O restaurante CaliBurger é um exemplo da maneira pela qual o reconhecimento facial começa a deixar o campo dos aplicativos de segurança —onde é usado para identificar bandidos ou destravar smartphones —e chegar ao ramo do varejo convencional, e a outras áreas do comércio.
Companhias de aviação planejam facilitar as viagens dos passageiros permitindo que embarquem bagagens e cuidem de outras tarefas por meio de selfies. Cadeias de varejo pretendem enviar um vendedor para atender um cliente caso uma câmera leia sua expressão facial e o identifique como irritado.
A tecnologia, no entanto, enfrenta um grande obstáculo: a preocupação dos consumidores.
Brendan Miller, analista do grupo de pesquisa Forrester, diz que a maioria dos varejistas continua bastante nervosa com as questões de privacidade associadas ao reconhecimento facial e a tecnologias semelhantes, e preferem não personalizar demais as coisas. “É por isso que ainda estamos em modo beta, devido à preocupação e ao medo quanto a rastreamento”, ele diz.
Grandes empresas de tecnologia vêm dedicando recursos ao reconhecimento facial há anos. O Facebook usa para sugerir “tags” para fotos. A Amazon fornece sua plataforma de reconhecimento facial a agências policiais e outras organizações. A Apple introduziu o Face ID com o iPhone X, no ano passado, e em 2016 adquiriu uma startup chamada Emotient que usa inteligência artificial para ler expressões faciais.
Empresas mais convencionais veem uma oportunidade de aplicar essa tecnologia de novas maneiras, para tornar o varejo no mundo real mais efetivo.
Uma área na qual elas trabalham é a da personalização. As lojas podem usar esse tipo de tecnologia para programas de fidelidade, o que permite que um vendedor receba o cliente chamando-o pelo nome e o informe sobre os descontos a que tem direito e sobre novos produtos que pode apreciar, com base em compras anteriores; o vendedor também pode acelerar o pagamento das compras do cliente, autorizando-o a pagar por meio de reconhecimento facial.
Algumas companhias de aviação trabalham em um plano semelhante, que poderá reduzir a fricção das viagens e as tornar mais convenientes.
A multinacional de tecnologia da informação NEC trabalha com empresas de aviação em um sistema que permite que os viajantes façam check-in e embarquem, tudo isso por meio de reconhecimento facial, diz Raffie Beroukhim, vice-presidente sênior da companhia.
Uma variação dessa tecnologia, também criada pela NEC, será usada na Olimpíada de Tóquio, em 2020. Atletas, empregados, voluntários e a mídia poderão ingressar nas áreas por reconhecimento facial.
Outra aplicação prática que o varejo convencional quer dar à tecnologia é determinar o que os compradores querem quando a loja ainda nem sabe quem são esses compradores. Para isso, uma combinação de câmeras e software analisa a aparência das pessoas para detectar detalhes sobre elas — como idade aproximada, gênero, e as partes da loja que visita —, e em seguida pode usar esses dados para atrair compras por meio de ofertas especiais.
A Intel trabalha com empresas de varejo e desenvolvedores para oferecer tecnologias desse tipo, de acordo com Joe Jensen, vice-presidente do grupo e gerente geral da divisão de soluções para o varejo.
“O ponto é que os varejistas físicos, convencionais, possam começar a compreender melhor os padrões de comportamento dos consumidores em suas lojas, para que se tornem capazes de lhes apresentar ofertas melhores”, diz Jensen.
COLETA ABUSIVA DE DADOS
O reconhecimento facial, no entanto, precisa enfrentar uma questão séria: a privacidade. Na China, a tecnologia é usada de maneira muito intrusiva, e se generalizou a tal ponto que seus usos variam de oferecer sugestões de pedidos nos restaurantes KFC a notificar pessoas que atravessam fora da faixa de pedestres ou a monitorar a quantidade de papel higiênico usada em banheiros públicos.
O problema não é só um possível Big Brother nos vigiando em toda. Especialistas dizem que imagens faciais podem terminar vinculadas a perfis pessoais que seriam compartilhados por empresas e vendedores de dados.
Mesmo as práticas benignas de coleta de dados podem passar dos limites, diz Adam Schwartz, advogado sênior da Electronic Frontier Foundation, organização de direito digital. Depois que empresas recolhem os dados para um determinado propósito, “elas fazem coisas novas e inesperadas com eles”, ele diz.
Por exemplo, uma seguradora poderia comprar dados e usá-los para determinar coisas sobre a saúde de uma pessoa, o que poderia resultar em negação de cobertura.
“É provável que alguns dos dados que fornecemos no passado retornem para nos incomodar”, diz Arun Ross, professor da Universidade Estadual do Michigan. “Descobriremos que oferecemos informações sobre nossas vidas que nem imaginávamos possíveis.”
O Cali Group, dono dos restaurantes CaliBurger, continua a trabalhar em suas normas de uso e regras de privacidade. A empresa ainda não tem regras em vigor, mas o presidente-executivo John Miller diz que não compartilhará dados de reconhecimento facial com terceiros. Beroukhim, da NEC, diz que o sistema de reconhecimento facial para aeroportos será de adesão voluntária para os passageiros, e que existirão controles de privacidade.
Por enquanto, determinar se empresas podem adquirir seus dados biométricos sem permissão prévia —e quais dados elas têm direito de adquirir —depende de onde você vive. “Creio que as empresas estão cada vez mais cientes de que a privacidade é importante”, diz Ross, “especialmente depois da adoção do Regulamento Geral de Proteção de Dados pela União Europeia”.
Fonte: The Wall Street Journal