Em toda a economia global, grandes empresas estão ficando maiores. Estão mais produtivas, lucrativas, inovadoras e pagam melhor. As pessoas com sorte o bastante para trabalhar nelas estão indo relativamente bem, ao contrário daquelas que atuam na concorrência.
Os legisladores notaram. Observa-se uma retomada do interesse pelas políticas antitruste e da concorrência, com audiências recentes sobre o assunto na Federal Trade Commission. As manchetes de publicações como The Nation, The Atlantic e Bloomberg alertam sobre o problema do “monopólio” nos EUA, com apelos para o desmembramento de grandes corporações como Google, Amazon ou Facebook. “Imagine um dia na vida de um americano típico”, escreve Derek Thompson em The Atlantic. “Quanto tempo leva para interagir com um mercado que não seja quase monopolizado?”
O antitruste merece essa atenção, e as plataformas tecnológicas levantam questões importantes. No entanto, a ascensão de grandes empresas — e a consequente concentração de indústrias, lucros e salários — vão muito além do setor de tecnologia e envolve muito mais do que a política antitruste.
Na verdade, pesquisas mostram que as grandes empresas estão dominando pelo uso do software. Em 2011, o capitalista de risco Marc Andreessen declarou que “o software está consumindo o mundo”. O aperitivo dele parece ter sido empresas menores.
O que está Impulsionando a Concentração Setorial
Nos EUA, houve uma concentração na maioria dos setores, nos últimos 20 anos, o que significa que as maiores empresas de cada setor estão conquistando uma fatia maior do mercado do que antes. Mas por quê?
Uma pesquisa realizada por um de nós (James) vincula essa tendência ao software. Mesmo fora da indústria de tecnologia, o emprego de mais desenvolvedores está associado a um aumento maior na concentração setorial, e essa relação parece ser causal. De maneira semelhante, pesquisadores da OECD descobriram que as margens de lucro — uma medida dos ganhos e do poder de mercado das empresas — aumentaram mais em setores com grande uso de recursos digitais. Um estudo acadêmico mostrou que essa crescente está relacionada à quantidade de patentes de determinado setor, o que sugere que “os setores mais concentrados são aqueles com progresso tecnológico mais acelerado”. Por exemplo, a produtividade expandiu-se drasticamente no setor de varejo desde 1990; as vendas por funcionário, em valores atualizados, cresceram cerca de 50%. A análise econômica mostra que a maior parte desse aumento da produtividade deve-se a algumas empresas, como a Walmart, que usaram a tecnologia da informação para esse fim específico. O ganho de produtividade propiciou uma queda dos preços e uma aceleração do crescimento, levando a um maior domínio setorial. A Walmart saltou de uma participação de 3% do mercado varejista de produtos gerais em 1982 para mais de 50% hoje.
Tudo isso parece indicar que a tecnologia, e o software em particular, está por trás do crescente domínio das grandes empresas.
A TI é Importante
Em 2003, o editor da HBR na época, Nick Carr, escreveu um artigo (e, mais tarde, um livro) chamado “IT doesn’t matter” (A TI não é importante). Carr discordava da visão dominante de que “à medida que a capacidade e a onipresença da TI aumentaram, seu valor estratégico também cresceu”. Segundo ele, essa opinião estava equivocada:
“O que torna um recurso verdadeiramente estratégico—o que lhe permite construir a base de um diferencial no longo prazo — não é a onipresença, mas a carência. Só se tem uma vantagem em relação aos concorrentes tendo ou fazendo algo que eles não possam. Até agora, as principais funções da TI—armazenamento, processamento e transporte de dados—tornaram-se disponíveis e acessíveis a todos. O próprio poder e a presença dessas funções começaram a transformá-las de recursos com potencial estratégico em fatores de produção de commodities. Estão passando a fazer parte dos custos operacionais que devem ser pagos por todos sem oferecer distinção a ninguém”.
Carr fez uma diferenciação entre as tecnologias próprias e as “infraestruturais”. Aquelas proporcionam vantagem competitiva, mas estas têm mais valor quando amplamente compartilhadas, de modo que acabam tornando-se onipresentes, deixando de ser exclusivas de determinada empresa. A TI propiciaria um diferencial em caráter provisório, previa ele, citando como exemplo a Walmart, que alcançou a posição de maior empregadora e maior empresa em termos de receita dos EUA por meio de um modelo operacional viabilizado por um software próprio de logística. Entretanto, Carr afirmava, em seu artigo de 2003, que “as oportunidades para a conquista de vantagens baseadas em TI já estão diminuindo” e que “as melhores práticas agora são incorporadas rapidamente ao software ou replicadas de outra maneira”.
