Poder escolher ter ou não filhos tem impacto positivo no desenvolvimento social e na economia dos países, mas nenhuma nação do mundo dá às mulheres garantia plena de seus direitos reprodutivos. A conclusão é de um novo relatório do Fundo de População da ONU (UNFPA), divulgado nesta quarta-feira.
Segundo o documento, quando uma mulher tem informação e acesso a meios adequados para prevenir ou adiar uma gravidez, ela tem mais controle sobre sua saúde, pode progredir nos estudos, ingressar ou se manter no mercado de trabalho. Quando esses dois direitos são cerceados, um dos principais efeitos colaterais é a gravidez na adolescência. Segundo Jaime Nadal, representante do Fundo no Brasil, o país elevaria sua produtividade em mais de US$ 3,5 bilhões por ano se as jovens adiassem a gestação para depois dos 20 anos de idade.
O mundo inteiro tem problemas e as escolhas não são livres. Mas, nos países mais desenvolvidos, as mulheres conseguem implementar melhor suas preferências reprodutivas. Não têm filhos muito cedo, a incidência de gravidez não desejada é menor e isso tem um impacto positivo na economia porque participam do mercado de trabalho de forma integral. Já as mulheres dos países latino americanos engravidam mais cedo, têm alta fecundidade não desejada e alta incidência de aborto devido a problemas de saúde pública — avalia a demógrafa especialista em comportamento reprodutivo da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE (Ence) e consultora do relatório elaborado pelo UNFPA, Suzana Cavenaghi.
Se, de um lado brasileiras com um perfil de menor escolaridade e rendimento acabam tendo filhos não planejados quando jovens em razão da falta de informação e acesso a métodos contraceptivos, por outro, mulheres com mais anos de estudo e com uma progressão maior na carreira profissional têm cada vez menos filhos, muitas vezes menos do que o número desejado, devido a dificuldade de conciliar família e carreira.
— Se as mulheres de classe mais baixa não tiverem informação e acesso a métodos contraceptivos nunca conseguirão sair desse ciclo intergeracional de pobreza porque continuarão tendo filhos cedo e muitos. Por outro lado, as mulheres mais educadas precisam ter acesso a creches e meios de conciliar o trabalho e a família para que possam participar mais do mercado de trabalho — observa Suzana.
Sem essas mudanças, ressalta a demógrafa, a desigualdade de renda no país só tende a aumentar, pois as famílias continuarão crescendo entre os extratos mais pobres da popuçação e encolhendo entre os mais ricos.
Ingrid Pessanha, 29 anos, acabou deixando para depois o sonho de um segundo filho para não perder oportunidades de trabalho e fazer faculdade. Teve o primeiro aos 22. Apesar da vontade do casal, o plano de carreira de Ingrid e a conclusão do curso de Ciências Contábeis são prioridade. Com auxílio da mãe, da cunhada e da flexibilidade de horários do marido, que a ajuda nos cuidados com o filho, ela consegue dedicar-se ao trabalho e fazer faculdade. Mas percebeu que a gravidez diminui as chances de promoção em algumas empresas e só o fato de ser mulher tem peso na disputa por uma vagas.
— Espero que quando eu conclua a faculdade, caso esteja bem no trabalho, possa conseguir ter meu segundo filho. Por ora, eu trabalho durante o dia e a noite eu estudo. No atual momento, não é o mais viável. Com certeza a ajuda do meu marido pesa a favor, já teve um período que ele não tinha a flexibilidade de horários e era mais difícil, mas a gente vai vivendo, deu para fazer.”
A recessão econômica dos últimos, ressalta José Eustáquio Alves, demógrafo da Ence e também consultor do relatório da ONU, engrossou o grupo que depende mais do sistema de saúde pública para exercer seu direito reprodutivo:
— Se a economia está crescendo e gerando oportunidades, a classe mais pobre pode fazer ascenção via mercado de trabalho. Mas, nas condições dos últimos anos, com 27 milhões de desempregados ou subocupados e PIB per capita caindo, engrossa o grupo populacional que depende mais do sistema público para ter uma boa saúde sexual e reprodutiva.
Segundo a ONU, para tornar a liberdade de escolha uma realidade, os países devem priorizar o acesso universal a serviços de saúde reprodutiva, como a métodos contraceptivos modernos. Também devem garantir educação de qualidade, incluindo a educação integral em sexualidade, adequada à idade, e agir pela mudança de atitudes dos homens, para que sejam mais solidários com os direitos e as aspirações de mulheres e meninas. Também recomenda que, os países devem criar meios de possibilitar que os tonar mais fácil a decisão por se ter mais filhos, possibilitando maior equilíbrio entre a vida pessoal e profissional e oferecendo mais creches.
Nadal destaca a importância da escola:
— A permanência das meninas por mais tempo na escola ajuda a diminuir os índices de gravidez na adolescência. A escola tem papel protetor em relação a fecundidade porque acabam adquirindo mais informação, conhecimento e educação que os ajudam a tomar as decisões mais corretas.