Entregar uma pizza, auxiliar a venda de um apartamento ou até mesmo salvar uma vida ao carregar uma bolsa de sangue. Você pode não imaginar, mas um mesmo equipamento pode fazer todas essas tarefas. O drone, um tipo de aeronave não-tripulável muito utilizada na segurança e na indústria cinematográfica, está entrando de vez no setor de serviços. Por executarem ações que até há pouco tempo eram feitas apenas com helicópteros, mas por uma fração do custo, passaram a ser cada vez mais atraentes para diferentes segmentos de negócios.
Após quase três anos de regulamentação dos voos pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), cresce rapidamente no país a fabricação e a oferta de serviços por meio de drones. De acordo com dados da agência, entre agosto de 2018 e 2019, o número de aparelhos registrados para uso profissional saltou de 18.389 para 27.665, um aumento de 51%.
De acordo com levantamento da Droneshow, feira brasileira de referência do setor, o mercado brasileiro de drones tem crescido, em média, 30% por ano. São mais de 720 empresas envolvidas na cadeia produtiva desse mercado. Para 2019, a projeção de arrecadação é de R$ 500 milhões, empregando diretamente mais de 30 mil profissionais.
O emprego crescente deles se reflete no número de autorizações de voos, que aumentou 61% até julho se comparado a todas as liberações concedidas em 2018. Já são mais de 150 mil somente este ano.
— As aplicações são muito amplas, cada vez aparecendo novos usos. A própria crise econômica, uma vez que o investimento não é alto, fez as pessoas que estão buscando ocupações encontrarem uma oportunidade no drones — afirma Emerson Granemann, organizador da feira.
A regulação da atividade, porém, ainda é um entrave no desenvolvimento desse mercado no país. Vistos por muitos como um brinquedo, esses aparelhos oferecem riscos à aviação e às pessoas, que podem ser atingidas em casos de queda. Para colocar um drone no céu, é necessário autorização do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), da Força Aérea Brasileira (FAB). Em alguns casos, até mesmo o plano de voo precisa ser submetido aos técnicos do órgão para concessão da autorização. Em outros, se o equipamento não possuir autorização, o tripulador pode terminar preso.
Atualmente, há drones remotamente tripulados em uso em diferentes setores econômicos — de atividades no segmento agropecuário à geração e transmissão de energia, passando pela construção civil e entrega de produtos.
Na construtora carioca Mozak, o equipamento possibilita, por exemplo, que seu cliente saiba exatamente qual será a vista do apartamento que está comprando. Segundo Carolina Lindner, gerente comercial da empresa, a iniciativa gerou impacto nas vendas.
— No Rio, o mais bonito na hora da compra é a vista. Antes, quando falávamos da vista, o cliente não tinha noção exata. Com o drone, conseguimos acompanhar a vista de determinando andar antes da obra — explica a executiva, que também utiliza o equipamento para prospectar terrenos para construção.
Além de facilitar as vendas de unidades habitacionais, o uso de drones na entrega de produtos e alimentos, que já ocorre no exterior em empresas como Amazon e Uber, começa a ficar mais próximo de se tornar realidade no Brasil. Desde o início de julho, o aplicativo iFood, a maior foodtech da América Latina, realiza testes em um shopping em Campinas, no interior de São Paulo, para estudar a integração dos aparelhos às opções já existentes para entrega de comida.
Em uma dessas simulações, o equipamento faz a coleta das encomendas no shopping e os leva até um centro de expedição alocado dentro do empreendimento, fazendo a primeira perna do trajeto. A partir daí, as entregas seguem por modais como moto, bike ou bicicleta elétrica.
No outro modelo, há uma rota entre o shopping e um condomínio residencial. Nesse caso, os clientes podem retirar no droneport, estrutura de onde decolam e aterrissam os drones, ou ainda ter a rota concluída por um entregador parceiro, de carne e osso e em terra. Pelos testes iniciais, os equipamentos conseguem fazer até oito entregas por hora.
— Considerando só o tamanho do shopping em Campinas, os entregadores podem levar até 12 minutos para retirar a encomenda no restaurante. Com o uso do drone, esse tempo terá uma variação de 30 segundos a 1 minuto. Com isso, temos um ganho significativo na eficiência logística — explica Fernando Martins, gerente de Inovação Logística do iFood.
Na área de saúde, qualquer minuto ganho no recebimento de insumos pode salvar vidas. Foi pensando nisso que, em Juiz de Fora (MG), a start-up Tá na Escuta, que desde 2015 atua com entregas de produtos hospitalares, estuda levar bolsas de sangue do hemocentro para um hospital privado com drones. Os testes foram iniciados no início deste mês e devem provocar uma redução do tempo da viagem de 30 minutos (gasto hoje de moto) para até 6 minutos, em um trajeto de 2,9 quilômetros em linha reta.
— Identificamos uma necessidade de melhoria no trajeto para o hospital receber uma bolsa de hemoderivado numa emergência, em que o tempo pode salvar uma vida — ressalta Egberto Ganimi, sócio da empresa.
Para realizar esses testes, frequentes em países da África com regiões de difícil acesso, a empresa investiu cerca de R$ 180 mil em equipamentos e no desenvolvimento de uma bolsa específica para colocar a bolsa de sangue. Além da construção de um droneport no hemocentro e no hospital. Os custos de cada voo, por sua vez, devem ficar próximos ao que é gasto hoje com uma motocicleta.
— Em casos de pacientes operados com urgência, cinco a dez minutos podem fazer a diferença entre sobreviver e morrer. Vamos otimizar o transporte e salvar muitas vidas — afirma Célio Chagas, diretor do Albert Sabin, hospital parceiro na iniciativa.
Apesar do crescimento das aplicações com drones, um dos empecilhos para que o mercado ganhe escala é a regulamentação por parte da Anac. Hoje, a legislação não permite que nenhum aparelho desse tipo realize voos automáticos, sem uma pessoa pilotando cada operação. Outro empecilho é a necessidade de regulamentação de rotas fixas, um obstáculo no caso dos aplicativos de entrega.
Por isso, a tendência é que o drone seja integrado aos demais modais de entrega por meio de centros de distribuição. Ver uma pizza pousar na porta de casa pode ser uma cena que vai ficar só nos filmes de ficção.
— Queremos chegar o mais perto possível do consumidor, mas isso ainda não significa que o drone chegará com o pedido na janela das casas. Estudamos ter algo como um droneport, onde as pessoas serão instruídas a retirar o delivery — conclui Martins, do iFood.