Dois mil milionários brasileiros fizeram as malas e deixaram o país com suas fortunas em 2017, segundo dados da empresa global de pesquisa de mercado New World Wealth. Pelo terceiro ano consecutivo, o Brasil ficou no top 10 de países com maior fuga de indivíduos donos de US$ 1 milhão ou mais em ativos, somando 12 mil “emigrantes classe A” desde 2015.
O ranking faz parte do Global Wealth Report Review 2018, produzido pela consultoria com o apoio do AfrAsia Bank e com dados referentes ao ano anterior. Sediada em Johanesburgo, na África do Sul, a empresa vem rastreando o movimento da riqueza no mundo desde 2013.
O relatório alerta que a perda de milionários normalmente é “um péssimo sinal” e “geralmente revela sérios problemas em um país”. Se a saída de dinheiro é o primeiro sintoma de que algo não vai bem na economia e na política de um país, a emigração efetiva de indivíduos HNMWI (high net worth individuals, sigla em inglês para quem tem mais de US$ 1 milhão) é visto como sintoma de grave crise.
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Pelos dados compilados no último relatório da New World Wealth o Brasil ficou em sétimo lugar no ranking de fluxo de saída de fortunas em 2017. A lista foi liderada pela China (10 mil milionários), seguida por Índia, Turquia, Reino Unido, França e Rússia. Em grave crise, a Venezuela perdeu 1 mil milionários – que viram sua riqueza privada se retrair 48% de 2007 a 2017, pelas contas da consultoria.
Portugal é destino mais procurado
São Paulo figurou entre as sete cidades globais com maior índice de ricos “em fuga”, acompanhada de Istambul, Jacarta, Lagos, Nigéria, Londres, Moscou e Paris. No caso dos milionários brasileiros, os novos destinos escolhidos são principalmente Portugal, Estados Unidos e Espanha. Dados do Banco Central mostram que os dois primeiros responderam por 51% do investimento recorde de brasileiros em imóveis no exterior em 2017, somando US$ 3,2 bilhões.
Outro sinal desse movimento foi o aumento, nos últimos quatro anos, segundo Raul Shalders, sócio-diretor da Jobin Planejamento Financeiro, da demanda de clientes milionários por assessoria para concretizar a mudança de país. Segundo Shalders, a primeira leva tinha como foco os Estados Unidos, mas, a partir de 2016, Portugal passou a ser o destino mais procurado.
Os relatos dos clientes apontam várias causas para o exílio voluntário. “Primeiro, é uma tendência de um mundo globalizado onde você tem mais acesso à informação”, diz Shalders.
“Na outra ponta é uma fuga, tendo em vista o cenário político e econômico que a gente vive e viveu nos últimos quatro anos. Finalmente, há a deterioração da segurança pública no Rio e também em São Paulo, principalmente após as Olimpíadas. As pessoas estão com medo da violência e buscando mais qualidade de vida no exterior.”
Independentemente do corte por renda, dados da Receita Federal mostram que a mudanças de brasileiros para outros países se intensificou significativamente a partir de 2014, quando teve início o último ciclo de recessão. Um total de 69.174 declarações de saída definitiva do País foram entregues de 2014 a 2017. Em 2013, último ano antes do agravamento da crise econômica, foram 9.887 declarações.
Desde então, a cifra não parou de crescer anualmente, atingindo 21.701 declarações em 2017. Entretanto, o número de brasileiros que foram viver no exterior é provavelmente maior, já que nem todos informam essa saída ao governo.
De acordo com o Global Wealth Report Review 2018, a movimentação da riqueza pelo mundo está se acelerando. Aproximadamente 95 mil milionários migraram no mundo em 2017, contra 82 mil em 2016 e 64 mil em 2015.
Essa movimentação, ao contrário do que ocorre com a de refugiados ou migrantes por razões políticas ou econômicas, não encontra obstáculos.
Muito pelo contrário. Os milionários globais estão livres para ir e vir mesmo nos Estados Unidos “tolerância zero” de Donald Trump. O país que chegou a separar famílias de imigrantes ilegais este ano foi o segundo destino mais popular entre imigrantes abastados, recebendo 9 mil milionários em 2017.
