Em quase três décadas de Japão, o brasileiro Paulo Hirano, dono de uma empresa de design, acompanhou avanços em diversos setores do país. No educacional, porém, ele diz que foram poucas as mudanças desde o tempo em que estudou em escolas japonesas.
Embora tenha enfrentado muitas dificuldades na adaptação ao sistema escolar do país, ele decidiu que sua única filha também frequentaria a rede pública local, mesmo tendo a opção de matriculá-la em uma das escolas brasileiras existentes na província de Gunma, onde reside.
Além da qualidade do ensino que faz o Japão estar em posição de destaque nos rankings mundiais de educação, Hirano elogia algumas peculiaridades do sistema que conheceu como estudante.
Diz que tarefas como a limpeza da sala feita pelos próprios alunos e atividades extracurriculares de esporte e artes ensinam o respeito à coisa pública e a importância do trabalho em grupo. Esses são apenas alguns dos exemplos do Japão que ele gostaria de ver implantados no Brasil.
Há outras razões para preferir o modelo educacional japonês. “Para se dar bem em uma empresa, você precisa entender, por exemplo, como é a relação entre um veterano e um novato (sempai-kohai). Isso se aprende no dia a dia da escola”, afirma.
A filha Lisa, de 13 anos, vivencia isso atualmente. Como parte da equipe de vôlei da escola, ela precisa treinar de domingo a domingo – mas não entra em quadra nos campeonatos, porque a função dos alunos do primeiro ano é apanhar a bola jogada para fora da quadra e dar suporte às demais jogadoras.
Dependendo do esporte, há tarefas como repor a água e carregar o material esportivo dos veteranos.
Embora não seja obrigatório, os alunos participam dessas atividades extracurriculares por temerem ser excluídos do grupo. Os treinos tomam praticamente todo o tempo de quem estuda e também de quem ensina.
Além das aulas e da responsabilidade com os times e banda da escola, a rotina de um professor no Japão inclui aconselhamento, serviços administrativos e visitas às casas dos alunos.
De acordo com relatório da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), os professores japoneses são os que mais trabalham entre os países desenvolvidos.
Eles cumprem 1.883 horas por ano, contra a média mundial de 1.640, mas o tempo que passam efetivamente dando aulas é menor do que em outros países industrializados.
Nos seis primeiros anos do Ensino Fundamental, são 610 horas, quando a média da OCDE é de 701, e nos últimos três anos chega a 511 horas anuais, contra 655 na OCDE.
Os pais também têm muitas tarefas a cumprir, principalmente se o filho estiver no Ensino Fundamental.
Por exemplo, eles são orientados a se inscrever na Associação de Pais e Mestres para participar do cotidiano escolar e ajudar professores. Tem ainda limpeza da escola, patrulhamento de trânsito e ajuda na gincana esportiva.
Choques de cultura
Embora a educação no Japão seja compulsória até os 15 anos, essa obrigatoriedade não é cobrada dos estrangeiros.
Com isso, uma parcela dos brasileiros prefere colocar os filhos em escolas administradas por conterrâneos, pensando em retornar à terra natal, por desconhecer o sistema de ensino do Japão ou por medo das crianças virarem “japonesinhas” no linguajar e no comportamento.
Em uma tentativa de amenizar o choque cultural, o cartunista Maurício de Sousa criou a cartilha Turma da Mônica e a Escola no Japão, distribuída em escolas japonesas com alunos brasileiros e entre pessoas que se preparam para morar no arquipélago.
“As escolas do Brasil e do Japão são muito diferentes nos hábitos e costumes, por isso é bom que as pessoas já saibam o que vão encontrar lá, para que a adaptação seja facilitada e a criança consiga se enturmar mais rápido”, diz.
Até a lista de materiais pedidos no Japão é diferente. Inclui, por exemplo, capa de prevenção de acidentes (bosai zukin) e uma espécie de sapatilha (uwabaki) que deve ser calçada sempre que a criança entra na escola. Ela fica guardada em uma sapateira com divisão por série colocada na porta de entrada.
Os pais também precisam providenciar a máscara cirúrgica usada pelos alunos encarregados no dia por servir a merenda aos colegas, além do pano de pó (zokin) para a limpeza da classe, feita em rodízio ao final da aula.
Aprendendo cuidados com a limpeza
Segundo o professor Toshinori Saito, essas tarefas ajudam a criança a desenvolver o conceito de cidadania e a respeitar o que é público. Outras tarefas simples, como lavar e secar as caixinhas do leite servido na merenda, despertam a consciência para o meio ambiente.
Saito leciona há mais de uma década e foi para o Brasil como voluntário da Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica) ensinar japonês em um colégio particular de São Paulo por dois anos. Lá, estranhou o baixo número de homens dando aulas, principalmente no ensino básico.
No Japão, eles representam 37,7% do corpo docente dos primeiros anos e 57,7% dos anos finais do Ensino Fundamental, enquanto nas escolas brasileiras apenas 11,1% dos professores do primeiro ciclo e 31,1% do segundo ciclo são do sexo masculino.
“Aqui, o magistério é uma carreira bem respeitada”, afirma.
Atualmente, Saito acumula funções em uma escola pública da província de Kanagawa, onde é professor do primeiro ano do ensino fundamental e responsável pela sala internacional voltada a estrangeiros com dificuldades no aprendizado.
