Onda de projetos baseados em novas tecnologias pretende renovar a democracia

tecnologias pretende renovar a democracia

As democracias modernas estão desgastadas. É um problema de escala. Eleições custam um bocado de dinheiro e nada garante que os candidatos, uma vez eleitos, serão fiéis às promessas de campanha. Muitos não são. Ao eleitor decepcionado, resta esperar as eleições seguintes. Uma nova leva de ativistas políticos e entidades da sociedade civil, porém, acredita que o blockchain pode ajudar a renovar a democracia. O que os une é a fé no uso da tecnologia para amplificar a voz dos eleitores, mesmo em tempos de práticas heterodoxas de marketing político, como as da Cambridge Analytica, e de notícias falsas.

No Brasil, a principal iniciativa em curso é o projeto Mudamos, do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio). O objetivo do projeto, criado em março de 2017 com apoio do Google, é usar o celular para facilitar a coleta de assinaturas de apoio a projetos de lei de iniciativa popular. Os projetos do tipo podem ser propostos por qualquer cidadão.

A condição é que consiga reunir apoio suficiente e demonstrá-lo por meio de assinaturas. Na prática, porém, o modelo se mostrou pouco efetivo. Desde a Constituição de 1988, apenas quatro projetos chegaram ao Congresso. Em todos os casos, porque foram encampados por algum político que os levou ao plenário.

O motivo, avalia o ITS, passa pelo custo e a dificuldade de recolher e checar as assinaturas. Por isso, a entidade criou um aplicativo para facilitar e baratear o processo. A tecnologia blockchain, base para o app, garante que a mesma pessoa, registrada com o título de eleitor, vote apenas uma vez por projeto. E facilita a rápida checagem da autenticidade dos votos pelo poder público.

O aplicativo do Mudamos já foi baixado por cerca de 600 mil pessoas. Os 23 projetos de lei apresentados na plataforma até agora somam 200 mil assinaturas. Nenhum chegou ao ponto de ser protocolado ou votado. Mas a adesão cresce rápido, diz Debora Albu, pesquisadora de democracia e tecnologia do ITS, área responsável pelo Mudamos dentro do instituto.

DEMOCRACIA LÍQUIDA

Lá fora, a proposta de “modernização” da democracia é mais radical. Um movimento conhecido como “democracia líquida” propõe o uso de plataformas blockchain para viabilizar o voto direto em projetos de lei. Em vez de escolher deputados e senadores como representantes, os próprios eleitores votariam nas propostas em discussão, sem intermediários. O modelo prevê ainda a possibilidade de o eleitor retirar o voto do político que ajudou a eleger, se mudar de ideia, e também de delegar o voto a outro cidadão que considere mais preparado.

Os projetos de democracia líquida ainda são incipientes. Mas já deram origem a partidos políticos dedicados a lançar candidatos comprometidos com o modelo. Os melhores exemplos são MiVote e Flux, na Austrália, e o Partido da Rede, na Argentina — nos Estados Unidos há o United. Vote, sem ligação com partidos políticos.

Como o voto digital direto não é reconhecido, os partidos usam aplicativos em blockchain para que os eleitores indiquem aos seus representantes como esperam que votem, projeto a projeto. O apelo pode ser ignorado. Mas há risco de perda de votos nas eleições subsequentes. O modelo ainda precisa ganhar escala e se provar. É possível que surjam problemas hoje difíceis de identificar. Como observa Carlos Melo, cientista político e professor do Insper, a mistura de tecnologia e política costuma ter efeitos extremos. Como ferramenta para fiscalizar e dar transparência ao processo político, a internet se mostrou muito boa. Já as redes sociais demonstram ser desastrosas como fóruns de debates. Para Michael Casey, consultor do MIT Media Lab, o que mais importa são a inovação e os conceitos que o blockchain traz para o debate. “Qualquer que seja a solução final, deve ser mais descentralizada e desintermediada”, afirma Casey no livro The Truth Machine (“A máquina da verdade”).