição de políticos melhores? À criação de instituições melhores? Certamente todos esses fatores ajudaram a criar e a apoiar a cultura de transparência que agora temos, mas eles não fizeram os Estados Unidos pararem repentinamente de ser corruptos.
À medida que um número crescente de americanos amealhou cada vez mais riqueza e achou maneiras melhores de sobreviver, seus clamores de insatisfação com a corrupção ganharam um volume maior. “Politicamente, a ira das vítimas importava pouco em 1840 e não muito em 1860, mas em 1890 era uma força extremamente ruidosa”, comenta Lawrence Friedman, professor de direito em Stanford. Claramente, a corrupção não foi erradicada em 1890, mas houve um processo de evolução nos Estados Unidos e o surgimento da esperança por algo melhor.
Assim, o que aprendemos sobre o desenvolvimento dos Estados Unidos é que isso aconteceu apesar da corrupção disseminada e da imprevisibilidade reinantes. A luta contra a corrupção no país não foi ativada basicamente pela legislação ou pela maior intensidade no cumprimento das leis. Ela aconteceu porque a equação fundamental sobre como os americanos comuns e ricos podiam ganhar dinheiro, progredir e sustentar suas famílias começou a mudar. “O capitalismo americano nos anos 1920 era menos corrupto e menos abusivo com os trabalhadores e consumidores do que em 1900”, 21, concluíram Glaeser e Shleifer em seu trabalho. Hoje em dia, o capitalismo nos Estados Unidos, embora não seja perfeito, certamente é superior àquele que vigorava nos anos 1920.
O desenvolvimento muitas vezes precede programas anticorrupção bem-sucedidos, não o contrário. Embora, algumas pessoas se tornem mais corruptas no decorrer do tempo porque é isso que sempre praticaram, eu não creio que a maioria delas acorde de manhã apenas para agir de forma corrupta, embora seja fácil acreditar nisso.
Quando há poucas alternativas para as pessoas progredirem, a corrupção muitas vezes se destaca como a opção mais viável. Mas quando surge uma maneira melhor, tem início o processo que leva à transparência. Isso é evidente em países em todos os continentes.Sobre Monarcas e Homens
Vejamos como a corrupção evoluiu na Europa, onde suas formas mais óbvias — monarquias absolutistas que se apropriavam de terras e bens e matavam cidadãos à vontade- – eram comuns. Os monarcas eram igualados a ladrões que estavam “permanentemente à espreita, sempre tenteando… sempre buscando… algo para roubar”. A corrupção permeava a sociedade europeia, na qual bandos de homens armados, com a bênção secreta de algum grau de nobreza, aterrorizavam distritos inteiros com chantagem ou outros meios draconianos de extorquir dinheiro ou recursos. Eles não poupavam nenhuma faixa etária, gênero ou lugar. Até plebeus podiam fazer isso, desde que dispusessem de dinheiro suficiente, juízes e júris corruptos, de maneiras inconcebíveis hoje em dia.
Embora a transição da corrupção escancarada para a transparência na Europa tenha sido mais lenta e talvez mais dolorosa do que nos Estados Unidos, em última análise, ela deslanchou em parte devido a um fator semelhante: inovações que criaram novos mercados para muitos não consumidores do continente, oferecendo opções viáveis para a pessoa comum ganhar a vida. Os novos mercados também obrigaram os governos a se tornar mais criativos para cobrar impostos e controlar seus cidadãos.
À medida que as sociedades se tornaram menos agrárias, riquezas como ouro, prata e outros metais preciosos ganharam mais mobilidade, e os governos tiveram de criar maneiras melhores para cobrar impostos de seus cidadãos. “Os monarcas inovaram nas maneiras de drenar a riqueza privada de seus cidadãos. Uma das medidas mais significativas foi a criação de parlamentos – onde podiam negociar concessões em políticas públicas para o pagamento de receitas públicas”, conclui o professor de Harvard Robert Bates em Prosperity & Violence: The Political Economy of Development. Os governos optaram pela sedução em detrimento da intimidação porque, de repente, os cidadãos podiam movimentar seus valores mais facilmente. A economia então se transformou – em vez de saquear a riqueza, buscava criá-la.
