Qual é o trabalho de um ethical hacker? Como construir sua formação para ser um cientista de dados? A transformação digital traz mudanças no mercado de trabalho e novas oportunidades. Época NEGÓCIOS conversou com brasileiros que trabalham com profissões novas. Eles contam o que fazem e como estudaram até chegar no seu conjunto de conhecimento.
Esta matéria é parte de uma reportagem sobre o futuro do trabalho, que inclui uma pesquisa exclusiva sobre o tema feita por Época Negócios, Tera e Scoop.
Wendel Santos
Coordenador de automação da TetraPak
“Antes, o cliente era focado no produto. Agora, precisamos ajudá-lo a descobrir como se antecipar, coletar dados e perceber o que pode produzir antes de a demanda surgir”, diz Wendel Santos, o homem da rastreabilidade da TetraPak. Formado em engenharia, ele participa do projeto que rastreia o uso de caixas da TetraPak por meio de um código. Isso permite a antecipação ou resposta a erros que eventualmente ocorram entre o recebimento da matéria-prima e o envase do produto em embalagens. Com os dados coletados, Wendel e uma equipe de profissionais de várias áreas fornecem soluções para aperfeiçoar a automação no processo de embalagem. “Fazer o entendimento correto do problema do cliente é a parte mais difícil do meu trabalho. Ele apresenta uma informação, mas não consegue muitas vezes olhar para o verdadeiro problema. Só vê a consequência e, assim, não encontra a causa.” No dia a dia, ele estuda novas soluções em rastreabilidade, como o uso de blockchain. “Sempre que aprendo um conceito novo, penso se ele se aplica ao nosso negócio e tento testar a efetividade da nova solução.” Para Wendel, a universidade fornece as ferramentas base do trabalho, como cálculo e física. O restante, diz, aprende-se “por curiosidade, no dia a dia”.
Gustavo Pacheco
Head de Growth do Google Brasil
“Hoje, conseguimos dizer para uma doceira se um anúncio no Google está gerando transação financeira. Há uma capacidade de mensurar, conectar cenários que não existia há um ano e meio atrás. Os dados batem qualquer opinião”, diz Gustavo Pacheco, head de growth do Google, uma função que existe há apenas dois anos. Mas qual seu trabalho? Ele atua para ajudar empresas a usar conectar canais e dados para gerar inteligência para o negócio. Pacheco é um exemplo dessa transformação. O primeiro smartphone que usou foi no Google há cinco anos—antes disso, vivia desconectado. Quando percebeu que ficaria para trás na carreira, assinou newsletters, acionou sua rede de contatos, leu livros sobre organizações exponenciais e foi estudar novas tecnologias. “Quando abriu uma vaga no Google, me candidatei e fui totalmente sincero: não sei nada sobre browser, cookies e as novas ferramentas. Mas tenho 10 anos de experiência e sei sobre gestão e como negócios offline funcionam. E sou aberto para aprender o resto”, conta. Pacheco ganhou a vaga. “Para entrar no Google ou em qualquer empresa da nova economia, é preciso ter um perfil aberto, de empatia e saber se relacionar com as pessoas. Valorize também o que você tem de melhor e pode contribuir para aquele negócio.”
Júlia Tessler
Cientista de dados do iFood
“A aplicação de ciência de dados tem duas guias fortes: automação de processo e entrega de inteligência com dados. É preciso entender a inteligência por trás dos dados, consolidar informações complexas e transformar em algo palpável. A faculdade não ensina isso”, diz a cientista de dados do iFood Júlia Tessler. “Também não ensina a olhar para conceitos que os dados refletem e traduzi-los para o restante da empresa. O modo como passo a informação varia dependendo de quem é meu interlocutor—se é um designer, um analista, um engenheiro ou um gestor. É preciso entender essa diferença para que os projetos sejam trabalhados em equipe e gerarem valor aos clientes finais.” Júlia é formada em estatística pela Unicamp e fez cursos de especialização em dados, como o bootcamp da Tera.
