A tecnologia já é capaz de fazer seleção natural entre as empresas

A tecnologia já é capaz de fazer seleção natural entre as empresas

Já é fato comprovado que as maiores companhias de cada setor se distanciam cada vez mais de seus rivais e ficam com a maior parte de receitas, lucros e avanços de produtividade.

Novos dados sugerem que o segredo do sucesso destas empresas, como Amazons, Googles e Facebooks da vida —para não mencionar empresas como o Walmart, CVS e UPS, que as precederam— está no quanto investem na própria tecnologia.

Há diferentes formas de gastar com tecnologia da informação. Durante as primeiras décadas da revolução dos computadores pessoais, a maioria das empresas comprava hardware e software genérico. Depois, com o advento da nuvem, passaram a recorrer a serviços fornecidos por empresas como Amazon, Google e Microsoft.

O investimento em tecnologia da informação que resulta na contratação de desenvolvedores e na criação de softwares exclusivamente usados por uma empresa é uma vantagem competitiva crucial.

Isso é diferente da maneira usual pela qual compreendemos pesquisa e desenvolvimento, porque o software de que estamos falando é usado somente pela empresa que o cria —não é parte dos produtos desenvolvidos para os seus clientes.

Os grandes vencedores atuais apostaram tudo nisso, diz James Bessen, economista que leciona na escola de direito da Universidade de Boston.

Companhias de tecnologia como Google, Amazon, Facebook e Apple —além de outros gigantes como a General Motors e a Nissan, no campo automobilístico, e a Pfizer e a Roche, no setor farmacêutico— criaram software e até hardware próprios, inventando e aperfeiçoando seus processos, em vez de alinharem seus modelos de negócios à ideia de algum desenvolvedor externo.

O resultado é a economia de hoje, e o problema da economia de hoje é a desigualdade de renda entre empresas, semelhante à existente entre pessoas: alguns poucos monopolizam os ganhos, enquanto muitos ficam cada vez mais para trás.

Será que um dia chegaremos ao momento em que as maiores empresas serão não só dominantes como onipotentes?

Determinar de que maneira as empresas investem, medindo o que Bessen define como “intensidade de tecnologia da informação”, é relevante não só nos Estados Unidos mas em outros 25 países, diz Sara Calligaris, economista da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Ao comparar as empresas de melhor desempenho em cada setor e seus concorrentes menores, existe uma disparidade no crescimento da produtividade que não para de aumentar.

O resultado é, se não uma economia em que o “ganhador leva tudo”, ao menos uma economia em que “o ganhador leva a maior parte”.

Para Bessen, a disparidade na produtividade se correlaciona ao avanço nos gastos com tecnologia da informação exclusiva. Em 1985, as empresas dedicavam cerca de 7% de seu investimento líquido (que inclui software, novas edificações, pesquisa e desenvolvimento) à tecnologia da informação exclusiva, de acordo com o Serviço de Análise Econômica do governo americano.

Em 2016, cerca de 24% do investimento líquido das empresas americanas foi dedicado a isso, o que significa quase US$ 250 bilhões em um ano, e quase se equipara aos desembolsos em pesquisa e desenvolvimento e bens de capital.

Esse cenário também tem implicações nos salários. A alta na disparidade salarial de 1978 em diante pode ser atribuída quase inteiramente aos avanços registrados nas empresas mais produtivas, porque os salários nas menos produtivas se mantiveram estáveis.

Quando novas tecnologias eram desenvolvidas no passado se difundiam para outras empresas com rapidez suficiente para que a produtividade crescesse em setores inteiros. Samuel Slater, o “pai da revolução industrial dos Estados Unidos”, conseguiu, quase sem ajuda, levar a tecnologia dos teares mecânicos ingleses para seu país ao trabalhar como aprendiz em uma tecelagem inglesa.

Há 20 anos, empresas podiam adotar o Microsoft Office ou o software da Adobe para editoração e, imediatamente, desordenar o mercado diante de companhias maiores que demoraram mais a se adaptar às novas tecnologias.

O que vemos hoje é “a desaceleração daquilo que chamamos de ‘máquina da difusão’”, disse Calligaris. Uma explicação é que as coisas se tornaram complicadas demais. Dependemos de muito mais tecnologia, e essa tecnologia está ligada aos engenheiros, trabalhadores, sistemas e modelos de negócios construídos em torno dela, diz Bessen.

Enquanto no passado teria sido possível licenciar, roubar ou copiar a tecnologia alheia, hoje em dia a tecnologia não pode ser separada dos sistemas dos quais é parte.

Pense no sistema de inteligência artificial do Facebook, desenvolvido dentro da empresa, com muito investimento, para acionar sua rede social, mas depois transferido com relativa facilidade ao Instagram. O Instagram poderia ter desenvolvido algo equivalente por sua conta? O Snap e o Twitter podem tentar copiar alguns aspectos do processo, mas não têm capacidade suficiente para cloná-lo.

E quanto à Amazon?

Sim, você pode criar um negócio usando os serviços de computação em nuvem da marca e usar a plataforma logística da empresa para vendas no site dela. Mas o programa que a Amazon desenvolveu para possibilitar a Amazon Web Services, serviço de computação em nuvem, e seu mercado de varejo não está disponível para outras empresas.

O Walmart construiu um sofisticado sistema logístico em torno de leitores de códigos de barras, que permitiu à empresa superar os rivais menores no varejo. A companhia jamais vendeu essa tecnologia a qualquer concorrente.

Porém, não basta gastar dinheiro com tecnologia. “No varejo, a Sears era a maior cliente da IBM, nos anos 1980”, diz Bessen. “A empresa investia bastante em tecnologia da informação, mas se provou incapaz de concorrer com o Walmart e seus sistemas.”

Parte do problema com a abordagem da Sears talvez estivesse em que ela optou por recorrer a uma empresa externa de tecnologia para fazer o trabalho, em lugar de cuidar disso —e construir sozinha a infraestrutura de talentos, sistemas e conhecimento institucional necessários.

Bessen diz não acreditar que a atual vantagem dos gigantes se deva à diferenças na regulamentação, porque as maiores empresas estão se tornando mais produtivas em muitos países —tanto nos EUA quanto na Europa.

Não está claro por quanto tempo o fenômeno estimulará o crescimento desigual. Mas, à medida que os gigantes da tecnologia caminham rumo a um monopólio, vale a pena questionar se a moderna tecnologia da informação criou uma espécie de lei natural, que determina que estamos destinados a adquirir todos os nossos produtos e serviços de apenas um punhado de ultragigantes.