Os planos de saúde perderam uma importante disputa nas turmas de direito privado do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A 3ª e a 4ª Turmas entenderam que as operadoras devem seguir orientação médica e fornecer medicamento para finalidade não descrita em bula registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – uso “off label“ do remédio, ou seja, não aprovado.
A 4ª Turma definiu a questão ontem, por maioria de votos, o que impede os planos de saúde de recorrerem à 2ª Seção por não haver divergência. O caso envolve a operadora Care Plus Medicina Assistencial.
A empresa recorreu de decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que a obrigou a fornecer tratamento a uma grávida com trombocitemia essencial – doença crônica caracterizada pela produção excessiva de plaquetas na medula óssea. O medicamento solicitado durante internação é indicado para hepatite crônica.
No TJ-SP, o entendimento foi o de que não cabe ao plano de saúde negar cobertura a tratamento prescrito por médico, sob o fundamento de que o medicamento a ser utilizado está fora das indicações descritas em bula registrada na Anvisa.
No recurso (REsp 1729566), o plano de saúde alega que esse tipo de determinação causa quebra do equilíbrio instituído pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), com risco sistêmico, já que as garantias financeiras exigidas dos planos de saúde estão baseadas nas coberturas obrigatórias previstas no rol de procedimentos e eventos e naquilo que foi contratado, não se podendo estender a cobertura sem a necessária contrapartida no valor dos prêmios.
Ontem, o julgamento foi retomado com o voto-vista do ministro Marco Buzzi, que acompanhou o relator, Luis Felipe Salomão, com entendimento contrário aos planos. “O que é off label hoje no Brasil pode já ter o uso aprovado em outro país”, afirmou Buzzi. Em seu voto, ele citou o princípio de liberdade de prescrição do médico, que considerou um “importante mecanismo de proteção do consumidor”.
Segundo o ministro, uma vez coberto o tratamento de saúde pela operadora, a opção da técnica cabe ao médico especialista. Por isso, não há dúvida do dever de cobertura nos casos em que o fornecimento de medicamento off label for o único meio para tratamento viável e eficaz da doença pelo plano. “A ingerência da operadora consiste em ação abusiva na relação contratual e coloca concretamente o consumidor em desvantagem exagerada”, disse.
Por se tratar de decisão de caso concreto, não foi fixada uma tese sobre o assunto, que poderia listar requisitos a serem observados para a liberação dos medicamentos, por exemplo. Mas nos votos os ministros destacaram a importância da indicação médica.
De acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, o uso de off label deve ser respaldado em evidências científicas. A vedação geral, acrescentou, poderia impedir até mesmo a prescrição por pediatras de medicamentos destinados a adultos, conforme as bulas.
A ministra Isabel Gallotti foi a única a divergir no julgamento. Para ela, os médicos têm liberdade para prescrever medicamento off label, mas esse não é um risco coberto pelos planos de saúde.
Na 3ª Turma, ao negar provimento a um recurso da Amil (REsp 1721705), o entendimento foi o mesmo. Para a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, a autoridade para decidir sobre o uso de medicamento off label é o médico, e não a operadora de plano de saúde.
“Autorizar que a operadora negue a cobertura de tratamento sob a justificativa de que a doença do paciente não está contida nas indicações da bula representa inegável ingerência na ciência médica, em odioso e inaceitável prejuízo do paciente enfermo”, disse a relatora.