A classificação das pessoas em tipos de personalidade é algo comum para o entretenimento e em livros de autoajuda, mas na literatura científica sempre houve uma certa repulsa à tipificação. Iniciativas desse tipo normalmente encontram dificuldade para serem replicadas ou se baseiam em grupos pequenos, com não mais que algumas centenas de pessoas.
Um novo estudo, publicado nesta segunda-feira (17/o9) na revista “Nature Human Behavior”, quebra este paradigma com a análise de 1,5 milhão de questionários e a identificação de quatro grupos distintos.
“As pessoas tentam classificar tipos de personalidade desde os tempos de Hipócrates, mas a literatura científica até então era considerada sem sentido” contou William Revelle, professor de psicologia na Universidade North Northwestern, nos EUA, e coautor do estudo.
Agora, esses dados mostram que existem concentrações em certos tipos de personalidade.
Os pesquisadores analisaram dados coletados por dois projetos do International Personality Item Pool (Ipip-NEO), além do myPersonality e do BBC Big Personality Test, com questionários desenvolvidos pela comunidade científica ao longo de décadas, variando entre 44 e 300 perguntas.
Os voluntários responderam às questões atraídos pela oportunidade de receber um feedback sobre suas personalidades, seguindo a teoria dos cinco grandes traços de personalidade: abertura para a experiência, conscienciosidade, extroversão, instabilidade emocional e agradabilidade.
“Essas são as cinco dimensões para avaliar a personalidade de uma pessoa. O esperado era que a população estivesse distribuída de forma aleatória, mas o que encontramos foram resultados agrupados em algumas combinações, por isso podemos dizer que são tipos” explicou Luís Amaral, professor da Northwestern, especializado na análise de dados e líder do estudo.
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O tipo “típico”, que reúne a maior quantidade de pessoas, tem níveis altos de instabilidade emocional e extroversão, médios de agradabilidade e conscienciosidade, mas baixa abertura para a experiência. Os “reservados” são estáveis emocionalmente e também fechados à experimentação. Os “egocêntricos” são muito extrovertidos, mas têm baixos níveis de conscienciosidade, agradabilidade e abertura. Os “modelos” tem baixa instabilidade emocional e níveis altos em todos os outros traços.
“Tipos não são fossilizados”
Os resultados indicam variação por sexo. As mulheres são maioria nos tipos “típico” e “modelo”, enquanto existem mais homens “reservados”. Os pesquisadores também notaram padrões variando segundo a idade. Na juventude, tanto homens como mulheres tendem a se enquadrar no tipo “egocêntrico”, mas o percentual de pessoas nessa classificação diminui com o avanço da idade. Na outra ponta, as pessoas acima de 50 anos são maioria no tipo “modelo”.
“Eu tenho dois filhos adolescentes que não são muito simpáticos” brincou Amaral. “Isso mostra que os tipos de personalidade não são fossilizados. As personalidades não são sentenças para a vida inteira, as pessoas aprendem com a vida, amadurecem e se modificam.”
Amaral ressalta que os questionários foram aplicados em inglês, basicamente para residentes dos EUA e do Reino Unido, portanto os resultados não podem ser ampliados para outros países e culturas.
Trata-se de uma pesquisa inicial, que pode e deve ser ampliada. Segundo o pesquisador, os tipos de personalidade podem vir a ser uma importante ferramenta para profissionais de saúde, para o preenchimento de vagas de emprego ou até mesmo para a busca de parceiros.
O estudo só foi possível com o advento da internet para a coleta dos questionários e do avanço do poder de processamento, para a análise de grandes quantidades de dados. Há alguns anos, seria inviável coletar, tratar e analisar informações de 1,5 milhão de pessoas. Amaral conta que o primeiro resultado indicou 16 tipos de personalidade. Com os dados em mãos, procurou Revelle, que, com ceticismo, considerou “ridículo”.
“Eu acreditava que os tipos não existiam”, contou o professor de psicologia.
Amaral voltou ao laboratório, aprimorou o algoritmo e chegou aos quatro grupos. O modelo foi rodado em toda a base e também individualmente nos estudos, com resultados semelhantes.
“Os dados retornavam e sempre vinham com os quatro agrupamentos com maior densidade, de forma que não seria esperada pelo acaso. E é possível demonstrar por replicação que isso é estatisticamente improvável”, avaliou o antes cético Revelle. “Eu acredito nesses resultados.”