Ao pensar em cultura organizacional de startups, imaginamos mesas de pingue-pongue, uma chopeira elétrica e armas de brinquedo da linha Nerf. E mais ainda, fantasiamos um esprit de corps que impulsiona os funcionários a, felizes da vida, “queimarem as pestanas”, rumo à próxima grande descoberta.
No entanto, invariavelmente, entre o terceiro e o quarto ano cerca de 70% das startups passam por uma fase difícil ao serem atingidas por essa utopia na cultura organizacional, independentemente da felicidade que a equipe sentia antes. Chamamos essa etapa de “abismo cultural”.
Ao analisar como e por que isso ocorre, descobrimos que o crescimento não o compensa. Na verdade, quanto mais rápido o crescimento de uma startup, mais profundo o abismo a ser transposto. Em outras palavras, uma empresa não consegue acelerar sua jornada diante desse obstáculo.
Ao mesmo tempo, aquelas que atravessam esse abismo, apresentam uma notável recuperação cultural que começa entre o quinto e o sexto ano, apesar de não voltarem à “lua de mel” do início da startup.
[LEGENDA]
Título: A Satisfação do funcionário tem queda mais drástica em startups que crescem com maior rapidez
Linha vertical esquerda: Graus de satisfação do funcionário: escala de 0 a 10, sendo 0 insatisfeito e 10 satisfeito.
Linha horizontal: Tempo da empresa em anos
Linha vertical direita: Crescimento do faturamento anual em porcentagem
FONTE TINYPULSE
Depois de pesquisar mais de 100 empreendimentos em fase inicial, começamos a entender por que as startups chegam ao abismo cultural e como conseguem atravessá-lo.
Além de analisar pesquisas de satisfação dos funcionários, nosso estudo inclui a taxa de crescimento do faturamento anual das empresas. Surgem dois grupos distintos. O primeiro apresenta um crescimento de 0%-20% na taxa anual de faturamento; o segundo, de crescimento mais acelerado, apresenta uma taxa entre 20%–200% ao ano. Os dados mostram que o grupo de crescimento rápido, em geral entre o início da empresa até o segundo ano, tem um grau de satisfação maior, porém o abismo é bem mais profundo durante o terceiro e quarto ano do que as de crescimento mais lento.
O fato de os fundadores de uma empresa com crescimento rápido estarem muito ocupados no começo do empreendimento pode explicar esse fenômeno, já que simplesmente não tinham tempo para investir na infraestrutura cultural da empresa. Entre o terceiro e quarto ano, quando os problemas começam a aparecer, já são grandes demais pela falta de uma cultura desde o início. É natural resolver o urgente em detrimento do importante, no entanto todos os fundadores precisam estar focados na cultura das respectivas empresas, principalmente as de rápido crescimento (já que o abismo é bem mais profundo para elas).
Um dos custos de uma cultura negativa ou fraca é o desgaste voluntário ou os funcionários optando pela demissão. Ao investir na cultura da empresa desde o começo, poderíamos esperar que esse desgaste voluntário fosse menor, e nossa pesquisa o confirma. Os fundadores que classificam a importância da cultura abaixo de 10, em uma escala de 0 a 10, são 70% mais propensos a ter uma maior taxa de rotatividade de funcionários, em comparação aos fundadores que indicam nível 10 no grau de importância da cultura.
O desgaste involuntário é um desafio enorme para qualquer negócio, mas em especial para startups que, por serem empresas jovens e pequenas, não têm a infraestrutura e a profusão de talentos das maiores. Por exemplo, a saída de um diretor de riscos, ou de tecnologia de uma companhia pequena, pode paralisar a organização. No entanto os fundadores podem minimizar esse risco ao priorizar uma cultura logo no início da startup.
Os fundadores que estão comprometidos com essa cultura desde o começo devem começar por onde? Descobrimos que um motivador importante do grau de satisfação do funcionário é a transparência na administração, mostrando uma correlação mais forte com a cultura da empresa do que com fatores como benefícios ou equilíbrio entre vida cotidiana e vida profissional.
O que de fato interessa aqui é a percepção do funcionário da transparência da gestão. Por exemplo, um de nossos clientes no Reino Unido recebeu uma nota abaixo da média em transparência, quando os funcionários responderam anonimamente uma pesquisa sobre o tema. Enquanto os executivos acreditavam ser extremamente transparentes, os funcionários discordavam. Então, os líderes resolveram fazer sua próxima reunião geral, para responder a toda e qualquer pergunta anônima e comprometeram-se a abordar todos os pontos. Isso incluiu perguntas difíceis, que os fizeram passar por bocados um pouco desagradáveis: por exemplo, alguém perguntou qual era o maior salário para um determinado cargo. Sem revelar a identidade da pessoa naquele cargo (o que poderia ser uma violação de privacidade), os fundadores revelaram a quantia, e como aquela pessoa tinha alcançado aquele salário e bônus extraordinários.
