Uma loja de varejo tradicional adquire uma plataforma de comércio eletrônico. Uma empresa do mundo da Internet compra uma fabricante de telefones. Uma cadeia de farmácias anuncia planos de adquirir uma seguradora de saúde.
As operações de aquisição têm como meta nos dias de hoje cada vez mais transformar os negócios da empresa compradora, em vez de apenas reforçá-los. E quais são a razões? Alguns apontam para mudanças significativas no conjunto de competências de que as empresas necessitam atualmente. Outros notam que, com uma diminuição do número de alvos atrativos para aquisições dentro de um determinado setor em meio ao avanço dos processos de consolidação, investidores buscam alternativas para aplicar seus recursos. Essas são boas respostas, mas é também preciso observar outros fatores.
A série atual de operações de aquisição não parte apenas de uma postura defensiva. E nem se concentra em objetivos tradicionais como ganhos de sinergia e integração horizontal. O fato é que os acordos vistos recentemente têm levado empresas a territórios até então inexplorados. E isso deixa claro que as aquisições não visam apenas a expansão dos negócios já existentes. As empresas adquirem outras porque isso é o que precisam fazer, do ponto de vista estratégico, para sobreviver a médio e longo prazos.
Embora algumas operações recentes possam parecer idiossincráticas, elas têm em comum a necessidade de encontrar novos caminhos para crescer em mercados maduros ou lidar com mudanças aceleradas. Vamos destrinchar algumas operações que exemplificam essa tendência.
Aquisição de competências –Tecnologia, fabricação, pesquisa e desenvolvimento e até mesmo profissionais talentosos – qualquer que seja o objetivo de uma empresa, aquisições são um meio de atingi-lo. Um bom exemplo foi a aquisição pela General Motoros (GM) da Cruise, uma startup do Vale do Silício que desenvolve sistemas autônomos de direção.
Embora a Cruise esteja muito longe da realidade da velha linha de montagem de Detroit, a GM viu na promessa do Vale do Silício a oportunidade de dar um salto em sua própria capacidade de desenvolver veículos autônomos ao adquirir tecnologia e talento humano que demoraria muito tempo para ser incorporado de forma orgânica. Com as competências da Cruise, a GM tornou-se um player sério na arena dos veículos autônomos, enfrentando competidores como a Waymo.
Avanços mercadológicos – Uma organização pode levar anos para construir redes de distribuição ou se firmar em um determinado mercado. De outro lado, uma operação de aquisição pode levar uma empresa a obter esses resultados em um período bem mais curto. Um exemplo é a proposta histórica que a PetSmart fez, no ano passado, para comprar a Chewy, que ultrapassou em valor a aquisição da Jet.com pela Walmart.
Com só uma tacada, a PtSmart – uma varejista tradicional com mais de 1.500 lojas – conseguiu se estabelecer em um dos segmentos que mais crescem no mundo do e-commerce. Já a Chewy, por seu lado, ganhou um meio de se proteger na competição com os varejistas tradicionais, incluindo aqueles que operam em um dos setores mais brilhantes do varejo: serviços de cuidados com animais de estimação.
Redesenhando a experiência do consumidor – Quando o que está em jogo é aproveitar oportunidades entre consumidores desassistidos, o setor em que a empresa atua não precisa representar uma barreira. Pelo contrário. As aquisições atuais cruzam cada vez mais as fronteiras setoriais e, em vez de consolidar mercados, abrem novos ecossistemas. A aquisição da seguradora de saúde Aetna pela CVS não deixa de ser uma estratégia do gigante do varejo para entrar em uma comunidade interconectada que se estende da saúde digital a redes de provedores para clientes corporativos.
Qualquer que seja o objetivo, as transações recentes sugerem que os líderes empresariais creem, cada vez mais, que muitas das competências consideradas essenciais para uma empresa – incluindo tecnologia, profissionais talentosos, base de clientes, produtos e serviços – não podem ser conquistadas a não ser por meio de uma aquisição completa.
Antecipar riscos – Mesmo considerando potenciais benefícios, ainda assim operações de aquisição são apostas muito arriscadas. Para que elas se tornem vantajosas, as empresas não podem trabalhar com a premissa de que qualquer negócio adquirido possa ser remodelado para ganhar um caráter estratégico. Fatores que vão desde dinâmica dos clientes até a nova proposição de valor contra competidores precisam ser conhecidos. Quão realista é a visão da liderança da empresa sobre a aquisição? Qual o papel da aquisição no avanço de uma agenda estratégica? Quando vai custar para tornar isso realidade? Com os preços dos ativos em níveis elevados, uma cuidadosa due diligence é mais relevante do que nunca. Também é preciso considerar qual processo deve ser adotado para capturar os benefícios estratégicos uma vez que a aquisição seja consumada. A postura típica de absorver a empresa adquirida dentro da estrutura da compradora está dando lugar a abordagens com mais nuances, incluindo:
Preservação – Esse tipo de abordagem busca preservar a autonomia da organização que está sendo adquirida, mantendo aspectos da cultura corporativa, talentos, localização. Isso pode ser importante, por exemplo, quando uma empresa quer entrar em um novo mercado e, para tanto, precisa manter a empresa adquirida focada no mercado dela. Já departamentos que desempenham funções de backoffice (administrativo, financeiro, recursos humanos) podem ser integrados.
Simbiose – Uma integração simbiótica tem como ponto de partida um modelo de preservação. Isso se não houver uma grande interdependência entre as estratégias das duas empresas. Um exemplo seria a operação da GM com a Cruise. Em uma integração simbiótica, a GM preservaria o modelo de operação da Cruise e, ao mesmo tempo, absorveria a capacidade da empresa comprada em seus próprios esforços de fabricação de veículos autônomos.
Holding – Uma holding mantém a entidade adquirida em uma estrutura independente – ou seja, não há necessidade de qualquer integração operacional. Essa abordagem é utilizada por fundos de private equity. Afinal, cada uma das empresas presentes na carteira do fundo tem um conjunto de competências, clientes e canais que são, provavelmente, muito diferentes. À medida que as aquisições se tornam menos convencionais – e que o valor delas segue em expansão -, as empresas vão compreender que seus resultados dependem da competência nos processos de duediligence e integração após a fusão.
Nenhuma organização é imune a transformações. A questão é que as mudanças no ambiente de negócios são tão aceleradas que muitas empresas não conseguem responder em tempo hábil apenas com os ativos e recursos que possuem. Nesse ambiente, as aquisições, em especial as mais ousadas, são um diferencial. Identificar oportunidades e aproveitá-las é uma tarefa permanente de lideranças empresariais.
A boa notícia é que há um amplo conhecimento acumulado no campo das melhores práticas de fusões e aquisições – e também algumas abordagens novas para captura de valor sem que seja necessária uma integração com a empresa adquirida em moldes tradicionais. As empresas devem se manter atentas para continuarem relevantes em meio a esse período histórico de reviravoltas.
Francois Mallete é diretor-gerente da L.E.K Consulting em Boston.
John Goddard é sócio da L.E.K Consulting em Londres.