Paulo Edson Teixeira tem uma ideia fixa. Participa de três grupos de WhatsApp, segue diversos perfis nas redes sociais, troca mensagens diárias com amigos, tudo com variações sobre o mesmo tema: conseguir o primeiro emprego.
Paulo tem apenas 20 anos, mora na Vila Kennedy, comunidade na Zona Oeste do Rio de Janeiro, e concluiu o ensino médio no ano passado. Este ano deveria marcar seu ingresso em uma faculdade ou um curso de qualificação, ou ainda seus primeiros passos na vida profissional, mas ele se vê em um limbo de falta de oportunidade.
“Estou todo dia na busca, mas até agora nada”, diz ele, que costuma sair distribuindo currículos com o amigo Mateus da Silva Lopes, também da Vila Kennedy.
“Consegui algumas entrevistas. Disseram que iam me ligar, mas nada”, lamenta Mateus, de 20 anos. “A gente fica naquela esperança de conseguir, mas a ligação nunca chega.”
Os dois amigos estão na mesma situação que outros 11 milhões de brasileiros de idades entre 15 e 29 anos que nem estudam e nem trabalham no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os chamados “nem-nem”.
O número equivale a quase um entre cada quatro jovens e aumentou 6% de 2016 para 2017, o que representa outros 619 mil jovens.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que desenvolver políticas para alavancar as trajetórias desses jovens é uma questão chave para a próxima Presidência, sobretudo diante do envelhecimento da população no país.
Paulo e Mateus sabem bem o que gostariam que o próximo presidente priorizasse: emprego, saúde, educação – e que tivesse um olhar especial para a geração que será o futuro do país.
“Muitas vezes os candidatos vêm nas nossas comunidades e prometem coisas que sabemos que não vão fazer. Eu não vejo uma preocupação deles com a nossa juventude. Se houvesse políticas pensando na gente, a gente teria mais oportunidade”, diz Paulo.
“Acho importante, porque é por meio da juventude, de nós, que vão se formar os profissionais futuros, os médicos, advogados, publicitários.”
As barreiras enfrentadas pelos jovens ‘nem-nem’
A falta de oportunidades de emprego é um dos grandes obstáculos enfrentados pelos jovens “nem-nem”, mas está longe de ser o único.
Em 2016, o Banco Mundial entrevistou 77 jovens de 18 a 25 anos de áreas urbanas e rurais de Pernambuco para entender o que está por trás do fenômeno.
O resultado é o estudo “Se já é difícil, imagina para mim”, lançado em março deste ano pelas pesquisadoras Miriam Müller e Ana Luiza Machado, e que elenca uma série de barreiras estruturais enfrentadas por esses jovens.
São obstáculos relacionados a pobreza, educação deficiente, falta de estrutura familiar, de redes de apoio e de exemplos positivos e desigualdade de gênero. Ou todos eles juntos.
Müller afirma que a expressão “nem-nem” é “infeliz”, porque gera um estigma de que jovens estariam nessa situação porque querem ou porque não correm atrás.
“O termo põe a culpa no jovem, que não está nesta situação porque deseja”, ressalta Müller.
“Mesmo que aparentem não estudar nem trabalhar, são jovens que na grande maioria das vezes estão fazendo alguma coisa, buscando trabalhos ou bicos ou fazendo tarefas domésticas, ou fazendo um trabalho informal ou não remunerado. Essa definição estigmatiza um grupo que não merece isso, que é ativo e busca oportunidades.”
Sem qualificação, sem emprego
Com um grupo de mais alguns amigos, Mateus e Paulo fazem rondas diárias por sites de emprego, se avisam quando abrem inscrições para vagas de trabalho, enfrentam filas em feiras de emprego e saem juntos para deixar seus currículos em empresas como grandes redes de varejo, lojas de rua, multinacionais.
“Espero que a pessoa que assuma a Presidência venha com propostas voltadas ao emprego, porque está difícil”, diz Mateus.