Além disso, à medida que continuavam envolvidos em mais guerras e na conquista de mais territórios, os monarcas precisavam pedir cada vez mais dinheiro emprestado. Há numerosos relatos, por exemplo, do monarca inglês no século XVII que estava sempre precisando de dinheiro. Tanto naquele tempo como hoje em dia há poucas coisas piores do que um governo sem dinheiro quando está em guerra. E, diferentemente de agora, quando a dívida soberana é tipicamente considerada como mais segura do que a dívida privada (embora isso dependa do país em questão), naquela época esse era o tipo mais arriscado de dívida no mercado. A dívida soberana era maior do que a dívida privada, demandava mais tempo para ser saldada, e os monarcas podiam ignorar a dívida, havendo pouca ou nenhuma consequência. Assim, os investidores que geralmente emprestavam dinheiro aos monarcas, e cujos montantes de dinheiro agora eram mais móveis por não estar mais atrelados à terra, e sim à inovação, levaram os monarcas a criarem instituições menos corruptas e mais transparentes.
Inicialmente, essas instituições estavam longe do ideal, mas criaram uma certa previsibilidade para os investidores na Europa. Os tribunais, por exemplo, se concentravam mais em fazer julgamentos rápidos do que em ministrar a justiça acuradamente. Assim, os investidores podiam ter uma boa estimativa de quanto tempo um processo iria durar e como isso afetaria seus negócios. Isso é importante, pois pesquisas sugerem que a imprevisibilidade em um sistema, ainda que repleto de corrupção, de fato pode ser mais danosa do que a própria corrupção.
Com o crescimento dos mercados europeus, os sistemas jurídicos também ganharam mais relevância e autonomia. Isso afetou a cultura do europeu comum, que passou a dar imenso valor a essas novas instituições em prol da transparência. Elas funcionavam, mas é crucial entender por que: muitas dessas instituições que promoviam a transparência eram ligadas a novos mercados que as sustentavam e as tornavam necessárias.
Hoje, as circunstâncias são claramente diferentes. Nem todo país pobre está envolvido em alguma guerra ou é regido por um governo que está precisando desesperadamente de dinheiro, como muitos governos europeus quinhentos anos atrás. Mas a equação fundamental continua a mesma. Deve haver uma boa razão para as pessoas em uma sociedade quererem obedecer às leis do lugar. Imaginem como tem sido difícil para o governo da Argentina fazer pequenas empreiteiras declararem sua renda e pagarem impostos. Mas a empresa IguanaFix, ao oferecer-lhes algo além de responsabilidade moral — a capacidade de progredir nas batalhas da vida — conseguiu mudar isso.A Transparência se Enraiza
Até em países muito diferentes dos Estados Unidos e daqueles na Europa, há um padrão semelhante no caminho para a transparência. Se alguém dissesse ao general Park Chung-hee, líder ditatorial da Coreia do Sul de 1963 até 1979, que sua filha, Park Geun-hye, seria algum dia presidente do país, ele certamente não ficaria surpreso. Mas se aquela pessoa dissesse ao general que sua filha seria alvo de impeachment pelo Parlamento da Coreia do Sul e acusada de corrupção, ele poderia ficar estupefato.
Isso, porém, foi exatamente o que aconteceu na Coreia do Sul. No final de 2016, a presidente Park Geun-hye, filha do general Park, foi destituída do cargo por alegações de suborno, abuso de poder e outros crimes relacionados a corrupção. Em março de 2017, o Tribunal Constitucional da Coreia do Sul manteve unanimemente a decisão do Parlamento e, em abril de 2018, a ex-presidente foi condenada a 24 anos de prisão.
Para aquilatar o quanto isso é importante, basta dizer que a Coreia do Sul foi governada pelo general Park até seu assassinato em 1979. Sob sua ditadura, a escala de desenvolvimento econômico no país era invejável, mas a escala de corrupção era igualmente inegável. O governo distribuía favores para várias corporações grandes que, por sua vez, restituíam dinheiro para autoridades do governo. Isso escorava o sistema e, enquanto a economia estava crescendo, a corrupção parecia relativamente minúscula. No entanto, essa impressão era absolutamente equivocada.