Marcelo Piovan
Arquiteto de inteligência artificial da DataH
Marcelo Piovan é formado em processamento de dados e tem especializações em software para web. Há três anos, ele trabalha com inteligência artificial. “Nos últimos anos, precisei correr atrás para me reinventar. Saí de uma zona tranquila, onde conhecia as ferramentas e sabia os limites do meu trabalho, para entrar de paraquedas no mundo da IA. Antes, desenvolvedores pegavam dados, programavam e obtinham respostas.” Mas isso é coisa do passado. “A inteligência do sistema era do programador, agora, do algoritmo. E simplesmente é impossível conhecer todos os algoritmos e linguagens novas de programação. O aprendizado é disciplina, nós precisamos montar nossa trilha de conhecimento e seguir nela, de acordo com prioridades, tempo e necessidades.”
Ericson Mattoso
Cientista de dados da Braskem
“A minha área está na moda no Brasil porque as empresas não sabem como usar seus dados. Mas veem seus concorrentes usando”, explica Ericson Mattoso, cientista de dados da Braskem. “O cientista de dados é quem olha os dados e descobre com eles novas oportunidades.” Mattoso é formado em desenvolvimento web e aplicações na internet pelo Instituto Federal Rio-Grandense (IFSUL). Antes da Braskem, trabalhou como analista de dados em agências de marketing para prever o comportamento do consumidor. Um curso de data science o colocou no radar de empresas como Braskem, Google, Facebook e Raízen. A entrada na Braskem trouxe novos conhecimentos. Teve de aprender sobre polímeros e equipamentos da indústria petroquímica para criar análises e ler dados coletados. “Preciso conversar com engenheiros e técnicos para entender como os equipamentos funcionam, quais são as variáveis que importam e o que faz diferença no processo químico. Com isso e a ciência de dados, podemos, por exemplo, diminuir o alto custo de manutenção dessas máquinas.”
Felipe Prado
Ethical Hacker da IBM
“Ser hacker hoje é ser um profissional de segurança da informação”, explica o ethical hacker da IBM Felipe Prado. Para suprir necessidades de segurança da informação, explica, empresas estão abrando os hackers internos. “O hacker tem visão do atacante, só que tem índole diferente.” O que faz um hacker internet? “No meu trabalho faço muitas pesquisas, pesquisa de vírus que atacam bancos até estudos sobre invasões em IoT [sigla para internet das coisas]—invado babá eletrônica, televisão, carro, marca-passo e aparelho auditivo para descobri como proteger esses aparelhos.” Prado se interessou por tecnologia em 1988, ao fazer análises de vírus no computador de seu pai. De lá para cá, trabalhou em help desk de call center, na área de segurança de várias empresas e foi aprendendo técnicas de invasão e processos por conta própria. Não fez faculdade até ser contratado por auditorias como PwC e Ernst & Young. Depois, foi CTO da Marítima Seguros e está na IBM há três anos. Todo início de ano, ele define seu plano de estudos, de acordo com a função que está desempenhando no trabalho ou com mudanças que impactam sua área. Recentemente, estudou as implicações e estrutura da Lei Europeia de Proteção de Dados. “As profissões do futuro exigem conhecimentos diversos e constantes. Não espere a empresa exigir isso de você. Estude por conta própria.”
Gustavo Suzuki
Cibersegurança – Diretor técnico da NetSafe
“Estou há vinte anos nessa área e vi uma mudança recente. Deixamos de ser profissionais reativos e passamos a ser mais ativos. Segurança da informação precisa estar ligada à estratégia da empresa. O profissional de segurança precisa ser completo, saber agir antes, reagir, entender as melhores ferramentas. Precisamos estar próximos ao comitê da empresa, às tomadas de decisões porque um dos grandes valores hoje é informação de usuário. A maioria dos ataques que as empresas sofrem é para infiltração de dados. Veja só o caso do Facebook, com 50 milhões de dados vazados – as ações caíram 20% após o escândalo. Todas as empresas querem se transformar digitalmente—e isso só pode acontecer com segurança.”
