O destino dos sonhos para a nova onda de imigrantes parece ter acabado mais cedo, Portugal virou um verdadeiro pesadelo para 235 brasileiros.
Eles formam um grupo de desiludidos por não terem conseguido emprego fixo e estabilidade no país. Sem dinheiro sequer para a passagem de volta ao Brasil, recorreram ao auxílio financeiro do programa de retorno voluntário Árvore, da Organização Internacional para as Imigrações (OIM). O número, registrado até julho, já superou todos os 232 pedidos de ajuda de 2017 feitos por brasileiros em situação considerada crítica em cidades portuguesas.
As pessoas chegam iludidas com Portugal, não conseguem contrato de trabalho e não encontram o que buscavam. Às vezes, ficam menos de três anos no país, porque falta emprego estável e passam a viver de biscates.
Sem renda proveniente do Brasil, encontram obstáculos financeiros para seu sustento. É uma onda de imigração que percebemos ser mista, que tem também pessoas que chegam sem planejamento adequado e ficam mais vulneráveis — explicou Bárbara Borrego, assistente de projeto na OIM.
Após entrevistas para a constatação da condição de extrema dificuldade, o candidato selecionado para o benefício do Árvore recebe, além da passagem aérea, ajuda de € 50 para despesas de viagem. Para ter acesso ao programa, é preciso comprovar falta de renda e apresentar um nada-consta criminal. Não pode haver pendência de documentação junto ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), e o processo pode levar de um a três meses. Quem retorna ao Brasil pelo Árvore fica impedido de entrar em Portugal por três anos.
Em casos de extrema necessidade, a OIM oferece € 2 mil para o recomeço no Brasil, para assistência médica, qualificação profissional ou a criação de um pequeno negócio. Foi o que fez Sônia Andrade. Aos 29 anos, ela sofre de raquitismo hipofosfatêmico e não trabalhou em Portugal. Quem garantia a renda era o marido, Hudson Silva, de 28, empregado na construção civil.
— No começo foi até fácil, porque meu marido tinha um trabalho na construção civil. Mas a empresa faliu e o patrão ficou devendo dinheiro para ele. Aí, tudo piorou. Foi difícil arrumar trabalho por um tempo, até que conseguiu em Lisboa, mas o empregador também sumiu após ter pago só um salário — contou Sônia.
Silva trabalhou com entrega de pizza, recebendo € 740 por mês. O aluguel da casa em que moravam, em Torres Vedras, perto de Lisboa, consumia quase a metade desse salário. As despesas aumentaram quando Verônica, filha única do casal, nasceu em 2017, em Lisboa.
— Recebi um tratamento cinco estrelas, por causa da doença, e tudo de graça. No Brasil, eu não teria como pagar. Mas, com Verônica, vieram também despesas com fraldas, leite e coisas gerais, e ficamos sem dinheiro — explicou ela.
Após um mês de entrevistas na OIM, a família foi beneficiada com a passagem para Colatina, no Espírito Santo, onde chegou em janeiro. E, devido ao estado de Sônia, recebeu os € 2 mil, já gastos para comprar equipamentos da confeitaria aberta em casa. Ela lamenta que os remédios, gratuitos em Portugal, são muito caros no Brasil. Hudson atua na construção civil.
Em 2017, a população de brasileiros em Portugal, a maior no país, voltou a crescer após seis anos e chegou a 85.426, ou 20,3% do total de 421.711 imigrantes. Só universitários são mais de 12 mil, amparados por visto de residência de estudante e, às vezes, por bolsas e renda vindas do Brasil. Este ano, 22 pessoas entre os 235 retornados até agora pelo Árvore receberam o apoio de € 2 mil.
— Quem nos procura são pessoas com formação básica e de mão de obra não qualificada, que dependem de trabalhos em construção civil, serviços, limpeza, bares e restaurantes. E há pessoas que não trabalhavam na sua qualificação de origem, agarrando a oportunidade que aparecesse — definiu Luís Carrasquinho, gestor do Árvore.
Os brasileiros são maioria entre os imigrantes que procuraram o Árvore. Para o mineiro Romerito Valeriano, autor do livro “Brasileiros em Portugal, por que alguns imigrantes retornam e outros permanecem?”, a falta de informação sobre o país é a principal deficiência de planejamento do imigrante menos qualificado, que tem de concorrer com romenos e cabo-verdianos.
Após três meses em Sintra, o casal Leônidas Fernandes, de 46 anos, e Adélia Costa, de 44, teve ajuda da OIM para voltar este ano a Governador Valadares (MG).
— Fizemos errado em não pesquisar. Eu trabalhava com mudanças. Ganhava € 1,50 por hora, enquanto quem tinha visto e os portugueses levavam € 5. No inverno, o serviço caiu muito e ficou complicado permanecer — contou Fernandes.
Pesa ainda a discriminação. Segundo o relatório da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial, foram registradas 207 denúncias de discriminação de setembro de 2017 a junho deste ano, sendo os brasileiros responsáveis por 10% das denúncias de xenofobia.
Aos 39 anos, Nivea Andrade viveu por dois anos em Torres Vedras, onde o aluguel e o custo de vida são mais baixos. Depois de muito trabalho, conseguiu montar um modesto estúdio fotográfico. A produção dava conta das despesas, mas não sobrava muito para a poupança. Ela viu a situação piorar a partir do momento em que diz ter sido caluniada por uma concorrente:
— Ela inventou que me pegou na cama com um conhecido para eu perder clientes.
Dificuldades para mulheres
As visitas ao estúdio, contou ela, caíram após o burburinho se alastrar pela cidade de 79 mil habitantes — pouco mais que a metade da população da Copacabana em 2013.
— É difícil para uma mulher brasileira imigrante. Uma vez, estava fotografando para um catálogo d e vinhos e me ofereceram € 500 para ir para cama. Minha filha, na época com 17 anos, arrumou uma vaga de auxiliar de serviços gerais, mas, na verdade, queriam que ela ficasse numa boate de Lisboa como isca para os homens no bar. Tivemos que voltar para o Brasil — disse Nivea, já em seu apartamento em Contagem, em Minas Gerais.
Ela mantém, porém, os planos de voltar a Portugal, após os três anos de carência:
— Está tudo correndo muito bem, graças a Deus. Mas volto a Portugal assim que possível.
Só está voltando uma percentagem ínfima de brasileiros. Felizmente enquadram-se muito bem e facilmente arranjam colocação. É só quererem. Na verdade os que não se enquadram é porque não têm qualificação ou porque nos postos de trabalho significam isso mesmo- trabalho e não passar o dia.