“Medidas institucionais baseadas em burocracia, estado de direito, risco de expropriação e repúdio de contratos por parte de governos de países bem-sucedidos do Leste Asiático em meados dos anos 1980 eram apenas um pouco melhores do que em muitos países com mau desempenho”, comenta o economista Mushtaq Khan acerca da corrupção e desenvolvimento institucional na região. “A Indonésia, que está crescendo rapidamente, teve a mesma nota que Mianmar e Gana, e Coreia do Sul, Malásia e Tailândia tiveram nota igual à da Costa do Marfim. O índice de corrupção criado pela Transparência Internacional mostrou que países em rápido crescimento no Leste Asiático tinham notas de corrupção nos anos 1980 que diferiam pouco daquelas de outros países em desenvolvimento.” Ainda assim, a Coreia do Sul está avançando no caminho por uma sociedade mais transparente.
À medida que sociedades invistam mais em inovação, o que gera prosperidade para seus cidadãos, seus sistema contra a corrupção irão melhorar lentamente e a perspectiva de declarar impeachment a um chefe de Estado corrupto será não só possível, como provável.
Muitos países corruptos da atualidade também têm potencial de se tornar mais transparentes, mas para chegar lá, é preciso haver a sequência correta. Na maioria dos países prósperos, o cumprimento adequado de leis contra corrupção se deu a reboque de investimentos em inovações que criaram novos mercados ou expandiram os já existentes. Obedecendo a sequência correta, pode-se começar a atiçar o progresso até nos países mais corruptos do mundo. A história comprova isso continuamente.Então, O Que Devemos Fazer?
Então, o que podemos fazer para diminuir a corrupção? Com nosso entendimento de que as pessoas estão tentando progredir na vida quando “apelam” para a corrupção, damos duas sugestões. Primeiro: que tal se parássemos de concentrar todo nosso esforço para combater a corrupção? Sem oferecer simultaneamente um substituto para algo proveitoso para as pessoas, será dificílimo minimizar a corrupção. Como naquele jogo de Toupeira, assim que um esforço para eliminar uma dá certo, surge outra forma de corrupção.
A circunstância em que se encontra um determinado estado deveria determinar qual instituição ou mecanismo de cumprimento da lei ele emprega, sugerem Glaeser e Shleifer de Harvard. O modelo deles propõe que “quando a capacidade administrativa do governo é muito limitada, e seus juízes e reguladores são vulneráveis a intimidação e corrupção, seria melhor aceitar as falhas do mercado e fatores externos existentes do que lidar com eles por meio de processos administrativos ou judiciais. Pois se um país tenta de fato corrigir as falhas do mercado, a justiça será subvertida, e recursos serão desperdiçados com a subversão sem que as falhas do mercado sejam de fato controladas”. Em outras palavras, se um país não tiver a capacidade de cumprir as leis à risca, importará muito pouco quantas novas leis, instituições ou mandatos públicos sejam criados para combater a corrupção ou impor transparência.
Em vez de continuar combatendo agressivamente a corrupção com seus recursos muito limitados, o que aconteceria se governos zelosos de países pobres se empenhassem em fomentar a criação de novos mercados que ajudassem os cidadãos a resolverem seus problemas cotidianos? Com a criação de mercados suficientes, as pessoas terão interesse no êxito desses mercados. Governos começarão a gerar mais receita para melhorar seus tribunais, o cumprimento das leis e os sistemas legislativos. Além disso, os mercados criam empregos que dão às pessoas uma alternativa viável a acumular fortuna com meios corruptos. Pedir às pessoas que rejeitem a corrupção sem lhes dar um substituto viável não é muito realista e, conforme os dados mostram, nem sempre funciona.Integrando e Internalizando as Operações de Sua Organização
Segundo, é preciso enfocar aquilo que podemos controlar, ou seja, integrar e internalizar nossas operações a fim de reduzir as oportunidades para a corrupção vicejar. Organizações entendem a importância da integração vertical ou horizontal para controlar custos e criar previsibilidade em suas operações. Essa é uma das razões de muitas empresas grandes em mercados emergentes integrarem vertical e horizontalmente operações que podem parecer desnecessárias em países mais prósperos. Conforme descrevemos anteriormente, a Tolaram – fabricante do talharim Indomie — por exemplo, é autossuficiente em termos de energia elétrica e montou uma rede de distribuição e varejo que garante o fornecimento estável e previsível a seus clientes. A integração não é uma nova estratégia de negócios, mas integrar as operações também pode ajudar a diminuir a corrupção.
