Imagine que seu chefe tivesse dito na sua cara que seu projeto não passava de “cocô de cachorro”. Imagine, em seguida, que esse chefe fosse Steve Jobs.
Foi o que me aconteceu quando eu trabalhava como principal engenheiro de software do iPhone, nos anos dourados da Apple.
Qual era a maneira certa de reagir? Teria sido má ideia concordar com Steve Jobs, o que despertaria a questão de por que eu estava lhe oferecendo trabalho inferior.
Discordar tampouco teria ajudado, a menos que eu estivesse disposto a entrar em uma discussão imediata com um presidente-executivo famoso pelo pavio curto —e naquele momento eu não estava.
Por sorte, o comentário rude dele não foi o primeiro de uma sequência. Foi só uma declaração, e por isso fiquei lá e ouvi sem responder.
Durante meus mais de 15 anos como engenheiro de software na Apple, aprendi que, antes de termos o modelo pronto, eu descobriria por que ele estava insatisfeito.
O ano era 2009, e estávamos desenvolvendo software para o que se tornaria o iPhone 4.
Esse foi o modelo que infelizmente ganhou notoriedade pela controvérsia do “Antennagate”: o aparelho às vezes enfrentava problemas de conexão se o usuário o “segurasse errado”. O executivo responsável pelo hardware logo deixou a empresa.
O iPhone 4 também foi o primeiro smartphone da Apple equipado com a tela de retina, uma tela com pixels individuais tão pequenos que é impossível vê-los a olho nu.
Meu trabalho era descobrir uma nova fonte que mostrasse as qualidades dessa tela da melhor maneira.
Minha carreira não estava em risco imediato, mas eu precisava da aprovação de Steve. Foi um momento de pressão.
Preparei oito escolhas, muitas delas variações de nossa velha fonte, a Helvetica, com um par de outras incluídas para contraste.
Cada uma delas tinha um problema: quando ampliada, os traços verticais da letra M maiúscula (usada em Mail e Message, por exemplo) pareciam borrados em lugar de nítidos –sem avanços de qualidade visual ante à tela anterior, pré-retina.
Steve estudou a tela de cada celular, erguendo os óculos redondos para a testa e contemplando cada uma. Em seguida, expressou sua opinião.
A sensação que senti foi a de que seria bom ter um saco de lixo no bolso para remover meu trabalho.
Voltei a vasculhar fontes, com a ajuda de colegas, e em um par de dias descobrimos a Helvetica Neue. Essa versão trazia melhoras sutis que faziam com que cada letra parecesse perfeitamente nítida na nova tela. Steve a aprovou de primeira.
A experiência me ensinou duas coisas:
A primeira é que trabalhos novos frequentemente não são tão bons. Resultados excelentes só surgem ao final de uma longa cadeia de esforços.
Rodadas e mais rodadas de reformulação são muitas vezes necessárias para transformar uma ideia em produto concluído. Quando uma nova rodada é necessária, o melhor é dizer isso claramente, sem medir palavras.
O segundo ponto às vezes é ignorado na visão convencional de Steve Jobs como um cara escroto: críticas podem ser efetivas mesmo que não sejam construtivas.
Steve não via problema em rejeitar alguma coisa sem explicação. Quando não gostava de algo, dizia e pronto.
Seu estilo de feedback era direto, e ele se dispunha a dizer que uma ideia não era boa mesmo que não fosse capaz de explicar o motivo de maneira clara e concisa.
Ele podia ser imprevisível e temperamental, e por sorte jamais fui alvo de uma suas arengas mais extensas. Mas sejamos honestos: a maioria de nós usa linguagem pesada.
A chave que as palavras ásperas contêm é que haja um ambiente onde exista confiança, onde todos saibam que os comentários são sobre seu trabalho e não sobre sua pessoa.
A outra ocasião em que quase levei uma bronca foi quando estávamos tentando desenvolver um controle de software para fixar a orientação de tela do iPad, a fim de impedir que a imagem mudasse de posição quando o usuário movesse o aparelho em suas mãos.
Propus um botão na tela, e Steve odiou. Consolei-me pensando que ele também não sabia qual era a solução.
Saber que você ainda não conhece a solução certa é valioso, mesmo que você não esteja certo sobre o motivo da rejeição. Admitir que seu projeto está na fase “cocô de cachorro” é um passo no caminho de limpar a sujeira.
Como aprendi em meus anos na Apple, conseguir fazer a coisa certa em geral requer muitas tentativas, e críticas diretas e às vezes brutais podem acelerar o processo —por isso, deixe o ego na porta e tenha sempre preparado o recolhedor de cocô.
THE WALL STREET JOURNAL
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