Martin Vassilev apresenta-se como vendedor de audiência falsa no YouTube. Diz que, em 2018, já vendeu 15 milhões de views, por mais de US$ 200 mil. Seu site, 500Views.com, é um intermediário entre interessados em inflar a audiência e “fazendas de likes” – computadores dedicados a curtir. O YouTube é a plataforma mais popular entre os jovens, segundo o Pew Research Center, acima de Facebook e Instagram. Segundo o jornal americano The New York Times, a venda de fake views é um negócio em ascensão.
Dono do YouTube, a Alfabet se diz empenhada em combater os fake views, com sistemas de inteligência artificial para monitorar escaladas de audiência suspeitas. Atualmente, afirma a empresa, fake views representam apenas 1% do total da audiência. “Isso tem sido um problema contra o qual lutamos há muitos e muitos anos”, disse ao NYT Jennifer Flannery O’Connor, diretora de produto do YouTube. Em um momento de 2013, diz a empresa, o número de robôs que se passavam por visitantes chegou a ser maior do que o de visitantes humanos – de tal maneira que isso poderia confundir os algoritmos de detecção de fraude, que entenderiam o comportamento robótico como o novo normal.
Para testar os sites, a reportagem encomendou milhares de visualizações de nove empresas. Quase todas as compras, feitas para vídeos não associados à organização de notícias, foram cumpridas em cerca de duas semanas.
Uma das empresas era Devumi.com. De acordo com os registros da empresa, ela arrecadou mais de US$ 1,2 milhão (R$ 4,63 milhões) em três anos, vendendo 196 milhões de visualizações no YouTube. Quase todas as exibições permanecem hoje.
Uma análise desses registros, de 2014 a 2017, mostra que a maioria dos pedidos foi concluída em semanas, embora os de um milhão de visualizações ou mais tenham sido mais demorados. Proporcionar grandes volumes de forma barata e rápida é, muitas vezes, um sinal de que um serviço não oferece uma audiência real.
Os clientes da Devumi incluíam um funcionário da RT, uma organização de mídia financiada pelo governo russo, e um funcionário da Al Jazeera English, outra empresa financiada pelo Estado. Outros compradores eram um cineasta que trabalhava para a Americans for Prosperity, um grupo de defesa política conservadora, e o chefe de vídeo do The New York Post. Al Jazeera e The Post disseram que os trabalhadores não estavam autorizados a fazer tais compras e não estavam mais empregados lá.
Diversos músicos compraram as exibições na plataforma para parecerem mais populares: as visualizações do YouTube são levadas em consideração por métricas da empresa de classificações Nielsen e por paradas musicais, incluindo o Hot 100 da Billboard.
Algumas empresas compraram visualizações para clientes com a promessa de promoção na mídia social, que resultaria em pessoas reais assistindo a seus vídeos.
“Este tem sido um problema em que estamos trabalhando há muitos anos”, disse Jennifer Flannery O’Connor, diretora de gerenciamento de produtos do YouTube. Os sistemas da empresa monitoram continuamente a atividade de um vídeo, e a equipe anti-fraude frequentemente compra visualizações para tentar entender melhor como esses serviços operam, disse ela. “Nossos sistemas de detecção de anomalias são realmente bons”.
Ainda assim, os desafios são significativos. A certa altura, em 2013, o YouTube tinha tanto tráfego de bots (robôs disfarçados de pessoas) quanto tráfego de visitantes humanos, de acordo com a empresa. Alguns funcionários temiam que isso fizesse com que o sistema de detecção de fraudes mudasse, classificando o tráfego falso como real e vice-versa –processo conhecido também como “Inversão”.
O YouTube não divulga o número de visualizações falsas bloqueadas todos os dias, mas disse que suas equipes trabalhavam para mantê-las abaixo de 1% do total. Ainda assim, com a plataforma registrando bilhões de visualizações por dia, dezenas de milhões de visualizações falsas podem ser feitas diariamente.
“Enquanto popularidade e exibições forem a moeda do YouTube, a manipulação da contagem de visualizações será um problema”, disse Livingston.
DINHEIRO VIVO
Foram necessários cerca de 18 meses para que Vassilev deixasse o bem-estar social de morar com o pai no Canadá para comprar uma BMW 328i branca e uma casa própria.
No final de 2014, seu site estava na primeira página de resultados de busca do Google para comprar visualizações do YouTube, atendendo de 150 a 200 pedidos por dia e trazendo mais de US$ 30 mil (R$ 115 mil) por mês, disse Vassilev. “Eu realmente não acreditava que você pudesse ganhar tanto dinheiro online.” O pedido da reportagem em seu site, para 25.000 visualizações, foi realizado um dia após a solicitação.