Filho de mãe costureira e pai auxiliar de limpeza, ele torce para que o próximo governo seja mais focado em educação, que “é o princípio de tudo.”
Ele se formou em uma escola da rede estadual na Vila Kennedy. “Até que não foi ruim”, avalia. “Mas, no círculo de amigos que se formou comigo, todos estão na mesma condição que eu.”
Como muitos jovens, a dupla ainda não decidiu que carreira seguir. Mateus fez a prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), mas não foi bem. Pensa em fazer concurso para ser gari da Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana).
Já Paulo está cogitando duas áreas bem diferentes: logística ou radiologia. Mas sua meta atual é conseguir uma vaga de emprego que permita pagar uma faculdade.
“Teria que ser numa universidade pública, porque venho de família de baixa renda, e o dinheiro seria para poder pagar transporte, livros, arcar com as minhas despesas”, diz.
O governo estadual construiu próximo da casa dos dois uma unidade da Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec), que deveria oferecer cursos técnicos e profissionalizantes à comunidade da Vila Kennedy. O prédio custou R$ 2 milhões e ficou pronto em 2014, mas nunca abriu as portas e está se deteriorando, para revolta dos moradores. O motivo é a crise financeira do Rio de Janeiro.
“Isso muito ruim, né?”, diz Paulo. “Quando deixamos o currículo, muitas vezes perguntam se temos alguma qualificação. Como pessoas de baixa renda vão conseguir uma qualificação, se não temos oportunidade de cursos gratuitos?”, questiona.
‘O jovem não está sendo preparado para a vida adulta’
O cenário de desalento para a juventude é especialmente preocupante diante da expectativa que recai sobre as novas gerações frente às tendências demográficas atuais.
O Brasil está envelhecendo, e a taxa de natalidade está diminuindo. Assim, a carga previdenciária sobre a parcela produtiva da população só tende a aumentar.
Regina Madalozzo, coordenadora do mestrado profissional em Economia do Insper, afirma que o país terá que pagar uma conta cara no futuro se não conseguir oferecer caminhos para seus jovens no presente. “O jovem que não está aprimorando sua formação nem trabalhando não está sendo preparado para a vida adulta”, diz.
“O país conta com essa população produzindo para que a economia rode. Senão, quem é que vai pagar essa conta depois? Mas a grande pergunta é o que aconteceu para termos uma parcela tão grande de jovens sofrendo com essa falta de perspectivas.”
O cenário se agrava quando se considera o alto índice de homicídios de que jovens são vítimas.
Segundo o último Atlas da Violência, produzido pelo Instituto de Pesquisa Pura e Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou 33.590 mortes violentas de pessoas entre 15 e 29 anos em 2016. O número representa mais da metade do total de assassinatos no Brasil no ano – 94,6% dos mortos são homens.
Políticas para o ‘futuro do país’
Para Ana Amélia Camarano, coordenadora de Estudos e Pesquisas de Igualdade de Gênero, Raça e Gerações do Ipea, esta é a face mais drástica da falta de perspectiva imposta a jovens em situação de pobreza, levando alguns a se envolverem com facções criminosas para obter dinheiro e reconhecimento.
“O futuro do país está nessa geração”, frisa Camarano. “O Brasil perde muito perdendo seus jovens, em um momento em que a população já está dando sinais muito claros de que vai diminuir.”
Para Regina Madalozzo, do Insper, embora políticas para jovens figurem em alguns dos programas de governo apresentados pelos candidatos, o problema não tem tido espaço proporcional à gravidade da situação.
“O debate ficou centrado em questões que não tangem esse assunto, com a questão da segurança ou da posse de armas, e ainda não alcançou profundidade para debater questões tão importantes e ao mesmo tempo sutis como essas”, afirma.
Para ela, falar em “nem-nem” não admite interpretações simplistas que culpabilizem os jovens pela situação que enfrentam – como se fosse desejo deles ficar em casa.
