O empreendedor israelense, criador do aplicativo de mobilidade Waze Uri Levine, ataca a indústria automobilística, questiona os gigantes da tecnologia e exige que o poder público resolva a questão do transporte nas cidades.
Levine esteve no Brasil nesta semana para uma palestra no Latam Retail Show, evento de três dias que discutiu as tendências do varejo no Expo Center Norte, em São Paulo. Depois de sua palestra sobre empreendedorismo, ele bateu um papo exclusivo com a reportagem de Época NEGÓCIOS. Na conversa, conta o que fez com o dinheiro da venda do Waze (adquirido pelo Google por US$ 1,3 bilhão em 2013) e discute o futuro da mobilidade no mundo.
O que você fez com o bilhão que recebeu no Google?
Investi tudo em startups. Eu acredito que minha missão é solucionar grandes problemas da sociedade e gerar impacto. O Waze lidava com congestionamentos. O Moovit ajuda os cidadãos a superar as deficiências no transporte público; a Feex faz com que você entenda as tarifas cobradas pelos bancos; a Engie quer acabar com as dificuldades na hora de consertar o carro. Quer dizer, toda vez que vou no mecânico, eu me sinto um completo idiota, porque não entendo nada do que ele está falando. Então criei uma plataforma que permite conectar o celular se ao computador do carro. E daí você faz o seu próprio diagnóstico, antes de levar para o mecânico. E tem ainda é FairFly, que auxilia as pessoas a conseguirem passagens áreas mais baratas.
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Há um tema comum a todas essas startups: elas colocam o poder na mão do consumidor.
É essa a ideia. A maioria dos problemas no mundo dos negócios está ligada às dificuldades dos consumidores. Se eu puder ajudá-los a se sentirem mais poderosos, se puder ajudá-los a economizar tempo, reduzir custos, e melhorar sua vida de maneira geral, vou ficar feliz com isso. É o que eu gosto de fazer.
Nos últimos dois anos, você veio várias vezes ao Brasil. De onde vem essa conexão com o país?
O Brasil tem um mercado incrível. Além de ser enorme, há muitos problemas urgentes para serem resolvidos. Não é a toa que muitas das minhas startups, como Moovit e Engie, já estão no caminho para se tornarem bem-sucedidas. Sem falar no Waze, que tem no país seu segundo mercado, depois dos Estados Unidos.
Por que acha que o app faz tanto sucesso aqui?
Porque é impossível dirigir em São Paulo sem o Waze (risos). Eu acredito que demos uma grande contribuição à economia do país, não apenas porque as pessoas economizam tempo, mas porque agora os empresários conseguem chegar na hora em suas reuniões de negócios.
Recentemente, você disse que as maiores mudanças tecnológicas ainda estão por vir. Como isso vai afetar o mundo dos negócios?
A velocidade com que as inovações acontecem está crescendo. Se der uma olhada em tudo que aconteceu na última década, ficará espantada. O iPhone tem dez anos. O Waze e o Uber têm menos de dez anos. Então são companhias que não estavam aqui dez anos atrás e hoje criam um impacto enorme nas nossas vidas. Como a velocidade das mudanças aumentou, isso irá se acentuar na próxima década. É muito provável que coisas que valorizamos hoje vão desaparecer e ser substituídas por algo completamente diferente. Não teremos mais iPhones e Androids, e sim algo totalmente novo. Não sabemos o que é. Se eu soubesse, estaria fabricando agora!
Por que você diz que, entre Google, Facebook e Amazon, só duas irão sobreviver?
Porque é verdade. Das dez maiores companhias de tecnologia hoje, só cinco vão sobreviver. Mas não sabemos quais serão. Adoraria ter essa informação.
Como você vê o futuro da mobilidade?