Matheus Goyas
Cientista de dados e diretor-executivo B2C da Somos Educação
“Não construí minha carreira para ser cientista de dados. Eu sou um executivo, empreendedor de negócios que fez tudo com boas decisões—e não tomo uma decisão sem ter informação”, conta Matheus Goyas, cientistas de dados e diretor-executivo B2C da Somos Educação. “Na Somos, todo funcionário, inclusive o estagiário, tem acesso a um banco de dados com informações que são acessíveis e amigáveis. Trabalhar com dados não é só para o cientista. Pelo contrário.” Matheus fundou o AppProva em 2012, uma ferramenta para os colégios entenderem as falhas dos conhecimentos dos alunos que estavam para prestar Enem. Hoje, segundo ele, mais de 2 milhões de pessoas usam o app. Na Somos, ele ajuda a desenvolver soluções também focadas no preparatório do exame nacional e no ensino médio.
Vinicius Mendes
Analista de segurança digital e strategic account manager da FireEye
“Existem muitas competências para parte de segurança hoje. A pessoa pode trabalhar com governança, compliance, padronização, meios de pagamento, até processos em nuvem. Há 5 anos, uma única pessoa ia tomar conta de tudo isso e mais. Tecnologia não está mais embaixo, está junto ao C-Level. Com meu cargo, mais associado a questão de riscos, preciso de uma visão macro, para ajudar as empresas a priorizarem os investimentos. O maior desafio, aliás, é o orçamento. Vejo em muitas reuniões que a segurança ainda é vista como um dinheiro que não vai dar retorno. O problema é quando acontece uma invasão e precisa correr atrás.”
Lucas Assis
CTO da Syncar Autonomous
“Sou engenheiro eletricista, mestrado em ciências da computação e estou fazendo doutorado em inteligência artificial para veículos autônomos. Começar a carreira nesse boom tem vantagens e desvantagens. Na área de veículos autônomos há poucas iniciativas fora da academia, então é preciso estar sempre se atualizando. A dificuldade é acompanhar tudo que sai – é impossível ficar sabendo também de todas as publicações da sua área. Mesmo na área de autônomos, as funções vão ficando cada vez mais específicas. Hoje, já há técnicos em visão computacional, profissionais para monitorar o trânsito, aqueles cuja especialidade é prever cada movimento do carro dentro de cada cena. Além disso, há hoje expectativas grandes da IA – tanto da academia ou indústria – e, portanto, o incentivo para você criar algo novo é absurdo. Além disso, tem toda a discussão ética que envolve a área e que é importante para todas as inovações que pretendemos criar.”
Barbara Salera
UX Designer da Creditas
“Sou formada em design gráfico pela ESPM e comecei minha carreira trabalhando em agências. Durante meu desenvolvimento profissional fui entendendo que não adianta ter uma solução bonita se ela não é funcional. Então, no ano passado fiz minha transição de designer gráfica para área de produto como Product Designer. Acho que o design ganhou papel central nos negócios por melhorar experiências do usuário. Na era digital, também conseguimos testar nossas hipóteses de solução com uma amostra de usuários, prevendo erros antes de levar para o desenvolvimento em larga escala. Um designer UX sempre precisa ter em mente: por que estamos resolvendo esse problema? Como vamos mensurar o resultado? Como daremos manutenção para esse projeto entregue? Qual o fluxo desse problema agora? Não devemos ter medo de questionar e de fazer perguntas inocentes.”