Não foi assim. Embora os concorrentes tenham tentado desenvolver um programa de logística comparável, e os fornecedores, transformá-lo em commodity, a perspicácia do software da Walmart continua sendo parte da vantagem competitiva da empresa — baseada agora em um enorme banco de dados. Embora enfrente novos desafios no comércio eletrônico, mantém o diferencial logístico em relação a muitos concorrentes, como a Sears.
A Startup “Full-Stack”
Esse modelo, em que a vantagem competitiva baseia-se em uma combinação entre software exclusivo e outros pontos fortes, torna-se cada vez mais comum. Anos atrás, um de nós (James) fundou uma empresa que vendia software de diagramação. O modelo de negócios, que envolvia o desenvolvimento do programa e posterior licenciamento para as editoras, persiste ainda hoje, inclusive para publicações on-line, em que empresas como a Automattic, fabricante do sistema de gerenciamento de conteúdo de código aberto WordPress, vendem serviços de hospedagem e relacionados a editoras. As licenças únicas deram lugar a assinaturas mensais de software, mas esse modelo ainda se encaixa na tese original de Carr: as empresas de software desenvolvem tecnologia pela qual outras pagam, mas da qual raramente obtêm um diferencial.
Não é o caso da Vox Media, editora digital conhecida, em parte, pelo sistema proprietário de gerenciamento de conteúdo. Licencia seu software a algumas outras empresas (até agora, principalmente não concorrentes), mas ela mesma é uma editora. O principal modelo de negócios da Vox baseia-se na criação de conteúdo e na venda de anúncios, com um software exclusivo de diagramação e um conteúdo editorial de qualidade, o que lhe proporciona uma vantagem competitiva.
O capitalista de risco Chris Dixon chamou essa abordagem de “startup full-stack”. “A antiga estratégia das startups era a venda ou o licenciamento de sua nova tecnologia aos atores estabelecidos do mercado”, diz Dixon. “O novo modelo ‘full stack’ envolve o desenvolvimento de um produto ou serviço completo, de ponta a ponta, evitando tanto esses atores quanto a concorrência.” A Vox é um exemplo dessa novidade.
A mudança do modelo de fornecedor de software para o full-stack é vista nas estatísticas do governo. Desde 1998, observa-se uma queda da participação dos produtos pré-empacotados nos gastos das empresas com software (o modelo de fornecedor). Mais de 70% do orçamento das empresas para esses produtos destinam-se a códigos desenvolvidos no âmbito interno ou sob contratos personalizados. A quantia investida em software exclusivo é enorme — US$250 bilhões em 2016, quase tanto quanto foi gasto em capital físico, descontada a depreciação.
Como as Grandes Empresas se Beneficiam
É evidente que o software exclusivo vem proporcionando vantagens a algumas empresas, e o modelo full-stack está dominando o modelo de fornecedor desses produtos. O resultado é que as grandes vão ampliando sua participação de mercado, porém, para compreender isso, é preciso entender os motivos tanto da capacidade muito maior de algumas empresas no desenvolvimento de software quanto da não difusão de suas inovações para os concorrentes menores, ao contrário da previsão de Carr.
As economias de escala certamente fazem parte da resposta. O desenvolvimento de software é caro, mas sua distribuição é relativamente barata. As empresas maiores têm maior capacidade de arcar com as despesas iniciais, mas essas “economias de escala do lado da oferta” não podem ser a única resposta. Caso contrário, haveria o domínio dos fornecedores, que conseguem obter amplas economias de escala por meio da venda para a maioria dos participantes do mercado. Outra provável explicação são os efeitos de rede, ou as “economias de escala do lado da demanda”. Contudo, o fato de que o elo entre o software e a concentração setorial é dominante fora do setor de tecnologia — um âmbito em que é menos provável que as empresas tenham bilhões de clientes — parece indicar que os efeitos de rede sejam apenas parte da história.
Assim sendo, a crescente concentração parece se dever em parte ao fato de o software ter maior valor em combinação com outras capacidades particulares do setor, muitas vezes denominadas “ativos intangíveis”, mas, nesse sentido, cabe maior especificação.
As pesquisas demonstram que os benefícios da tecnologia da informação dependem, em parte, do gerenciamento. As empresas mais bem-administradas, como as grandes costumam ser, aproveitam melhor os investimentos em TI. Existem outros ativos “intangíveis” que proporcionam diferenciais aos líderes do mercado e que podem ser difíceis ou caros de replicar. Um executivo sênior que atuou em uma série de companhias de ponta no ramo de software corporativo explicou a um de nós (Walter) recentemente que a capacidade de extrair o melhor de um desenvolvedor médio dependia de configurar o “software para criar software” de maneira eficaz — ferramentas, fluxos de trabalho e padrões que permitam ao programador conectar-se ao sistema de produção da empresa sem a necessidade de aprender um número infinito de novas técnicas.
