A época em que o mundo digital podia fugir das leis acabou

A época em que o mundo digital podia fugir das leis acabou

Margrethe Vestager pode não saber onde as inovações tecnológicas nos levarão nos próximos anos. Mas uma certeza ela tem. Elas mudarão nossas vidas. A comissária da União Europeia para a Concorrência, uma das mulheres mais poderosas do mundo, é conhecida por jogar duro com gigantes como Google e Facebook. Margrethe não se deixa seduzir pelo poder das big tech. “A revolução digital é como uma montanha-russa. Você nunca sabe qual será a próxima curva. Pode ser muito divertido, mas não se entra nela sem saber se é segura”, disse nesta quarta-feira (07/11), no Web Summit 2018. “Esse é o desafio que enfrentamos hoje: garantir com segurança que nossos valores fundamentais serão mantidos”.

Responsável por assegurar que ações contrárias à competição não criem raízes no território europeu, ela conhece de perto a influência das grandes empresas de tecnologia. “O poder do digital é imenso. Mas com poderes imensos vêm também grandes riscos.”, afirma. “Ter consciência disso não é atacar a tecnologia”. Ao mesmo tempo que reconhece os enormes avanços conquistados pelo setor, a comissária lembra também de alguns dos problemas surgidos, como a disseminação de fake news, os riscos à democracia por manipulação de informações e também a promoção do ódio. “Antes de abraçar as oportunidades trazidas pela tecnologia, precisamos saber quais são os riscos corridos. Se é possível confiar nela”.

Quer um exemplo? Margrethe recorre à inteligência artificial (IA). “A IA nos dará mais tempo para fazer o que gostamos, mas corremos o risco de ela replicar nossos preconceitos ou de não ser treinada para nunca infringir a lei”.

A boa notícia, segundo ela, é que ter as regras certas pode resolver essa questão. “Quando vamos para casa, entramos num lar cheio de perigos, com vários fios e circuitos que poderiam nos matar num instante se não funcionassem. Mas nós não pensamos nisso porque temos legislação para isso e ela é cumprida”.

Para a comissária, não há razão para haver regras diferentes para o que ocorre na internet. “A época em que o mundo digital podia fugir a das leis aplicadas à nossa vida off-line acabou”, diz. “Se você visse alguém na rua preparando um ataque terrorista ou vendendo produtos pirateados, você iria querer que as autoridades fizessem algo. O mesmo deve ser válido para o digital”.

Margrethe defende que os avanços tecnológicos devem ser direcionados a beneficiar a sociedade ao invés de prejudicá-la. “Não há razão para abrirmos mão da democracia, da privacidade e da justiça. A inovação deve estimular esses valores”.

E, para proteger a inovação, é preciso também proteger a concorrência. Ouviu, Google? Não? A comissária deixa a mensagem mais clara. “Por muitos anos, o Google tem sido um dos grandes inovadores do mundo, mas por que colocar todas nossas esperanças nas mãos de uma única empresa? Precisamos manter o mercado aberto para que qualquer empresa, independentemente do tamanho, possa inovar”, diz. “Não importa o quanto o Google fez até agora. Não podemos olhar para o outro lado, se houver ameaça à concorrência. As leis de competição podem nos ajudar a garantir que a tecnologia seja uma força do bem”. Pelo jeito, a fama de durona Margrethe vai continuar firme e forte.