A decisão foi um choque para aqueles preocupados com o consumo de energia limpa. O ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, abriu mão do carro elétrico que tinha à disposição. Apontado como símbolo de energia limpa e renovável, o carro é silencioso, moderno e não poluente. Mas não parece combinar com um governo fóssil, regredindo ao passado.
Em abril, assim que chegou à pasta responsável por cuidar da eletricidade no Brasil — e também de petróleo e mineração —, o ministro abandonou o automóvel elétrico fornecido pela maior hidrelétrica do país, a de Itaipu.
Moreira Franco trocou a Secretaria-Geral da Presidência da República, sediada no Palácio do Planalto, por uma vaga na Esplanada dos Ministérios em meio a uma reforma ministerial forçada pelas eleições de outubro. O antigo titular de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho (DEM), deixou o posto para concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados por Pernambuco.
Desde junho de 2017, Coelho Filho andava em Brasília a bordo de um Renault Fluence, de cor preta, movido a eletricidade. O carro mereceu festa de “inauguração” na porta do Ministério de Minas e Energia (MME), com a presença de autoridades do setor elétrico.
O presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Júnior, estava lá, radiante. É que o carro foi repassado ao governo por Itaipu, controlada pela estatal — que tem uma frota de veículos elétricos, de carros de passeio a avião. O comunicado oficial elencava as vantagens do carro agora desprezado por Moreira Franco. “Além de não poluir o ambiente, um detalhe vai chamar a atenção do ministro: o silêncio. O motor elétrico não produz ruído”, dizia.
No dia da inauguração, houve festejos em torno do primeiro veículo elétrico a ser usado como carro oficial por um representante do Poder Executivo em Brasília. Quando chegou ao ministério, porém, Moreira trouxe junto seu carro particular, um veículo tradicional, movido a gasolina. O automóvel elétrico está na garagem do ministério.
“O MME não deixou de utilizar o carro elétrico. Este continua compondo a frota de veículos do MME”, informou a assessoria da pasta. Perguntado especificamente sobre o motivo de o veículo não ser utilizado como carro oficial, o ministério preferiu não responder.
Além do carro, o Ministério de Minas e Energia recebeu dois “eletropostos” para serem usados para a recarga do veículo oficial. Um foi instalado dentro da garagem e o outro na porta do ministério. O carro elétrico do ministério tem autonomia de 150 quilômetros, podendo ser carregado em duas horas.
“Essa inauguração reforça o esforço deste ministério para chegar à meta que assumimos internacionalmente”, disse na época Fernando Coelho Filho. O Brasil assinou em 2015 tratado em que se comprometia a expandir o uso doméstico de energia gerada por fontes renováveis — ou seja, excluindo a energia hídrica — para ao menos 23% da matriz elétrica e a bioenergia para 18% da matriz energética, até 2030.
Veículos desse tipo ainda são raridade no Brasil. Segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), entre janeiro e julho deste ano foram licenciados 2.206, o que representa apenas 0,2% do total de licenciamentos no período.
Com a matriz energética mundial ficando mais limpa, o carro elétrico passou a fazer sentido como solução sustentável para a mobilidade mundial. A principal pedra no caminho é a bateria, cara, pesada, poluente e com autonomia restrita.
No mundo todo existem aproximadamente 2 milhões de carros desse tipo, sem contar os modelos híbridos, segundo estimativa da Agência Internacional de Energia. O órgão calcula que, em 2030, o número de veículos que podem ser abastecidos na tomada poderá chegar a 125 milhões.
No Brasil, veículos elétricos são caros. Ainda não há fábricas, e quem decide comprar desembolsa pelo menos R$ 190 mil. A carga tributária é alta. Carros 100% elétricos não pagam imposto de importação, mas sim o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), de 25%. O governo anunciou em julho uma redução que começa a valer em novembro, como parte de um pacote para incentivar a indústria automotiva. A alíquota vai variar de 7% a 20%, dependendo do modelo.
Pelo menos seis estados brasileiros dão isenção de IPVA para o carro elétrico: Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Maranhão, Ceará e Piauí. E três têm uma alíquota menor: Rio de Janeiro, São Paulo e Alagoas.
As vantagens do carro elétrico são incontestáveis, apesar de poluir ao ser produzido, sobretudo em razão da bateria. Eles podem reduzir sensivelmente a poluição urbana, tanto a ambiental quanto a sonora, mesmo que no ciclo de geração de energia haja emissão de poluentes e gases de efeito estufa — queima de carvão, por exemplo. Muitas das emissões mais prejudiciais para a saúde, no entanto, ficam restritas aos arredores das usinas, bem longe dos centros urbanos.
Um carro familiar médio, a gasolina, colocará no ambiente quase 25 toneladas de gás carbônico durante seu ciclo de vida. Já um veículo elétrico produzirá cerca de 18 toneladas, sendo 46% desse impacto no período da produção do carro e da bateria. Se houver redução das emissões na produção e também na geração da energia, a vantagem do veículo elétrico será ainda maior.
Em razão da maior eficiência, estima-se que o custo por quilômetro para alimentar um carro elétrico é um terço do que se gasta com um a gasolina. Os elétricos, além disso, não possuem sistema de escape e não precisam de trocas de óleo. Especialistas calculam que o carro elétrico seja 20% mais barato de manter e 15% mais barato para consertar, dada a simplicidade de sua mecânica.
O ministro Moreira Franco costuma citar em seus discursos a importância da energia elétrica para a mobilidade. “A energia é indispensável em nosso dia a dia. Sem ela, não poderemos nos comunicar, nos informar, tampouco chamar um táxi ou nos mover nas grandes cidades, pois os carros serão elétricos”, disse o ministro, no Twitter, em maio, para defender a privatização da Eletrobras. Por enquanto, apesar da disponibilidade, nem o carro do próprio ministro é movido a eletricidade.