O desejo está nas mais tenras definições do marketing. É ele, primordialmente, que transforma, que provoca a inovação, que empurra “o mercado” para a frente. É o desejo das pessoas que move o mundo, que faz a imensa roda da economia girar.
Foi o desejo, a demanda das pessoas, que fez nascer um imenso mercado, já considerado por muitos como o próximo fenômeno global comparável ao de empresas de tecnologia: o da maconha — a controversa cannabis.
Tema de documentários, séries de humor e filmes no Netflix, esse é uma espécie de “mundo paralelo”, quase uma ficção científica, para nós, latinoamericanos, que convivemos com a proibição radical e as cruéis consequencias disso em forma de tráfico e violência.
Um amigo publicitário foi morar recentemente no Canadá — onde o uso da maconha recreativa e para fins medicinais foi liberado — e se impressionou com o boom do branding da maconha.
A venda é uma realidade faz tempo nos EUA, embora boa parte da publicidade seja proibida e o produto enfrente uma série de dificuldades como a impossibilidade de ser comercializado com segurança pela internet ou anunciado no mundo digital — já que serviços como PayPal não se dispõe a atender a esta demanda.
Uma despretenciosa busca na rede revela a existência de uma profusão de agências de publicidade especializas neste branding tanto nos EUA quanto no Canadá. E as marcas são muitas também. Há inúmeras de luxo como Burb, Doja, Qwest, Tantalus Labs (criada em 2012, especializada em métodos de cultivo indoor), Tokyo Smoke (criada em 2015 por um ex-funcionário do Google), Tweed, Tree Trunk, Van der Pop (focada no mercado feminino). A lista não tem fim.
Eu conversei com o Will Read, da CannaPlanners, especializada no branding de Cannabis, do Colorado. Read diz que sua empresa, que tem três anos de vida, ajuda marcas de médio e grande porte a se tornarem (re)conhecidas, essencialmente com um trabalho de criação de seu universo visual, o que inclui website, logomarca e embalagens.
Para ele, esta é uma área com avanços tecnológicos e de inovação incomparáveis — e com presença forte nas redes sociais, embora empresas do setor não possam anunciar diretamente, tampouco usar ferramantes como Google AdWords.
Nem mesmo no Canadá, onde a cannabis foi legalizada por lei federal, o Facebook considera aceitar anunciantes do setor, embora páginas e páginas de marcas e agências especializadas estejam disponíveis para quem quiser acessar.
Só no Colorado (EUA), os lucros anuais dessa indústria já ultrapassam US$ 1 bilhão, e há mais revendas de cannabis do que de Starbucks no estado. As maiores oportunidades estão, segundo Read, na geração de empregos: com tantas empresas entrando no segmento e expandindo, há muitas vagas sendo criadas.
O mercado não para de crescer: na região dos vinhos da Califórnia, a maconha já rivaliza com a bebida e há sommeliers promovendo harmonizações entre os dois produtos. Além disso, uma marca de vinhos local (Rebel Coast) desenvolveu um “Cannabis Infused Sauvignon Blanc”, com 20 mg de THC por garrafa para atrair a nova legião de consumidores.
Há uma queda no consumo do álcool já associada ao crescimento do uso de cannabis e pesquisas apontam que a maioria dos americanos considera a erva mais saudável do que o álcool. Foi criada, inclusive, uma revista chamada “Weed Spectator” — que está sendo processada, claro, pela Wine Spectator. E por falar em revista, está mais viva do que nunca a revista High Times, especializada no tema desde 1974.
Em um evento recente promovido pelo Ad Age chamado “Ad Age Next”, em NY, o tema Cannabis foi um dos mais populares. Claudia Mata, da marca Vertly, que trabalha com produtos derivados de maconha, disse em um painel que as pessoas andam cansadas de trabalhar excessivamente, e buscam maneiras mais naturais para se sentirem melhor.
Jason DeLand, da agência Anomaly, disse que é possível viver 10 vidas e não acompanhar o ritmo de uma categoria tão dinâmica quanto a cannabis. A Anomaly trabalha, nos EUA, com a marca Dosist, cujo branding é focado nas propriedades medicinais da maconha para ajudar a resolver problemas relativos a sono, ansiedade e dor.
Como toda inovação que nasce da demanda das pessoas, este é um mercado que já está na mira de marcas graúdas como Coca-Cola, Anheuser-Busch, MolsonCoors, Wringleys, entre muitas outras. A Lagunitas Brewing Company, subsidiária da Heineken Internacional, lançou na Califórnia uma linha de águas gasosas aromatizadas com extrato de Cannabis chamada “Hi-Fi Hops”.
A mais recente pesquisa TrendWatching citou em umas das tendências para 2019, chamada “Lab Rats” (que mostra a predisposição das pessoas a experimentarem e as marcas a apostarem em novidades que possam trazer bem estar), a própria Coca-Cola, considerando a possibilidade de a marca criar bebidas à base de óleo de Cannabis no Canadá. Que esses produtos não dão onda, é evidente. Mas que estão dentro da tendência contemporânea de buscar opções de consumo mais saudável, está mais que claro.
É uma decisão difícil para as marcas globais, e um imenso desafio. Estamos falando de uma tendência de consumo de um país inteiro — o Canadá — e de 10 estados norte-americanos (sendo que em outros 33 estados permitem o consumo controlado medicinal). Como ignorar o desejo de uma parcela tão gigantesca de consumidores?
*Claudia Penteado é jornalista, estuda comunicação, filosofia e literatura, mora no Rio de Janeiro e acredita em capitalismo consciente. É leonina, mãe da Juliana e prefere ler livros em papel.