Essa é uma questão essencial. Se você prestar atenção nas economias mais avançadas, verá que as demandas principais são as mesmas: comunicação ágil, logística eficiente, facilidade para fazer transações financeiras, mobilidade. As três primeiras estão avançando rapidamente, enquanto a mobilidade está indo para trás. Veja bem: há mais congestionamentos hoje do que havia dez anos atrás. Então, é claro que precisamos encontrar soluções urgentes para a questão da mobilidade. O maior problema hoje é a proporção entre número de passageiros e veículos. Uma única pessoa, dentro de um carro, ocupa um espaço enorme, e é isso que gera os engarrafamentos.
Nos EUA, a proporção é de 1,1 passageiro por veículo. Se reduzirmos esse número, eliminamos os congestionamentos. A maneira de fazer isso é criar sistemas de transporte públicos muito melhores do que temos hoje. Esse é o futuro da mobilidade. Por isso criei a Moovit. E há, claro, a questão dos carros autônomos, que também vão colaborar muito para melhorar a mobilidade nas cidades. Mas ainda não chegamos lá.
Quanto tempo vai demorar para podermos colocar uma pessoa cega em um carro autônomo e ter certeza de que vai ficar tudo bem?
Os carros autônomos serão muito mais confiáveis do que os dirigidos por motoristas. Ainda não são, mas vão ser. Carros autônomos não mandam mensagens quando estão dirigindo, não bebem antes de dirigir, não tomam drogas e pegam a estrada. Quantas mortes são causadas por acidentes de trânsito hoje no Brasil por ano? Posso te garantir que haverá muito menos acidentes com veículos autônomos.
Se os carros autônomos são a solução para as mortes no trânsito, porque seu desenvolvimento é tão lento? Quantas pessoas mais terão que morrer até termos um modelo pronto para rodar?
Ainda vai demorar dez anos para que não tenhamos mais motoristas nas ruas. Uma das razões para a demora é econômica. Há muito dinheiro envolvido e muitas companhias estão tentando evitar esse progresso. A indústria automobilística já percebeu que vai vender muito menos carros quando estes forem autônomos. E essa é uma indústria poderosa em muitos países. Então devemos nos perguntar: a quem interessa tornar esse processo mais lento? Outra razão para o atraso é tecnológica. Ainda não temos uma solução completa. Um dos maiores desafios para os fabricantes é que as pessoas dirigem de maneiras diferentes. Então, o que me deixa confortável no carro não é a mesma coisa que deixa outra pessoa confortável. Um exemplo: se o carro autônomo enxergar um espaço entre dois veículos bem estreito, mas onde é possível passar, ele vai avançar, possivelmente em alta velocidade. Mas isso pode matar o passageiro do coração. Então vai levar muito tempo para descobrir os parâmetros do que é ou não confortável para todos os passageiros.
Existe uma questão ética que preocupa muita gente. Como os carros autônomos serão capazes de tomar decisões? Se um acidente for inevitável, quem ele vai salvar – o motorista, o passageiro, ou o pedestre?
Eu sei que muitas pessoas se preocupam com esse tipo de coisa. Mas essa não é a pergunta que eles deveriam estar fazendo. Como os seres humanos tomam essas decisões hoje? A verdade é que eles não decidem. Tudo acontece muito rápido, não dá tempo de pensar. O que acontece é que os seres humanos seguem seus instintos, que podem estar certos ou errados. Se você fizer um teste e colocar mil motoristas na mesma situação de perigo, eles vão tomar diversas decisões diferentes. E, se repetir o teste, vão tomar outras. É tudo muito aleatório. No caso do carro autônomo, o princípio básico é que ele será capaz de se antecipar e evitar o acidente. Então essas decisões não serão necessárias. Toda a questão é irrelevante. O importante é que os acidentes – e consequentemente, as mortes – vão diminuir muito.
Que conselho daria aos empreendedores brasileiros?
A coisa mais importante que diria é: não tenha medo de falhar, cometa seus erros rapidamente, e apaixone-se pelo problema, não pela solução.