Países pobres ou emergentes com economias fracas costumam afastar empresas e investidores estrangeiros. Salvo raras exceções — como as companhias que têm como estratégia comprar ativos em tempos de crise com a expectativa de uma valorização futura —, um contexto econômico ruim não interessa às multinacionais. Não é o caso das corretoras de criptomoedas. Para essas empresas, que fazem a compra e a venda de moedas digitais, regiões em desenvolvimento representam grande oportunidade.
“Países populosos com moedas fracas são ambientes propícios para o crescimento das criptomoedas”, diz Raquel Vaz, diretora internacional de marketing e desenvolvimento de negócios da corretora chinesa Coinbene, que transaciona US$ 15 bilhões por mês. “No momento em que a economia vai mal, a criptomoeda acaba sendo uma alternativa à moeda local, que muitas vezes está bem depreciada. As incertezas aumentam a compra de criptomoeda.” Um exemplo de como a moeda digital pode virar alternativa à local é a petro, da Venezuela.
Dos oito países em que a Coinbene está presente com escritório físico, seis estão no time dos populosos ou de turbulência econômica. São eles: Brasil, Malásia, Índia, China, Turquia e Argentina. As únicas exceções a esse grupo são Singapura, onde a corretora tem sede, e Coreia do Sul, país conhecido internacionalmente pelo ambiente favorável às criptomoedas. Na Turquia e na Argentina, aonde a Coinbene chegou recentemente, a previsão é dar início às transações de moedas digitais nos próximos meses.
A julgar pelas buscas na internet, são os consumidores de países emergentes, de fato, que mais se interessam pelas criptomoedas. O Google Trends aponta que dos dez países que mais pesquisam por bitcoin, a criptomoeda mais famosa, seis são regiões em desenvolvimento, como Nigéria, Gana, África do Sul, Venezuela, China e Malásia. O Brasil aparece em 35º nessa lista (consultada no dia 1º de outubro).
Com mais de 200 milhões de habitantes, o Brasil, no entanto, está no topo das prioridades da corretora Coinbene. O país é o primeiro território escolhido pela companhia para aceitar transações em moeda local (nesse caso, o real). É possível realizar um depósito em reais em alguma das contas que a corretora tem em bancos tradicionais e, assim, adquirir criptomoedas (há 140 opções).
Também chinesa, a corretora Huobi, uma das maiores do mundo, chegou ao Brasil neste segundo semestre de 2018. A empresa está em terceiro lugar no ranking global de volume de negociações de criptomoedas — as transações na plataforma somam o equivalente a R$ 2 bilhões por dia, segundo dados do Coinmarketcap, site que agrega informações sobre moedas digitais. A companhia montou operações em países desenvolvidos, como Inglaterra, Estados Unidos e Canadá, mas também incluiu emergentes em sua estratégia. Além de Brasil, a Huobi está na Tailândia, no Vietnã e na Rússia. A companhia ainda não aceita real.
Um ‘boom’ de corretoras
É possível realizar transações de criptomoedas diretamente de uma pessoa para outra (ou seja, de uma carteira digital para outra carteira digital). Há, inclusive, diversas páginas que funcionam como sites de marketplace, nos quais há vendedores diversos anunciando suas próprias ofertas de criptomoedas — uma negociação complicada para quem não tem conhecimento desse mercado.
Já as corretoras atuam como facilitadoras no processo de compra e venda. Elas, especialmente as sérias, colocam à venda moedas cuja história da criação elas conhecem. Nestas companhias, há um processo de due diligence antes de listar a criptomoeda na plataforma. As corretoras indicam também a média de valor pago por cada uma das moedas, o que dá ao usuário uma noção melhor sobre quanto vale desembolsar por cada ativo.
O Coinmarketcap lista 224 corretoras com volume expressivo de negociação no mundo. Sabe-se que o número total, no entanto, passa dos 500, como estimado pelo site Bitcoin.com. No Brasil, um levantamento feito pelo Portal do Bitcoin em agosto de 2018 indica a existência de 40 plataformas com atuação no país (a Coinbene e a Huobi seriam as únicas estrangeiras desse grupo). A maior parte delas oferece apenas algumas opções de criptomoedas. Um nome de peso a estrear nesse mercado é a XP Investimentos, que anunciou recentemente a abertura de uma plataforma para moedas digitais, sem dar mais detalhes.
A proliferação das corretoras contrasta com a retração no preço da principal moeda do mercado. O bitcoin chegou perto dos US$ 20 mil a unidade no ano passado, causando grande euforia nos entusiastas do setor. Hoje, a moeda vale US$ 6 mil. É bem menos, mas ainda assim é um valor alto. O que explica o boom no número das casas de compra e venda de criptomoedas é a crença do mercado de que esse ativo veio para ficar. Em estudo publicado em 2017, a Universidade de Cambridge diz que a visão de que as criptomoedas são uma “moda passageira” ou algo “insignificante” está cada vez mais em desacordo com os fatos. “Considerando o mês de abril de 2017, o valor de mercado combinado de todas as criptomoedas é de US$ 27 bilhões, o que representa um valor de criação da ordem de histórias bem-sucedidas do Vale do Silício, como o AirBnB”, afirma a pesquisa. Em outro estudo, o Fundo Monetário Internacional (FMI) diz que os “ativos de cripto podem um dia reduzir a demanda pelo dinheiro de bancos centrais”.
O problema é seu
Corretoras de criptomoedas não são equivalentes a empresas de investimento. Esse tipo de companhia não constrói portfólio de ativos digitais para usuários. A escolha de adquirir uma moeda será sempre individual. “Se a pessoa estuda (o mercado e a moeda), ela pode ganhar”, diz Raquel Vaz, da Coinbene. “Mas ela também pode perder.”
Outro ponto a ser observado: o setor de criptomoedas não é regulado por nenhuma instituição governamental nem tem bancos como intermediários. Além disso, as moedas digitais não têm lastro, como no caso da moedas oficiais. Caso haja um roubo de ativos digitais, ninguém pode ser responsabilizado. Recentemente, hackers roubaram US$ 60 milhões (em bitcoin, monacoin e bitcoin cash) de uma corretora chinesa chamada Zaif.
As autoridades reguladoras do Japão, um importante centro de transação de bitcoin no mundo, deram ao mercado de criptomoedas uma espécie de selo de aprovação ao lançar um sistema de registro para a atuação das corretoras, segundo a Bloomberg. Agora, há, portanto, uma pressão para que essas mesmas autoridades garantam a segurança das plataformas. Em 2014, a então maior corretora do mundo, a japonesa Mt. Gox, teve US$ 460 milhões roubados por hackers; e, em janeiro deste ano, quase US$ 500 milhões em tokens digitais foram roubados da Coincheck.
O tema é polêmico. O empresário e entusiasta das criptomoedas John McAfee diz que a regulação por parte de instituições tradicionais não funcionaria como freio para a corrupção, uma vez que, muitas vezes, nem se sabe onde as corretoras estão baseadas. “A gente precisa de regulamentação? Absolutamente, não. O que a gente precisa é de aplicações e recursos para que a pessoa média, em vez de ter que ter o conhecimento para interpretar a atuação da corretora, consiga ter um acesso fácil a quem são as corretoras.”
O magnata anunciou em setembro a criação de uma aliança, da qual a Coinbene faz parte, de combate à corrupção no mundo das moedas digitais. Mas ele não deu detalhes de como vai atuar para impedir a corrupção.