Brasileiro ajuda ONU com sua linguagem para robôs

Edson Prestes, professor especialista em robótica, liderou equipe responsável pela criação de uma linguagem de comunicação entre robôs.

Após estudar por mais de 20 anos como melhorar robôs e até criar uma linguagem para máquinas trocarem informações, o professor brasileiro Edson Prestes foi chamado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para se unir a, entre outros, Jack Ma (bilionário e executivo-chefe do Alibaba), Melinda Gates (benfeitora à frente da Fundação Bill e Melinda Gates) e Vint Cerf (ícone da tecnologia e conselheiro do Google).

O objetivo do grupo é, ironicamente, traçar estratégias para o mundo lidar com as consequências do avanço da tecnologia, o que inclui temas bem familiares para ele, como o temor diante de máquinas inteligentes, seja sob a forma de “robôs assassinos”, que matam sem intervenção humana, ou de assistentes pessoais, que executam tarefas sozinhos e ameaçam empregos mundo afora.

Ele foi convidado no começo de julho pelo António Guterrez, secretário-geral da ONU, para se unir a outros 20 expoentes do mundo da tecnologia. A missão é analisar as tecnologias existentes e como elas podem afetar a forma como vivemos.

Esse painel vai discutir tecnologia digital no seu amplo aspecto: de que forma a sociedade pode tirar proveitos dela, quais são os requisitos que a sociedade tem que atender, como ela tem de estar preparada para essa nova onda e quais são os possíveis problemas ou impactos para o futuro das pessoas

Edson Prestes, docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O grupo só se reúne em setembro, mas Prestes já tem uma ideia de que assuntos como ética robótica e a infraestrutura necessária para inovação devem estar na pauta de discussão. Ao final de 18 meses, eles entregarão um relatório descrevendo as possibilidades e os possíveis reveses da tecnologia.

Para o professor, o estudo deverá passar por temas sobre “se a tecnologia vai manter a sustentabilidade ambiental, se vai criar um desemprego em massa ou se estará alinhada aos valores da sociedade”.

Ética robótica

Aqui é bom fazer um parêntese. Robôs não são só apenas máquinas feitas de metal, parafusos e cabos. São também os códigos que rodam em celulares e em outros equipamentos eletrônicos para executar tarefas de forma inteligente. O uso disseminado deles é o ponto de partida da ética robótica.

“Quando a gente fala em ética robótica, não está falando de código de conduta, mas, sim, dos possíveis impactos de a tecnologia ser inserida em uma sociedade, o que pode acontecer. São discussões sobre aspectos econômicos, questões humanitárias e até sobre o uso constante que pode deixar alguém viciado.”

Nesse ponto, uma das questões a serem analisadas são as consequências do uso de robôs sobre uma relação bastante humana: o trabalho. “Eles vão gerar desemprego em massa? Essa é uma possível consequência”, diz Prestes. O objetivo do grupo, nesse caso, será traçar estratégias para lidar com isso.

As armas letais autônomas, o nome chique dos “robôs assassinos”, traz a discussão sobre como robôs podem e já estão sendo criados para substituir soldados no campo de batalha. Só que, em vez de assumir o lugar de quem toma o tiro, eles estão ocupando o lugar de quem puxa o gatilho. “É importante discutir se produzir um equipamento para ser usado pela Marinha e Exército deve ser ou não autônomo, porque ele vai decidir quando ou não matar uma pessoa.”

Divulgação/QinetiQ

Robô Maars, da QinetiQ, uma das armas letais autônomas, conhecida como “robôs assassinos”

Como a presença de robôs pode mudar o comportamento das pessoas é outro ponto dessa discussão. Alguém que tenha uma dessas máquinas inteligentes em casa pode começar a se comportar de forma violenta com ela, já que não haverá revide, diz. Mas isso, considera o professor, pode acabar alterando a forma como esse indivíduo se relaciona com pessoas de carne e osso.

Outro exemplo são os robôs sexuais. “Se uma pessoa tem um relacionamento íntimo com um robô, daqui a pouco ela vai começar a fazer coisas com o robô que não faz com uma pessoa. Pensa em um robô sexual que tem um formato de uma criança”, sugere Prestes. “Note que há problemas éticos, desde os mais leves até os mais sérios.”

Nem toda interação entre humanos e máquinas é perniciosa. O grupo, diz, poderá analisar como robôs podem ajudar a diminuir a solidão. “Há vários relatos no Japão de pessoas que usam avatares para ter uma companhia.”