Posteriormente, a gestão da empresa refez as perguntas ao grupo para classificar a transparência da empresa. Dessa vez ela se classificou no quartil superior de todas as empresas e superou satisfatoriamente nosso padrão de referência.
Nunca parta do princípio de que a percepção e a realidade estão em sincronia, os gestores sempre devem estar pressionados para ser cada vez mais transparentes. O lado bom é que a transparência é praticamente gratuita.
Também descobrimos, sem nenhuma surpresa, que o reconhecimento melhora a cultura e o engajamento do funcionário. No entanto, a ressalva é que isso não vem só da administração para os subordinados. Também surge dos elogios que os colegas trocam, tanto na equipe como no restante da empresa.
Na verdade, em uma pesquisa em parceria com a Microsoft, identificamos como os funcionários dão e recebem reconhecimento. Constatou-se que aqueles que sabem tanto elogiar como receber elogios, dentro e fora de sua equipe, superaram seus colegas. Além disso, os cumprimentos dados eram todos destituídos de qualquer compensação financeira, o que apenas enfatiza o fato de que um simples plano de reconhecimento pode aumentar o engajamento dos funcionários.
Muitos poderiam argumentar que a cultura é algo difícil de mensurar, mas descobrimos exatamente o contrário. Pelo simples fato de dar aos funcionários a oportunidade de responder a uma pesquisa anônima com relação à sua percepção sobre a cultura da empresa, os gestores terão condições de mensurar o quanto estão se saindo bem integralmente por gerente, escritório, função e assim por diante.
No gráfico abaixo, pode-se ver que a satisfação dessa empresa específica está em geral na média do setor. No entanto, a satisfação no setor vendas é acentuadamente mais baixa. A preocupação é que esse índice desce até o número 5; nível não sustentável, pois os funcionários vão se demitir voluntariamente devido ao precário ambiente cultural.
[LEGENDA]
Título: Acompanhamento do grau de satisfação em uma startup ao longo do tempo
Subtítulo: Ao comparar diferentes referências, a empresa identificou uma anomalia em uma área específica da empresa: o setor de vendas diferenciado.
Linha vertical esquerda: Graus de satisfação do funcionário: escala de 0 a 10, sendo 0 insatisfeito e 10 satisfeito.
Linha horizontal: período: maio e junho de 2016; setembro outubro de 2016, dezembro de 2016 e fevereiro de 2017
Linha vertical direita: ROXO – média do setor de vendas
VERMELHO – média da startup
PRETO – referência do usuário da TINYpulse
AMARELO – referência da indústria de tecnologia
FONTE TINYPULSE
Em consequência, a liderança no setor de vendas, desenvolveu um plano proativo para reverter essa tendência perigosa. Algumas das táticas incluíam dar feedback para o funcionário pessoalmente, criar um programa formal de plano de carreira, melhorar os níveis de reconhecimento e dialogar muito sobre expectativas e metas. Os dados mostram que em setembro houve uma recuperação enorme, que foi mantida pelo restante do ano. Na verdade, a média do setor de vendas acabou sendo maior do que a da organização como um todo — uma façanha e tanto. Contudo, sem a medida de monitoramento relacionada ao nível de eficiência das mudanças administrativas, eles não teriam condições de ver a péssima situação e o rápido progresso.
Como Geoffrey Moore salientou em seu livro inovador, Crossing the Chasm (Atravessando o Abismo, em tradução livre), as empresas precisam comercializar com um segmento de clientes por vez, a começar com os primeiros que aderiram ao produto, antes de influenciá-los a experimentar o próximo.
Vemos semelhanças na cultura de startups. Os fundadores podem valorizar a cultura que têm no período de lua de mel, mas precisam entender que será necessária uma adaptação com o crescimento da empresa — e assim acontecerá com os funcionários “recém-contratados” do grupo seguinte de colaboradores que se somarem à empresa. Com o crescimento, as empresas têm de atrair mais especialistas do que generalistas, e incorporar mais processos, em vez de tomar decisões informalmente durante o happy hour. Os fundadores deveriam estabelecer expectativas com seus funcionários antigos, no sentido de que essas mudanças fazem parte do processo natural de êxito da empresa.
Ao adaptar sua mensagem de forma diferente para os que estavam desde o início, que apreciaram o período de lua de mel e para o próximo quadro de funcionários, os fundadores e as empresas que lideram poderão atravessar o abismo com menos dificuldade. Independentemente da rapidez com a qual as empresas estejam crescendo, os fundadores não conseguirão escapar dele. Ao contrário, deveriam focar na cultura desde o começo da empresa, e prestar muita atenção à transparência, reconhecimento e monitoramento do progresso. Essa é a melhor maneira de situar a empresa, o mais rápido possível, longe do abismo.
David Niu é o CEO da TINYpulse
Mark Roberge é o CRO (Diretor de Risco) da HubSpot, uma empresa de marketing com sede em Boston e Palestrante Sênior na Harvard Business School. Esse artigo é adaptado do seu livro, The Sales Acceleration Formula (2015), com autorização do editor, Wiley.