“É preciso uma preocupação não só com o mercado de trabalho e educação, mas com inclusão social. E essa preocupação não parece ser tão grande por parte de todos (os candidatos)”, considera a economista do Insper.
A partir das entrevistas com jovens de Pernambuco, o estudo do Banco Mundial observou diversas barreiras que afastam os jovens do sistema de educação ou do mercado de trabalho, e fez uma série de recomendações de políticas públicas para fortalecê-los e ajudá-los a desenvolver suas aspirações e objetivos.
Os jovens foram separados em três grupos, de acordo com suas aspirações – ou a falta delas.
No primeiro entraram jovens que mostraram ter vontade de participar do mercado de trabalho ou aprimorar sua formação, mas não conseguiram por obstáculos externos.
No segundo, jovens que mencionavam essas aspirações, mas que não tinham as ferramentas para realizá-las por razões variadas.
Já o terceiro grupo foi composto por jovens que não mencionaram quaisquer aspirações relacionadas ao mercado de trabalho ou à educação. Neste grupo, entraram apenas mulheres. Esse recorte evidenciou como mulheres jovens ainda se veem presas por papeis de gênero.
“Nesse grupo, os sonhos e desejos das mulheres estavam muito mais ligados à formação de uma família boa e saudável, a ser feliz, a ter casa própria”, diz a autora Miriam Müller. “Mesmo quando indagamos um pouco mais a fundo, elas não falaram quase nada sobre trabalho ou educação.”
De acordo com Müller, não basta aumentar a oferta de cursos técnicos para ajudar jovens a entrarem no mercado para remediar a situação “nem-nem”.
Há que se desenvolver políticas que levem em conta as diversas limitações estruturais que se apresentam como obstáculos – como pobreza, falta de redes de apoio e normas de gênero – e sem desprezar aspectos sutis que podem ser decisivos.
A falta de transporte público gratuito e seguro, por exemplo, pode ser uma barreira incontornável para jovens em situação de pobreza irem para a escola. Para famílias pobres, um filho na escola pode ser um par de braços a menos para trabalhar, e contrapartidas financeiras podem ser necessárias para viabilizar o estudo do jovem.
Müller diz ainda que não se pode desprezar a importância de trabalhar essa motivação com as pessoas no entorno dos jovens – a família, os professores, a comunidade. “Trabalhar com essas redes de apoio é essencial para construir essa motivação nesses jovens, e esse sentimento de que sim, é possível para mim também”, diz a pesquisadora do Banco Mundial.
Sem fé na política
Paulo mora com a mãe, que era auxiliar de creche, mas está desempregada e não tem tido sucesso na busca por uma recolocação; e a avó, que foi manicure a vida inteira, não recebe aposentadoria, porque trabalhava na informalidade. Seu pai era camelô e morreu quando ele tinha 6 anos. Hoje, a família sobrevive graças à pensão que a avó recebe do Estado em nome do avô, falecido, que era policial militar.
“Eu gostaria de ver políticas para beneficiar as pessoas ao meu redor”, diz Paulo sobre o candidato que será eleito presidente. “Muitos vizinhos e muitas pessoas na minha família estão desempregados. Não somos só nós.”
No seu círculo de conhecidos, as dificuldades para ter acesso a saúde também são motivos de preocupação. “As pessoas aqui que precisam de médicos têm muita dificuldade de conseguir. Até sair uma vaga no Sisreg (o Sistema Nacional de Regulação, do Ministério da Saúde, que gerencia vagas para atendimento e exames), a pessoa já piorou. Ou até mesmo já morreu”, afirma.
Poucos dias antes das eleições, nem Mateus nem Paulo haviam escolhido seu candidato ainda.
“A gente não costuma falar muito de política. Não dá ânimo falar desse tipo de assunto. Por desacreditar mesmo”, diz Mateus.