Para Marina Silva, candidata à Presidência derrotada da Rede e ex-ministra do Meio Ambiente, a “Amazônia com certeza corre risco” no governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL). Marina diz ver com “preocupação” as propostas defendidas pelo novo governo em relação ao meio ambiente. Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista.
O novo governo chegou a pensar na fusão dos ministérios da Agricultura e Meio Ambiente. Depois desistiu da ideia.
Toda hora eles falam uma coisa diferente. Durante a campanha, ainda no segundo turno, eles deram sinais de que iam rever a posição e recentemente o futuro chefe da Casa Civil (Onyx Lorenzoni) disse que estava confirmado. De ontem pra hoje, começou uma série de ponderações de que ainda não está batido o martelo, mas há uma recusa geral da população e mesmo o setor do agronegócio está dividido. O presidente eleito deveria seguir o exemplo de outros presidentes (que voltaram atrás de pontos polêmicos na questão ambiental). O presidente podia seguir o exemplo histórico e voltar atrás mesmo.
O que há de errado com a ideia de fundir os ministérios?
Primeiramente, será um grande prejuízo para a proteção do meio ambiente, porque o Ministério do Meio Ambiente lida com questões para além da agricultura. Trabalha com infraestrutura de energia, de mineração, de desmatamento, aterro sanitário, construção. É um mundo a agenda do ministério. Outro problema é a insegurança jurídica que será criada. Você vai desestruturar um sistema na cabeça, mas como vai ficar o corpo? Pode desencadear um efeito cascata se os governos estaduais quiserem mudar a legislação estadual, subordinando as secretarias do meio ambiente às secretarias da agricultura.
Bolsonaro disse que “o que a gente defende é não criar dificuldade para o nosso progresso”. Durante a campanha, afirmou em diversas ocasiões que poria fim à “indústria de multas” e à “fiscalização xiita” imposta aos produtores rurais por autoridades ambientais, como Ibama e ICMBio.
Isso tudo vai prejudicar o agronegócio. Existe uma parcela considerável do setor, que tem avançado muito na proposta de aumentar a produtividade sem desmatamento. Conseguiram, assim, se posicionar com credibilidade nos mercados externos. Não são desses que mantêm uma mentalidade completamente atrasada de aumentar a produção por expansão agrícola nas florestas.
A senhora está esperançosa com este novo governo?
(Risos) Você já começa com uma agenda que vai comprometer o trabalho de décadas de gerações de ambientalistas, de sucessivos governos, ameaçando a demarcação das terras dos índios, ameaçando os quilombolas e as populações tradicionais. Como ter esperança em um governo como esse? Como ter esperança em quem diz que vai acabar com tudo que foi conquistado ao longo de décadas nesse país, inclusive durante os governos da ditadura?
Em que curva o Brasil está hoje no meio ambiente? Como está o status do meio ambiente?
Nós estamos em uma situação preocupante, o desmatamento voltou a crescer no governo Dilma e isso tem a ver com a mudança no código florestal brasileiro. Tivemos um aumento de invasão de terra pública, onde está a maior parte desses desmatamentos. Porque as sucessivas medidas que foram tomadas para regularizar essas áreas que foram ocupadas, tanto no governo Dilma quanto no governo Lula, e agora no governo Temer, dão um sinal errado, de que, se as pessoas invadirem aquilo que não é delas, terão a regularização da área como prêmio. As grandes operações de fiscalização que eram feitas em parceria com o Ibama e a Polícia Federal praticamente acabaram.
A Amazônica corre risco?
A Amazônia com certeza corre risco. O Brasil é uma potência ambiental, faz parte dos 17 países megadiversos do mundo, ocupando uma posição altamente privilegiada – é o número um entre os 17. E o governo diz que vai acabar com a proteção ao meio ambiente e com o instituto de proteção da biodiversidade. Essa nossa preocupação vai ter uma repercussão altamente negativa para o agronegócio.