Lacunas da tecnologia

O grupo também analisará, diz Prestes, o estado atual da infraestrutura necessária para que a tecnologia chegue a regiões periféricas, isoladas ou de difícil acesso no mundo. Aqui, o debate engloba do acesso a internet à disseminação de conhecimento relacionado a áreas avançadas, como a robótica, passando até pelos obstáculos para a abertura de empresas focadas em tecnologia.

Nesse ponto, o Brasil e outros países emergentes em tecnologia, serão figurinha carimbada. “Se pensarmos no Brasil, estamos bem aquém”, comenta. “Todas as áreas serão impactadas pela inteligência artificial, e o Brasil não está preparado para isso.”

O painel também discutirá como reverter a (falta) de educação e outros obstáculos enfrentados por esses países enquanto tentam alcançar as potências tecnológicas.

“Como podemos esperar que sejamos uma potência mundial numa área em que há deficiência de matemática e ciência. A qualidade do nosso ensino é adequada para entrarmos no século 21? Isso é algo muito preocupante e triste, já que o brasileiro tem uma capacidade criativa muito grande e tem um potencial subutilizado.”

“Fora do Brasil, nós já vemos várias indústrias de tecnologia criando software de baixo custo. E quando essas indústrias entrarem no país, como fica? A gente já vê a substituição de pessoas por tecnologia. Já temos agentes virtuais conversando contigo por telefone. Será que o nosso país está pronto para isso? Temos que pensar nas pessoas que estão sendo impactadas por isso. Não tem que pensar apenas no lucro e só reduzir o capital humano sem realocá-lo ou capacitá-lo.”

Papo de robô

No painel da ONU, Prestes terá a companhia de figuras emblemáticas da tecnologia. Conhecido como um dos “pais da internet”, Vint Cerf divide a paternidade do IP (protocolo de internet). Melinda Gates é, ao lado do marido, a presidente da Fundação Bill e Melinda Gates, uma das entidades filantrópicas mais atuantes no mundo. Já Jack Ma, fundador do Alibaba, além de ser o segundo homem mais rico da China, está à frente de uma das companhias mais inovadoras do mundo e de uma das mais valiosas também.

Arquivo Pessoal/Edson Prestes

Edson Prestes, professor especialista em robótica, liderou equipe responsável pela criação de uma linguagem de comunicação entre robôs.

O professor também tem uma longa bagagem. Nascido no Pará, ele foi viver no Rio Grande do Sul para continuar a carreira acadêmica focada no desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial e robótica. Em seu doutorado, trabalhou em um robô capaz de se deslocar por um ambiente enquanto mapeava o lugar.

De alguma forma, a Nasa descobriu a pesquisa dele. Em 2003, aos 27 anos, Prestes recebeu uma proposta da agência espacial norte-americana. “Ela queria mandar um robô para Marte na época”, conta, acrescentando que os desdobramentos de sua pesquisa seriam usados para que o robô fosse guiado à distância enquanto analisava o terreno do planeta vermelho.

A parceria não foi adiante, mas logo depois Prestes virou professor da UFRGS e começou a se aventurar pela área de padronização de troca de informação entre sistemas autônomos.

Depois disso, ele se tornou vice-presidente de um grupo que criou a primeira padronização da sociedade de robótica, ou seja, a primeira forma de comunicação entre robôs a poder ser usada de forma generalizada pela indústria.

“Ela é feita para máquinas inteligentes, que interagem e se comunicam. Ela cria um vocabulário comum que pode ser usado por diferentes fabricantes.”

A “língua de robôs” não pressupõe uma conversa, apenas o envio e recebimento de informações. Ainda assim, a criação já foi citada em documento da Casa Branca, sede do governo dos Estados Unidos.

Graças a esse trabalho, ele foi convidado a participar da European AI Alliance, uma organização que reúne europeus para discutir os avanços da robótica. Detalhe: ele é o único não-europeu a participar.

Talvez por isso, ele diz não se intimidar com figuras como Jack Ma e Melinda Gates. “O dinheiro em particular não me causa surpresa. Eu não sou rico, mas nem por isso vou olhar com admiração para uma pessoa milionária. Posso fazer isso para alguém com alto conhecimento, mas eu já estou acostumado a lidar com pessoas com alto renome.”

Fonte: UOL