Quanto mais componentes do modelo de negócio de uma organização são internos, mais oportunidades a organização tem para reduzir a corrupção. Em um certo sentido, é como se uma organização tivesse uma nova base para criar novas regras que definam seu sistema interno de recompensa e punição. Foi exatamente isso que a Roshan, principal provedora de telecomunicações no Afeganistão, fez para reduzir a corrupção.
Com uma pontuação de 15/100, o Afeganistão está no 177º lugar em meio a 180 países no Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional. Um relatório recente da Transparência lnternacional indica a improbabilidade de o país cumprir seus compromissos para refrear a corrupção, apesar dos esforços nesse sentido. Mas a Roshan entendeu que, para sobrepujar a cultura de corrupção cultivada há tanto tempo no país, era preciso fazer algo diferente.
Muitas pessoas talvez não saibam o quanto era difícil fazer telefonemas no Afeganistão duas décadas atrás, mas Philip Auers esclarece isso em seu livro, The Coming Prosperity (2012). Ele cita Karim Khoja, fundador da Rashan, que observou que, “a menos que fosse muito rico, se você quisesse fazer um telefonema era preciso andar setecentos quilômetros até o país mais próximo. Havia uma empresa de telefonia celular que cobrava US$ 550 pelo aparelho e US$ 12 por minuto, ou US$ 3 para ligações locais. Era preciso subornar o pessoal de vendas da empresa até para conseguir um contato pessoal.” Hoje em dia, a Roshan atende cerca de seis milhões de pessoas e tem a reputação de atuar eticamente, empregando 1.200 indivíduos, em sua maioria afegãos. Mas não foi fácil chegar a esse ponto. Em 2009, a Roshan gastava mais de US$ 1.500 com cada funcionário afegão local, treinando-o em aspectos técnicos do negócio e em ética.
A Roshan, porém, não se limitou ao treinamento ético, na esperança de que o lado melhor das pessoas sempre aflore. A empresa entendeu que era preciso haver ainda mais integração, então abriu um departamento de relações com o governo que lida com alegações e relatos de corrupção. Sempre que alguém lhes pede propina, os funcionários são instruídos a relatar o fato a esse departamento que, por sua vez, repassa essas informações para ministros, entidades doadoras e integrantes da mídia no Afeganistão. Hoje em dia, a empresa é considerada um farol de esperança e um trunfo comunitário no país, permitindo que ele consolide sua cultura contra a corrupção.
O Afeganistão ainda tem mau desempenho em muitas mensurações de corrupção, mas o caso da Roshan mostra que é possível prevenir a corrupção até nos ambientes mais difíceis para negócios. Se a transparência puder começar a se enraizar no Afeganistão, que é notoriamente um dos países mais corruptos no mundo, há esperança de que isso também ocorra em outros países.De Pirata a Assinante Pagante
Para a maioria das pessoas, sobretudo em países pobres, a corrupção é simplesmente um meio visando uma finalidade. Temos certeza de que, se houvesse uma alternativa, a maioria das pessoas não apelaria à corrupção para progredir. E em vez de apostar na moralidade, uma estratégia muitas vezes cara, difícil e com resultados mistos, achamos que não há estratégia melhor para refrear a corrupção do que a criação subsequente de novos mercados.
Vejamos o que aconteceu com a indústria fonográfica nos Estados Unidos no início deste século. Em uma sequência relativamente rápida, a cultura da pirataria e do partilhamento ilegal de música deu lugar à outra na qual os consumidores optam por pagar para obter músicas por streaming.
Se tiver idade suficiente para se lembrar da era dourada da “fita cassete com uma seleção musical”, você sabe o quanto ficou fácil copiar músicas após o lançamento do gravador de fitas cassete. Bastava comprar uma fita cassete para fazer cópias para si mesmo e seus amigos, e a febre se espalhou. Cassetes com seleções musicais para festas. Cassetes com seleções musicais para partilhar com namoradas ou namorados. Cassetes com seleções musicais para viagens de carro. Com esses cassetes caseiros, era possível criar a ordem musical desejada e ouvi-la a qualquer momento. Executivos da indústria fonográfica passaram anos pressionando o Congresso para obter proteções mais rigorosas de direitos autorais, e gastaram milhões de dólares em campanhas de conscientização para dissuadir as pessoas de “roubarem” música dessa maneira. Mas nada deteve o hábito de fazer cópias. O ensaísta Geoffrey O’Brien chamou a fita cassete com uma seleção musical personalizada de “a forma de arte americana mais disseminada”. Mais precisamente, essa era a arte de roubar dos artistas que adorávamos. De repente, os Estados Unidos se tornaram uma nação de ladrões de música. E poucas pessoas de fora da indústria fonográfica pareciam se importar.