Deividi Silva
Analista de Internet das Coisas (ioT) e gerente de novos negócios na Embraco
“Eu sou apaixonado por fazer a máquina realizar tarefas. Se ela for capaz de fazer o que as pessoas faziam, quer dizer que nós podemos usar nosso cognitivo para tarefas melhores”, diz Deividi Rodrigo Santiago da Silva, gerente de Novos Negócios da Embraco. A plataforma de internet de coisas em que Deividi e sua equipe trabalham capta dados de refrigeradores e mede como o consumidor reagiu aos produtos no ponto de venda. É possível saber quantas vezes uma geladeira foi aberta, quais itens foram tocados pelos clientes e também prever a manutenção dos equipamentos. Deividi lembra que internet das coisas não é “uma tecnologia em si”, mas a junção de várias. Por esta razão, seu trabalho só funciona se realizado em equipe – as soluções de IoT são criadas com especialistas em big data, análise de negócios, inteligência artificial até de experiência do usuário. Formado em ciências da computação, Deividi trabalhou em empresas e startups no Brasil até viajar para o Vale do Silício e conhecer novas tecnologias e demandas que pautavam o desenvolvimento de softwares. Na volta, aceitou o convite da Embraco para trabalhar no desenvolvimento da plataforma de IoT em Joinville, SC.
Claudia Charro
Arquiteta de soluções em nuvem da Amazon Web Services
“Um arquiteto de soluções na TI tem um papel parecido ao arquiteto na construção civil. Precisa entender as necessidades do cliente e construir um ambiente condizente à isso, com custos atrativos. Vai querer construir um ERP? Arquitetura web? Rede de inteligência artificial? É difícil encontrar o arquiteto de TI porque é um profissional mais generalista, que precisa ter uma visão mais aberta e ampla. É algo que o mundo da TI não exigia até há pouco tempo – uma área onde os especialistas dominavam: havia o especialista em java, o arquiteto de integrações, o profissional de soluções de motor de regras. Desenvolver uma visão mais genérica também foi um desafio para mim. No meu trabalho no Itaú e na Qualicorp, eu tinha um conjunto de ferramentas que conhecia e dominava, trabalhava no meu cercadinho, dentro de fronteiras estabelecidas. Como arquiteta de soluções em nuvem, precisei aprender a aprender a trabalhar. Precisei aprender a gostar de aprender uma ferramenta nova todo dia. O arquiteto nesse novo mundo precisa se conformar que ele não vai conseguir aprender tudo, ser experiente em todas as ferramentas. O que diminui minha ansiedade é que na nuvem posso testar, aprender e só depois indicar ao cliente. No mundo tradicional, construir novas infraestrutura e ferramentas demorava e custava muito. Além disso, você não precisa mais esperar 1 ano para ver o fruto do seu trabalho entrar em produção e o 1 usuário começar a usar”. Claudia é formada em pedagogia e sistemas da computação e entrou na AWS como instrutora. Ela diz que um dos grandes diferenciais para crescer na carreira foi a sua capacidade de comunicar conceitos de uma forma simples e fácil – para outros desenvolvedores, clientes ou novos profissionais.
Madson Souza Jorge
Responsável pelo treinamento de bots da Vivo
“Quando o cliente faz uma pergunta, o robô verifica em toda a sua base de conhecimento qual é a melhor resposta para aquela frase. Porém, em alguns casos, o robô pode errar e responder outra coisa. Meu trabalho é encontrar e corrigir esses erros. Quando a interação é feita por meio de voz, analiso se a transcrição da fala do cliente foi realizada corretamente. É um trabalho analítico. Ver o que o robô erra e entender até que ponto é possível melhorar. Essas informações são passadas para outros setores para verificar a viabilidade técnica e de linguagem que deve ser aplicada. Neste trabalho, a habilidade de colaborar é fundamental. A maior dificuldade no meu trabalho é pensar nos dois lados, tanto no lado humano – o que o cliente quer -, quanto no lado do robô – até onde pode chegar o entendimento do robô. Com o atendimento de demandas mais simples com a inteligência artificial, as atendentes do call center podem focar em problemas mais complexos, deixando para o robô resolver situações mais simples do dia a dia, como, por exemplo, solicitações de segunda via de fatura ou saldo de crédito. Isso possibilita que o call center se torne mais ágil.”