Ele faz a ponte entre a escola e o aluno. “O envolvimento da família na educação é essencial para se obter resultados”, diz.
No Japão, há um apoio mútuo entre escola e comunidade.
Nas portas de casas e estabelecimentos comerciais é muito comum encontrar um selo escrito “Kodomo 110ban”, usado para identificar os locais que as crianças podem usar como refúgio sempre que sentirem algum tipo de ameaça.
Também muitos pais costumam colar, no cesto da bicicleta, uma placa que diz “em patrulhamento”.
O governo quer manter essa relação próxima com a comunidade e também se voltar para o mundo.
É por isso que rascunha mudanças em seu sistema de ensino. A percepção é que o atual modelo com ênfase na reprodução de conteúdo, disciplina em grupo e obediência – que tão bem serviu nos séculos 19 e 20 para transformar o país em uma grande potência mundial – parece menos eficiente no cenário atual, que busca pessoas criativas e participativas.
“O problema do Japão é que os japoneses ficaram presos ao seu próprio sucesso”, diz o professor Daisuke Onuki, do Departamento de Estudos Internacionais da Universidade Tokai, que diz que o fato de os japoneses claramente reconhecerem a educação como caminho para a prosperidade de seus filhos também contribuiu para os bons resultados que o país acumula.
Mas em tempos em que é preciso formar profissionais globalizados e criativos, o governo japonês tem feito uma série de mudanças.
A próxima está prevista para entrar em vigor em 2020, com a valorização da aprendizagem ativa (onde o aluno é estimulado a buscar a resposta) e do ensino do idioma inglês na rede pública. A reforma prevê, ainda, mudar as regras no vestibular para ingresso nas universidades.
No novo tipo de exame, o candidato que tiver mais facilidade para analisar dados e informações contidas nas questões poderá se sair melhor, acredita o estudante brasileiro Victor Keini Kaetsu, de 17 anos, filho de pai japonês e mãe brasileira.
Ele vai prestar a prova de admissão para o curso de Licenciatura em Pedagogia na Universidade de Saitama no ano que vem, ainda pelo modelo atual em que todos os vestibulandos fazem o exame nacional (Centa Shiken) com mais questões de memorização.
Só por curiosidade, Victor fez um simulado do novo vestibular e diz que não gostou das questões apresentadas.
Mas não está preocupado com isso. Seu desafio é ser aprovado na prova de admissão à moda antiga, como fez seu irmão Leonardo, 20, um dos raros estrangeiros a cursar Direito na Universidade de Tóquio, considerada a melhor do Japão. Ele prestou o vestibular três anos atrás e acha que, embora não seja perfeito, o atual exame é imparcial.
Construindo educação de qualidade
Os japoneses sempre estiveram nas melhores posições nos rankings mundiais de avaliação.
No mais recente Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), a famosa prova trienal da OCDE para estudantes de 15 anos, o Japão ficou em 2º em ciências e 5º em matemática, com Cingapura no topo do ranking e o Brasil na 63ª e 65ª posições, respectivamente.
Nas provas de compreensão de texto, porém, o Japão caiu da 4ª posição em 2012 para a 8ª no Pisa 2015. O Ministério da Educação atribuiu essa queda no desempenho ao declínio no vocabulário, com mais jovens usando smartphones e lendo menos.
Os resultados do Pisa sempre tiveram impacto na política educacional do Japão, e já incomodaram mais, como ocorreu no chamado Choque Pisa 2003.
Naquela edição do programa, os japoneses saíram da lista dos dez melhores em uma das matérias, o que gerou críticas à política “yutori kyouiku” (educação sem pressão) que tinha entrado em vigor, com o fim das aulas aos sábados e enxugamento do conteúdo curricular em 30%.
Depois do choque, algumas escolas conseguiram autorização do Ministério da Educação para retomar o calendário de seis dias de aula. E o governo decidiu resgatar parte do conteúdo curricular quando fez a primeira revisão da história da Lei Fundamental da Educação de 1947, incluindo medidas para estimular o respeito à cultura e o patriotismo.
Encontrar o ponto de equilíbrio nessas reformas é o grande desafio enfrentado pelo Japão. “Os professores foram formados para dar aulas seguindo orientações básicas repassadas pelo governo. E agora, com as reformas de 2020, estão pedindo para eles serem diferentes, mandando que sejam livres para montar suas próprias aulas”, observa Onuki.
O modelo japonês vem do período Meiji (1868 a 1878), quando a educação foi fundamental para o desenvolvimento de uma identidade nacional.
“Incentivou a educação para todos e ajudou a formar a nação e um povo disciplinado e trabalhador para servir o país. Tudo isso contribuiu para a industrialização. Porém, o mundo já passou dessa fase”, lembra o professor Onuki.
Ele foi responsável pela aula de Japanologia do curso de Pedagogia para brasileiros residentes no Japão, ministrado à distância entre 2009 e 2012 através de acordo entre a Universidade Federal do Mato Grosso e a Tokai.
A maioria das pessoas formadas já atuava em uma das 72 escolas brasileiras existentes na época e o restante trabalhava em redes públicas japonesas como mediadoras culturais.