As patentes e os direitos autorais também dificultam a expansão das inovações de software para outras empresas, assim como os acordos de não concorrência, que proíbem os funcionários de mudar de emprego com facilidade. No entanto, uma das maiores barreiras à expansão — e, portanto, uma das maiores fontes de vantagem competitiva para os principais atores do ramo de software — é o modelo de organização das empresas.
Inovação Arquitetônica
Em 1990, Rebecca Henderson, atualmente professora da Harvard Business School, publicou um artigo que fornece uma base teórica para o sucesso das startups full-stack. Na época, vários pensadores tentavam compreender o motivo pelo qual grandes empresas, ricas e bem-sucedidas eram, às vezes, derrubadas pelas novas tecnologias, as quais não necessariamente utilizavam de forma ineficiente, argumentou Rebecca, com base em um estudo sobre o setor de fotolitografia. Na verdade, essas companhias empregavam muito bem os recursos inovadores para melhorar componentes específicos de seus produtos, porém passavam por dificuldades assim que surgia alguma novidade que alterava a arquitetura fundamental desse produto — a maneira que tudo se encaixava.
Henderson afirmava que a forma de atuação da empresa está, muitas vezes, profundamente interligada à arquitetura de seus produtos ou serviços. Quando essa estrutura sofre alguma mudança, todo o conhecimento incorporado à organização perde parte de sua utilidade, e a estratégia de atuação da companhia passa a ser uma desvantagem.
Por exemplo, o diferencial da Walmart dependia de uma organização e de um modelo de negócios baseado na grande capacidade logística da empresa, com preços baixos todos os dias, ampla variedade e reação imediata a mudanças de gostos. Mesmo que os maiores concorrentes, como a Sears, gastassem muito com TI, não conseguiam competir de maneira eficaz sem alterações arquitetônicas fundamentais. Se a Walmart tivesse se limitado a aplicar a TI a um único componente do sistema de varejo — como a digitalização de catálogos ou a disponibilização on-line de catálogos — talvez a Sears pudesse estar em melhor posição de concorrência. No entanto, a Walmart mudou não só o modo de funcionamento das cadeias de suprimentos, das decisões de produtos e do preço, mas também o relacionamento entre eles. Assim, a estratégia de atuação como um todo da Sears passou a representar, subitamente, uma desvantagem.
Como o capitalista de risco Dixon reconheceu claramente, essas inovações arquitetônicas podem abrir espaço para as startups. “Antes de [a Lyft e a Uber] serem lançadas, startups estavam tentando desenvolver softwares para tornar o ramo de táxi e transporte de passageiros mais eficaz”, observou Dixon. Se a Uber tivesse apenas criado um programa para enviar táxis, as empresas estariam bem posicionadas para adotá-lo, de acordo com a teoria de Henderson. Um “componente” do serviço teria sido alterado pela tecnologia (envio), mas não sua arquitetura como um todo. Entretanto, as startups de compartilhamento de viagem, como a Uber e a Lyft, não só tornaram os táxis mais eficientes, mas também revolucionaram a maneira pela qual as diversas partes do sistema se encaixam.
A inovação arquitetônica não necessariamente resulta em startups que tomam o lugar das empresas atuais. Também pode determinar quem prevalece em uma competição entre maiores e mais antigas. Em novembro de 2007, a Forbes colocou o CEO da Nokia na capa da revista e perguntou: “Alguém consegue pegar o rei dos telefones celulares?” A Apple havia lançado o iPhone apenas alguns meses antes.
Por que a Apple, empresa sem experiência prévia em telefones, conseguiu essa proeza? No início deste ano, Karim Lakhani, professor da Harvard Business School, fez essa pergunta aos participantes de uma conferência. Um de nós (Walter) ouviu os especialistas em tecnologia da plateia relacionarem todas as vantagens do iPhone, após o que Lakhani deu as datas em que a Nokia ofereceu esses mesmíssimos recursos: uma loja de aplicativos em 2001, uma tela sensível ao toque em 2002, um navegador de internet em 2006. Por que, então, a Apple prevaleceu?