A situação inclusive piorou para a indústria fonográfica com a invenção do Napster, uma tecnologia pioneira de partilhamento de arquivos entre pares que, em comparação, fez o hábito de copiar fitas em casa parecer pitoresco. Repentinamente, pessoas no mundo inteiro podiam partilhar suas músicas a qualquer hora, com qualquer um. E elas faziam isso indiscriminadamente. A situação se agravou tanto que praticamente todos na indústria fonográfica processaram o Napster, e ganharam a causa. O Napster teve de encerrar suas operações e até declarou falência. Mas, embora tenha vencido essa batalha, a indústria fonográfica perdeu a guerra, pois não impediu que os americanos continuassem partilhando música ilegalmente, embora de forma mais velada.
Em um livro confessional extraordinário intitulado How Music Got Free, o jornalista Stephen Witt narra sua incursão hilariante no mundo da pirataria musical – e sua posterior mudança de atitude. Ele não parou de roubar música porque teve um momento “de Jesus no coração”. Na verdade, após anos se divertindo com a indústria furtiva da pirataria musical online, Witt finalmente decidiu jogar a toalha em 2014 porque isso simplesmente não valia mais a pena. “A pirataria estava se tornando cara e demorada demais – a uma certa altura, ficou mais barato ser assinante do Spotify e da Netflix”, escreve Witt. “A posse individual de propriedade digital privada estava desaparecendo; no novo paradigma, os bens digitais eram propriedade corporativa, com os usuários pagando por acesso limitado. Ao usar o Spotify pela primeira vez, entendi imediatamente que as corporações haviam vencido – seu escopo e praticidade faziam baixar música pelo Torrent parecer algo antiquado. Pela primeira vez, um negócio legal estava oferecendo um produto superior ao que estava disponível na clandestinidade.”
A indústria fonográfica pode até ter derrubado piratas musicais por aí, mas até entender realmente por que as pessoas estavam recorrendo a essas soluções alternativas, ela nunca iria prevalecer, pois estava envolvida em seu próprio jogo de Toupeira. O mesmo se aplica à toda a sociedade. Nós podemos ganhar processos contra políticos e práticas corruptos, mas até entendermos realmente por que as pessoas optam pela corrupção, continuaremos gastando nossos recursos ganhos a duras penas no combate a esse problema. Não estamos sugerindo que o mundo faça vista grossa para a corrupção, esperando que as inovações que criam mercados acabem deixando-a de lado. Nós compreendemos que esse processo demanda tempo, mas é preciso complementar agressivamente os esforços existentes com inovações que criem mercados, a fim de ter uma chance real de vitória contra corrupção que sufoca a esperança de prosperidade de uma economia.
Eram corruptos os agentes na Coreia do Sul que queriam que eu pagasse por um seguro de “segurança” há quarenta anos? Segundo nossa definição, sim. O que dizer de policiais em países pobres que aceitam propinas? Essas pessoas se envolvem com a corrupção por ser indivíduos moralmente falidos? Não é essa a nossa opinião. Para cada uma dessas pessoas, a corrupção é a solução para uma batalha e, muitas vezes, a maneira com a melhor relação custo/benefício para que progridam em suas sociedades e ajudem suas famílias. E, conforme vemos continuamente, apenas decretar novas leis – ou até punições mais duras – não fará com que elas mudem seu comportamento. Isso apenas faz a corrupção ficar mais encoberta.
Ao examinar as crenças muito difundidas de que estabelecer instituições sólidas e extinguir a corrupção são pré-requisitos para o desenvolvimento de uma economia, constatamos continuamente que as inovações, especialmente aquelas que criam mercados, podem ser um catalisador crucial para a mudança. Inovações que criam mercados conseguem introduzir aquilo que é necessário, independentemente da existência de instituições firmes ou do grau de corrupção. Isso virá na sequência, assim como a peça mais visível do quebra-cabeça do desenvolvimento: a infraestrutura.