Uma porta-voz do Google, que pertence à mesma empresa que o YouTube, disse que os sites que vendem exibições apareceram nos resultados de pesquisa porque eram relevantes, mas são espaços para serem aprimorados.
Vassilev se recusou a nomear seus clientes, mas disse que muitas encomendas vieram de empresas de relações públicas ou de marketing.
Hoje a maioria dos pedidos feitos a ele ocorrem por meio do SMMKings.com, um fornecedor de atacado comandado por Sean Tamir, 29. Tamir o cobra US$ 1 (R$ 3,86) por mil visualizações, que Vassilev revende por US$ 13,99 (R$ 54), com mais 100 curtidas gratuitas.
Várias vezes por ano, o YouTube faz alterações em seu sistema de detecção para tentar impedir visualizações falsas, disse Tamir. Um delas ocorreu recentemente, no final de janeiro, mas muitos dos sites já estavam funcionando algumas semanas depois, quando a reportagem fez a maior parte de suas compras. Os fornecedores afirmam que estão contornando as atualizações do sistema, fazendo com que o tráfego pareça mais humano, garantindo que o acesso pareça vir de usuários com visualizações anteriores, por exemplo.
PROMESSA DE SEGUIDORES
O vendedor disse por telefone que seria simples: Elizabeth Clayton, 77, uma professora aposentada de inglês e psicologia, poderia pagar à Hancock Press US$ 4,2 mil (R$ 16,2 mil) para divulgar seus trabalhos de poesia publicados por ela mesma. A empresa disse que a promoção online, incluindo 40 mil visualizações no YouTube, se traduziria em vendas, mostram emails.
Clayton estava otimista. Ela tem feito publicações há sete anos, mas não vende muito. Então fez, então, o pagamento de US$ 8,4 mil (R$ 32,4 mil) a Hancock para promover dois vídeos.
“Eles me disseram que se eu conseguisse um certo número de visitas eu conseguiria vender vender uma certa quantia de publicações”, disse.
Em vez de marketing tradicional, Hancock pagou US$ 270 (R$ 1.000) por 55.000 visualizações de Devumi para cada vídeo, mostram os registros. As visualizações chegaram a 60 mil, onde permanecem. Mas não houve aumento nas vendas.
“Eles não podiam me dizer nada sobre as pessoas que estavam assistindo ao vídeo”, disse Clayton. “Eu suspeitei de algo, mas não consegui nenhuma informação.”
Wayne Hancock, 92, executivo-chefe da empresa sediada em Arkansas, disse acreditar que pessoas reais estão assistindo aos vídeos. Foi desse modo que Devumi vendeu suas visualizações. Filha de Hancock, K.C. Shay, que o ajuda a administrar o negócio, descartou os documentos de Clayton e disse que os recibos de Devumi são falsos.
Mas os registros de Devumi mostram que a Hancock Press gastou cerca de US$ 26 mil (R$ 100 mil) em três anos, obtendo mais de 5 milhões de visualizações para 75 ou mais autores. Entrevistas com outros seis clientes da Hancock são consistentes com a experiência de Clayton.
Devumi não respondeu a repetidos pedidos de comentário. A empresa, cujo site diz que fechou, foi investigada em dois estados em janeiro, depois de reportagem sobre a venda de seguidores falsos no Twitter.
Muitos clientes da Devumi vieram da indústria da música, onde a compra de visualizações é comum e geralmente é vista como necessária.
“O YouTube é uma das principais fontes de consumo de música e um importante indicador de tendências musicais e popularidade”, disse Silvio Pietroluongo, vice-presidente da Billboard.
Como um novo artista, Aleem Khalid contratou a Crowd Surf, uma empresa de promoção, em 2014. Sem o seu conhecimento, disse ele, a empresa comprou 10 mil visualizações cada em três de seus vídeos. Eles agora têm entre 11 mil e 42 mil visualizações.
“A coisa bonita sobre essas mídias sociais é quando elas surgiram, era algo genuíno. Mas agora eu sinto que é tudo de mentira”, disse Khalid, 25. (Cassie Petrey, co-fundadora da Crowd Surf, disse que achava que Devumi estava produzindo visualizações reais, com base em declarações em seu site.)
Os sites que vendem visualizações continuam anunciando com aparente impunidade. Uma postagem no Blog de criadores do YouTube avisando os usuários contra exibições falsas tem inúmeros comentários vinculados a sites que vendem visualizações.
“A única forma de o YouTube eliminar isso é se eles removeram completamente o contador de visualizações”, disse Vassilev, o vendedor de visualizações falsas. “Mas isso frustraria o objetivo do YouTube.”