Há três anos, programar era o “novo inglês”. Hoje, ser criativo parece premissa básica de qualquer profissão. Resolver problemas complexos é diferencial. Se você tiver conhecimento sobre dados, melhor ainda. Entre tantos novos imperativos, é difícil saber o que vale hoje – e o que dirá amanhã – para cada profissão.
A velocidade das competências técnicas e comportamentais exigidas pelas empresas muda tão rápido quanto o impacto das tecnologias. Diante desse cenário, uma premissa parece valer: as competências são perecíveis e não valerão para o restante da vida. A opinião é de Leandro Herrera, fundador da Tera, escola que desenvolve habilidades exclusivamente digitais.
Para Herrera, precisamos “desapegar da ideia de investir tanto tempo e dinheiro no aprendizado de uma competência que valerá para sempre”. O mundo da transformação digital, segundo ele, exige um profissional híbrido, que será menos especialista, e precisará ter conhecimentos sobre vários campos e áreas. É um médico que estuda ciência de dados para melhorar suas previsões, é um hacker que precisa ser colaborativo para gerar soluções na empresa.
Uma pesquisa realizada com Tera e Scoop&Co. O estudo, que ouviu 980 profissionais de empresas de vários portes, mostra que a motivação deles para estudar hoje é ser “multidisciplinar”. A pesquisa também apontou que, embora confiantes e otimistas com a transformação digital, os brasileiros superestimam as competências que possuem. Em entrevista, Herrera comenta os desafios que envolvem a renovação de habilidades no Brasil e os resultados do estudo.
A pesquisa mostra que a motivação primária para os brasileiros estudarem é se tornar um profissional multidisciplinar – mais do que ganhar uma promoção. Por que ser esse tipo de profissional ganhou importância?
Porque os problemas que as empresas estão se propondo a resolver, e as novas soluções que a sociedade está pedindo, são muito novos. Para resolver um problema novo, é difícil partir de premissas e referências do passado. Diante desse contexto, é necessária uma multiplicidade de perspectivas. É por esta razão que agora vemos a ascensão de um profissional híbrido. Uma pessoa que tem conhecimentos sobre vários campos – alguns dos quais ele nem vai atuar diretamente – que ele precisa entender para buscar soluções em grupo. É um profissional que combina conhecimentos técnicos, da indústria e de negócios. Um ethical hacker não trabalha sozinho. O fato de ele saber hackear um sistema isoladamente não faz mais dele um bom profissional. Ele precisa trabalhar com a pessoa da área de negócios, com um profissional que olha a experiência do usuário e com o conjunto de dados para conseguir ajudar na organização. Você hoje precisa saber muitas coisas, mas, ao mesmo tempo, ser especialista em pouquíssimas.
Os profissionais entrevistados pela pesquisa mostraram-se confiantes e disseram se sentir capacitados para a transformação digital. Essa é a realidade brasileira?
As pessoas estão otimistas e confiantes. Não é pouca coisa, elas poderiam estar com medo. Boa parcela dos que disseram não ter sofrido impacto negativo em suas carreiras não tem, porém, as capacidades exigidas pelo mercado. Para mim, este é um retrato do quanto a renovação das competências aconteceu rápido. As pessoas não viram a coisa acontecer – a lista de competências traz coisas que não existiam há cinco anos. À medida que a tecnologia vai impactando empresas, vão surgindo novas competências. Para um conjunto de empresas se entende que competência é fundamental, vem demanda, a empresa contrata isoladamente pessoas com aquela competência sem entender como se insere no contexto. Ao mesmo tempo, há muita gente que nem sabe que essas competências passaram a existir. Sinto um descasamento de tempo: por mais que pessoas estejam otimistas, buscando conhecimentos, as competências mudaram rápido demais e isso acaba impactando a todos.
Qual o caminho para acompanhar essa renovação de competências se tudo acontece tão rápido? Para as pessoas e para as empresas?
Por muito tempo, acreditamos que as competências que adquirimos ao longo da vida, teriam papel fundamental na nossa vida profissional no longo prazo. Havia a premissa básica que essas competências não eram perecíveis – justificava, portanto, investir muito tempo em cursos longos e dinheiro, porque valia para a vida. Mas precisamos desapegar dessa ideia de que uma competência resolve. Há três anos, todo mundo falava que aprender programação ia fazer a toda a diferença na carreira. Com certeza, é uma competência que proporciona raciocínio lógico e ajuda qualquer profissional, mas a questão aqui é que ela será mais um dos componentes do profissional multidisciplinar. Vamos sempre precisar estar renovando as competências e, no conjunto, conseguiremos realizar nossos trabalhos e desafios. Quais vão ser as habilidades mais exigidas daqui cinco anos, é difícil dizer. Talvez a incerteza seja a nova premissa e, por esta razão, precisamos desapegar da ideia: “estou colocando muito esforço, tempo e dinheiro aqui e é bom que isso me ajude para o resto da carreira”.
Nesta nova premissa, vale buscar então conhecimentos totalmente distantes do cerne da nossa carreira?
A pesquisa mostra que 24% das pessoas querem aprender design de experiência. É uma competência fantástica, que garante uma visão holística de como as coisas funcionam, consegue gerar mais empatia e engajamento. É um aprendizado que serve para um profissional de marketing, profissional de negócios, CEO de empresa. Agora, você vai ser um designer de experiência? Alguns vão se aprofundar no tema, mas todos os outros vão ter esta como mais uma das competências. Um cara de vendas não precisa querer ser um cientista de dados, mas se ele entender como funciona, consegue fazer previsão de vendas de uma forma que não conseguia antes, será capaz de personalizar ofertas. E saberá como contratar um cientista ou uma consultoria.
Uma vez que o profissional adquira as novas competências, ele irá encontrar estruturas na empresa para trabalhar de forma colaborativa e inovadora?
Um dos aspectos fundamentais quando se faz a transformação digital é a mudança na forma como as decisões são tomadas. Muitas pessoas que veem estudar aqui e tomam conhecimento de novos cenários dizem: “seria incrível fazer isso, mas a forma como minha área toma decisão não permite que consigamos fazer com autonomia”. Autonomia é fundamental. O segundo ponto é que empresas grandes têm modelos de negócios consolidados e a preocupação de mudar demora a chegar no bottom line. Essas empresas ainda têm produtos que se mantêm vivos e gerando dinheiro por algum tempo. E quando chegam profissionais dizendo que é possível mudar, há sempre outros dizendo: “nada mudou, está tudo funcionando bem, há um bom resultado”. Veja o exemplo dos bancos. Há cinco anos, eles viram as novas tecnologias chegando. Precisavam se mexer? Não. As fintechs viram a concentração do mercado, enxergaram lacunas e construíram seus produtos em cima de novas experiências. Até quem já tinha cartão de crédito começou a pedir um cartão do Nubank. Há três anos, os bancos começaram a sentir um risco maior e passaram a se movimentar. Começaram a reorganizar suas estruturas para oferecer produtos melhores. Talvez agora, depois da primeira transformação, essas empresas já consigam antever mais rapidamente quais serão as novas tecnologias. Se a gente não tiver capacidade de reação, empresas e pessoas, vão ficando para trás.