Mulheres candidatas são boicotadas nas eleições, diz líder de movimento

Mulheres candidatas são boicotadas nas eleições, diz líder de movimentoSem recursos financeiros, preteridas na divulgação dos partidos e sem orientação sobre como conduzir a própria candidatura. Essa é a situação de boa parte das mulheres que se candidataram a cargos no Legislativo nas eleições deste ano, diz Lígia Pinto, líder do Comitê de Políticas Públicas do Grupo Mulheres do Brasil e responsável pelo projeto Appartidarias, portal que agrega informações sobre as candidaturas de mulheres.

O site mostra a proporção de mulheres entre as candidaturas de cada partido, e a parte dos recursos financeiros repassada a elas. Em ambos os casos, o TSE exige que ao menos 30% sejam destinados às candidatas, mas muitos partidos fazem manobras internas para atingir essa cota.

“O que vemos é um boicote. O TSE exige esse repasse 30%, mas os partidos não alocam de fato nas campanhas das mulheres. Acabam aproveitando candidatas a vice do executivo, que recebem muito dinheiro, e colocam nessa conta”, diz Lígia. Somente para a presidência da República, são três candidatas a vice: Manuela d’Ávila (vice de Fernando Haddad), Ana Amélia (vice de Geraldo Alckmin) e Kátia Abreu (vice de Ciro Gomes).

Também há, afirma, casos de candidaturas “laranjas” de mulheres, que concorrem por serem filhas, irmãs ou esposas de homens que não podem se eleger, e acabam obedecendo a eles. Ou mesmo para cumprir a cota feminina dos partidos, mas sem receber nenhuma atenção deles. “Elas são usadas por quem quer perpetuar o poder que já tem”, diz Lígia.

Com o Appartidarias no ar pela primeira vez nas eleições deste ano, o Mulheres do Brasil, que tem como presidente a empresária Luiza Trajano e atua, com mais de 30 mil mulheres, em defesa de igualdade de gêneros em várias esferas da sociedade civil, tenta entrar em contato com as candidatas para agregar mais informações aos seus perfis no site. Mas, de acordo com Lígia Pinto, em muitos casos elas se recusam a falar com o grupo após pressão dos partidos.

Em outros, o movimento descobre que as candidatas sequer têm meios de divulgação para as candidaturas, e não são orientadas sobre como tocar as campanhas. “Muitas são mulheres simples. Em Manaus, a maior parte nem Facebook tem. Se não usa nem Facebook, como vai fazer uma vaquinha online para juntar recursos?”, questiona.

Números

No Appartidarias, que coleta os dados do TSE, vários partidos aparecem com montante inferior a 30% dos recursos financeiros (além do Fundo Eleitoral, diz Lígia, uma parte do Fundo Partidário é usada nas eleições) repassados às mulheres – se desconsideradas as candidatas a vice. Além disso, o número de candidaturas de mulheres fica praticamente colado na taxa mínima de 30% em muitos casos, indicando um esforço para meramente não infringir a lei.

O PDT, por exemplo, destinou às mulheres apenas 13% dos recursos, e tem 31% de candidaturas femininas. O último número é idêntico no Novo, que não usa o fundo eleitoral.

O Democratas tem 30% de candidatas, o mínimo exigido, e elas recebem apenas 21% do dinheiro. No PSDB, os números são de 33% e 22%, respectivamente. O PT leva 24% dos recursos financeiros às mulheres, e tem 34% de candidatas. O PSL, 29% e 30%, respectivamente.

PSTU, Rede e PMB – este último, chamado Partido da Mulher Brasileira – são os que dão mais espaço às candidatas. Mas, ainda assim, as mulheres, não ultrapassam, mesmo nesses casos, 40% das candidaturas.

O PSTU é o partido que destina mais dinheiro a elas – 73% dos recursos, segundo o site. A Rede destina 60%. Ambos os casos, entretanto, têm candidatas mulheres à Prêsidência da República (Vera Lúcia e Marina Silva, respectivamente), o que pode indicar uma concentração de boa parte do dinheiro em um único caso. Já no PMB, 68% do dinheiro é destinado ás mulheres.

Um reforço de última hora pode ajudar os partidos a melhorar esses números. Na tarde de ontem, o STF definiu que eles podem repassar às mulheres candidatas os recursos do Fundo Partidário acumulados nos últimos anos para ações de apoio à participação feminina na política. O valor, não divulgado, estava congelado desde que o tribunal declarou inconstitucional o limite entre 5% e 15% para esse fim, definido na minirreforma eleitoral de 2015, dando também a opção de usá-lo em campanhas eleitorais.

Plataforma educativa
Para as próximas eleições, é intenção do mulheres do Brasil fazer mais pelas candidatas. De acordo com Lígia Pinto, uma plataforma educativa deverá ser lançada visando o pleito municipal de 2020 ou as próximas eleições estaduais e federais, em 2022.

A ideia é ajudar as candidatas a terem campanhas mais preparadas e atentas a manobras partidárias. “Muitas mulheres não sabem das especificidades das obrigações eleitorais. De ter uma conta exclusiva para a campanha, como fazer a contabilidade dos recursos, quais são os repasses obrigatórios, etc. E muito menos ter um capital político e conduzir uma campanha”, lembra.

O serviço funcionará pela internet, mas, como outras iniciativas do Mulheres do Brasil, poderá ter encontros presenciais. O cuidado a ser tomado, diz a representante, é não servir de palanque para campanhas fora de hora. “Pelo sistema eleitoral, a campanha só pode ser feita a 45 dias da eleição. E dependendo do que você fizer com as pré-candidatas, pode configurar campanha antes da hora. Então estamos tendo cuidado nessa construção”, explica.

Certo é que a questão do financiamento eleitoral será central. Do contrário, afirma Lígia, as mulheres continuarão relegadas a candidaturas laranjas e cotas mínimas partidárias. “Financiamento e grau de elegibilidade tem relação causal. Quem tem dinheiro para fazer uma campanha visível, normalmente se elege.”