Ficou atrás apenas da Austrália (10 mil), que leva vantagem por ser uma base mais próxima para negócios com países asiáticos, ter uma taxação de herança mais baixa e ser um país muito seguro.
Medo de violência
O empresário do mercado financeiro Cesar Braga trocou o Rio de Janeiro por Miami no final de 2015, motivado pelo agravamento da instabilidade político-econômica após a reeleição de Dilma Rousseff (PT). Casado com uma americana, mãe de suas duas filhas, ele conta que a mudança para os Estados Unidos sempre fora um plano B.
A escalada da violência na capital fluminense também pesou na decisão de levá-lo adiante. “Como atuava no mercado financeiro, percebi que a situação ia ficar caótica nos próximos anos. Mais da metade dos nossos amigos saíram do Brasil”, conta.
Braga acredita que, financeiramente, ainda compensa morar no Brasil, um país mais barato e flexível do ponto de vista do planejamento tributário do que a América de Trump. A vida nos Estados Unidos também é menos confortável – já que lá não é tão comum ver milionários cercados de empregados. A despeito disso, ele não tem planos de fazer o caminho de volta.
“Adoro passar férias no Rio, mas hoje não vejo a menor perspectiva de voltar. Ao contrário do cara que vem na raça (aos EUA) ser entregador de pizza para mandar dinheiro pra casa, na atual emigração, estão vindo empresários com recursos trazendo suas famílias. Depois que você se estabelece fica difícil voltar”, diz.
A New World Wealth destaca que o argumento – geralmente usado por críticos à chegada de um grande número de estrangeiros – de que os imigrantes estariam sobrecarregando os serviços públicos e roubando empregos não se aplica aos milionários e bilionários, que dificilmente recorrem ao setor público em busca de saúde e educação ou concorrem aos empregos locais mais disputados.
Segundo a entidade, o único possível ponto negativo de abrigar esse tipo de imigrante seria a possibilidade deles inflacionarem os preços dos imóveis.
Mas dinheiro é sempre bem-vindo, e não é à toa que vários países europeus, por exemplo, oferecem até passaportes a pessoas que investem na economia local ou compram imóveis de alto valor.
Os Estados Unidos facilitam o estabelecimento legal do novo cidadão rico no país. O mecanismo mais comum – e diretamente ligado à capacidade de investimento do candidato – é o visto EB-5, que concede o green card em troca de um investimento mínimo de US$ 500 mil (cerca de R$ 2 milhões) em uma empresa, desde que gere empregos para trabalhadores americanos.
Em Portugal, há grande procura pelo visto de residência gold, concedido a quem investe ao menos 500 mil euros em imóveis em terras lusitanas. De 2015 para 2017, o valor investido por brasileiros em imóveis no país europeu praticamente dobrou, chegando a US$ 1,07 bilhão, e saindo de 10% para 17% do investimento de nacionais em imóveis no exterior. Os dados são do Banco Central.
Mas essas transações – ou mesmo a “venda” de nacionalidade ou do direito de residência – começam a ser reavaliadas. No caso de Portugal, o Parlamento deve votar em setembro a eliminação do gold por conta de suspeitas de seu uso para corrupção e lavagem de dinheiro. Já nos Estados Unidos, há pressões de críticos por uma reforma, com aumento dos valores mínimos de investimento para a concessão do EB-5.
Apesar de permanecer entre os dez mais em evasão de fortunas, o quadro do Brasil em 2017 foi menos agudo. Os dois mil milionários que cruzaram a fronteira tupiniquim para morar fora representaram 1% do total de 162,5 mil que a New World Health estimava viverem no país.
Em 2016, ano do impeachment da ex-presidente Dilma, 8 mil foram embora. Naquele período, a desaceleração da economia, o vírus Zika e as crescentes taxas de criminalidade brasileiras foram apontados pelo relatório como catalisadores do movimento.
Não havia previsão de melhora do quadro. Agora, o resultado das eleições presidenciais de outubro deverá ser uma variável determinante para a tendência dessa curva migratória.