A empresa, segundo Lakhani, tinha a arquitetura certa para trazer os telefones para a era da internet. Tanto a Apple quanto a Nokia tinham muitos dos ativos intangíveis necessários para se destacar no negócio de smartphones, entre os quais desenvolvedores de software, engenheiros de hardware e designers. Contudo, a estrutura e a cultura da Apple já se baseavam na combinação de hardware e um sistema de software com a contribuição de terceiros. Já possuía experiência na construção de hardware, sistemas operacionais e kits de desenvolvimento de software de seus negócios de PC. Havia desenvolvido uma plataforma de software para fornecer conteúdo para dispositivos móveis na forma do iTunes. No início, Steve Jobs resistiu à criação de aplicativos para o iPhone, mas, quando acabou cedendo, a loja de aplicativos tornou-se a vantagem principal do smartphone. Assim, a Apple conseguiu gerenciar o iPhone por causa da “arquitetura” existente.
Como qualquer teoria, a inovação arquitetônica não consegue explicar tudo. Se a experiência na criação de sistemas operacionais e kits de desenvolvimento de software era muito importante, por que a Microsoft não inventou o smartphone vencedor? Sem dúvida, a grande aptidão da Apple no design de produtos também foi importante, mas a inovação arquitetônica ajuda a explicar por que certas capacidades são muito difíceis de replicar.
Divulgando os Benefícios do Software
O desafio para os legisladores preocupados com a concentração setorial, as margens de lucro e o poder das empresas gigantescas é a expansão dos benefícios da economia digital – de software – de forma mais ampla. O antitruste pode ajudar em casos extremos, que incluem a restrição das plataformas de tecnologia e da possibilidade de elas adquirirem toda a concorrência. No entanto, também se devem considerar maneiras de contribuir para a difusão dos softwares e seus recursos por toda a economia. Até certo ponto, as economias de escala simplesmente aumentarão o tamanho médio das empresas, o que é positivo, mas a proibição aos acordos de não concorrência ajudaria os funcionários a difundir seus conhecimentos ao mudar de emprego. A reforma das patentes, que nem sempre são necessárias para proteger as inovações de software e sofrem abuso de trolls de patentes em detrimento de quase todos, também ajudaria. Outro fator positivo seria qualquer esforço, por parte do governo, para incentivar o uso de software de código aberto. Por exemplo, o governo francês exige que os órgãos administrativos públicos examinem minuciosamente esses programas ao revisar ou criar novas tecnologias da informação e usar as economias alcançadas para ampliar o financiamento ao desenvolvimento de código aberto.
O incentivo às startups é outra via promissora, já que essas empresas conseguem se organizar em torno de recursos de software para superar as atuais. Nem sempre é fácil a implantação desse estímulo por meio de políticas públicas, mas o financiamento do governo pode ajudar quando adotado da maneira correta, e, no nível estadual e municipal, é possível incentivar a formação de clusters tecnológicos.Essas políticas surtiriam bons efeitos em conjunto com uma análise mais rigorosa das incorporações societárias para garantir que as startups promissoras não sejam todas engolidas pelos atores do mercado que estejam desafiando.
Para as empresas, o resultado é mais óbvio. Mesmo que não se esteja no ramo de software, é bem possível que o sucesso dependa da capacidade não apenas de usar, mas também de criar esses programas. É claro que, do ponto de vista financeiro, ainda faz sentido, em muitos casos, a utilização de fornecedores, porém deve-se levar em conta o que torna a empresa única e como o software pode impulsionar essa vantagem. O investimento em soluções exclusivas que complementem os pontos fortes pode ser uma boa ideia, sobretudo para empresas de médio e grande porte e para startups em expansão.
Uma Nuvem no Horizonte
Há algumas boas notícias: pesquisas mostram que a computação em nuvem está ajudando empresas menores e mais novas a concorrer. Além disso, algumas estão desmembrando suas capacidades avançadas. Por exemplo, a Amazon passou a oferecer serviços completos de atendimento, que incluem entrega em dois dias a vendedores grandes e pequenos em sua plataforma Marketplace. Pode ser até que Carr estivesse certo em princípio, mas no tempo errado. Porém não apostaríamos nisso. Alguns aspectos do software serão democratizados, incluindo talvez algumas áreas nas quais as empresas obtenham agora vantagem competitiva. Entretanto, surgirão outras oportunidades para as empresas usarem esse recurso em benefício próprio. Uma delas em particular se destaca: embora o software de aprendizado de máquina seja disponibilizado gratuitamente, os conjuntos de dados que lhes atribuem o real valor, em geral, permanecem de uso exclusivo, assim como os modelos que as empresas criam com base neles. A política pode ajudar a nivelar esse campo de ação, mas as empresas que não investem em software e recursos de dados correm o risco de ficar para trás.
James Bessen, economista, é o diretor executivo da Technology & Policy Research Initiative da Boston University School of Law.
Walter Frick é editor sênior da Harvard Business Review.