Os carros voadores, ou melhor, veículos de decolagem e pouso vertical (VTOL), são máquinas que deverão gerar mudanças profundas no mundo, tão logo a FAA dos Estados Unidos determine como chamá-las, como regulamentá-las, e onde autorizá-las a voar.
Os ancestrais tecnológicos desses veículos são os helicópteros. Mas helicópteros são “ruidosos, ineficientes, poluentes e dispendiosos demais para uso em massa”, diz um estudo da UberAir, a divisão aeromóvel da companhia. “Aeronaves VTOL farão uso de propulsão elétrica, para que tenham emissões operacionais zero, e provavelmente serão silenciosas o suficiente para operar em cidades sem incomodar os moradores.”
Um fato interessante: muitos dos pioneiros autodeclarados desse ramo —entre os quais Airbus, Daimler e Rolls-Royce —pensam em aerotáxis autônomos capazes de transportar até seis passageiros. Os aparelhos não terão controles de pilotagem a bordo. Os cenários de emergência supõem que um piloto humano, operando a máquina a distância, assuma o controle, substituindo o computador.
Qual é a opinião de vocês sobre isso? Além da necessidade de estabelecer corredores de tráfego aéreo como os do filme “Metrópolis” e normas de etiqueta para os táxis voadores (os gansos terão precedência no espaço aéreo?), a aeromobilidade terá de superar os temores do público quanto à aviação e à inteligência artificial.
É por isso que estou aqui. Como crítico de carros do The Wall Street Journal, fui encarregado de cruzar essa fronteira em pessoa. Sou uma das poucas pessoas a ter voado em um aeromóvel —no caso um modelo recreativo chamado Kitty Hawk Flyer.
A máquina, que tem capacidade para uma pessoa e cabine aberta, é equipada com dez rotores. Foi projetada para dar a passageiros civis um primeiro gostinho de voo VTOL. “É um aparelho para voo recreativo”, disse Todd Reichert, diretor de engenharia da empresa.
É preciso ser muito tacanho para não perceber o potencial da aeromobilidade. Assim, lá vem o Vale do Silício. A Kitty Hawk foi bancada por Larry Page, cofundador do Google, e é comandada pelo presidente-executivo Sebastian Thrun, que fundou a divisão de veículos autônomos Google X, mais tarde transformada em Waymo.
A FAA ainda não tem um procedimento para certificar táxis aéreos, e por isso, em dezembro de 2016, a equipe de desenvolvimento do Cora, táxi aéreo da Kitty Hawk, liderada pelo presidente-executivo Fred Reid, formou uma parceria com o governo da Nova Zelândia.
Outras marcas apostam em mercados fora dos EUA. A Zipline —uma fabricante de drones cuja proposta é a entrega de suprimentos médicos a áreas remotas —optou por lançar seu primeiro veículo em Ruanda. A Prime Air, da Amazon, escolheu o Reino Unido, e a Volocopter, uma empresa de táxis aéreos apoiada pela Daimler, voará inicialmente em Dubai.
O Kitty Hawk Flyer também está tentando voar abaixo do radar da FAA. Pesa menos de 100 quilos, vazio, e por isso se qualifica como avião ultraleve, a exemplo de um planador motorizado. Não é necessário brevê de pilotagem ou exame médico para pilotar o aparelho.
Para evitar que suas máquinas se emaranhem em linhas elétricas, a Kitty Hawk estabeleceu um centro de testes à beira do lago Las Vegas, em Nevada. Os visitantes do centro experimental, o que me inclui, estão restritos a voar por sobre um lago do tamanho de um campo de futebol.
A estrutura de fibra de carbono do Flyer é essencialmente uma versão expandida dos drones que sobrevoam áreas abertas em toda parte. Sob a cabine, há dois flutuadores, cada qual equipado com três rotores dorsais. Quatro outros rotores zumbem nas pontas de estabilizadores.
São 9h30min de uma manhã de verão. A temperatura é de 36 graus, o sol é forte e o céu é de um azul cristalino, com pouco vento. Passei por uma sessão de treinamento pré-voo com duas horas de duração.
Agora estou esperando no posto de pilotagem, cercado até o pescoço de rotores de fibra de carbono. Meu coração bate forte embaixo da camisa de tecido sintético que os treinadores me deram, com uma camada de tecido protetor na área do peito, caso uma lâmina de rotor decida escapar.
O Flyer está posicionado em uma doca flutuante, que serve como plataforma de pouso. Tenho dois controles nas mãos: à esquerda, uma alavanca que mexo para cima e para baixo com o dedão, para controlar a altitude. À direita, um joystick como os da Nintendo, para controlar a direção. O posto de pilotagem apresenta zero instrumentos.
Pelo intercomunicador, ouço a instrutora Brittney Miculka e os controladores de voo. Demora apenas um minuto para verificar a lista de segurança pré-decolagem: “Correia do capacete presa?” Eu, em minha melhor imitação de um piloto de teste da Nasa: “Afirmativo, Brittney”.
Em alguns segundos, o sistema de controle de voo e o GPS entram em funcionamento. São segundos longos e silenciosos, na cabine de uma aeronave experimental à qual estou amarrado usando trajes de bondage, e esperando que tudo corra bem.
Brittney libera a decolagem e me instrui a mover a alavanca de movimento vertical até que o rotor número 1 comece a girar, e a depois a libere. O rotor número 1, à direita, começa a zumbir como um cortador de grama. Depois de um momento, os outros nove rotores começam a zumbir, como uma revoada de cortadores de grama.
O Flyer ruge alto, e eu sinto que ele começa a perder peso por sob meus quadris, e a tremular ao vento gerado por seus rotores. Agora estou voando —flutuando, na verdade —dois metros acima do lago.
“Vire à direita, 90 graus”, diz Brittney. Meu polegar segura o controle direcional e o empurra para a direita por três segundos. O Flyer gira suavemente. “Agora voe para a frente”.
Imperceptivelmente, os cinco rotores frontais se desaceleram, os cinco traseiros se aceleram e o aparelho se inclina para a frente. “Agora pare.” Os rotores frontais se penduram no ar com mais firmeza.“Nova curva de 90 graus, por favor. De novo à frente. Bom”.
Qual é a sensação? O impulso dos rotores para baixo supera a gravidade, mas sem causar a sensação de que eu esteja pendurado e à beira de uma turbulência. O Flyer causa uma sensação mais estável que um helicóptero e dá a impressão de que está suspenso. O software que estabiliza o Flyer inclui alguns limites paramétricos severos, para evitar movimentos inseguros com o veículo e manobras arriscadas.
Você quer saber se essa nova dimensão do movimento humano é divertida? Assustadora? Vai funcionar? Sim, é divertida, mas não vou me contentar enquanto a não ser que veja bigas aéreas como essa disputando corridas no céu de Manhattan.
É assustadora? Nem um pouco. Honestamente, a máquina parece pronta.
Os aeros parecem ser uma boa ideia, em termos estratégicos? Todos os veículos autônomos de pesquisa em voo no planeta parecem funcionar bem, em princípio, mas se a aeromobilidade quer mudar de passo, precisa de uma bateria melhor.
No momento, isso parece depender da tecnologia da química solid-state, que deve ter densidade energética três ou quatro vezes maior que a das baterias de lítio. Quando chegará esse futuro?
As baterias, dentro de uma década. E dez anos parecem ser o prazo para que a FAA resolva seus problemas regulatórios. A verdade é que os aeromóveis já funcionam muito bem. É só o papel que os mantêm em terra.
The Wall Street Journal, traduzido do inglês por Paulo Migliacci