Berthier Ribeiro-Neto, 58, comanda o centro de engenharia do Google na América Latina. Há 12 anos na empresa, lidera um time de cerca de 130 engenheiros que desenvolvem soluções globais para o mecanismo de busca.
Primeiro funcionário do Google no país, teve sua startup de busca, a Akwan, adquirida pela gigante em 2005.
Nesta quinta-feira (27/09), o Google completa 20 anos. Berthier diz que grande parte do esforço da engenharia hoje está na melhoria e do serviço de voz. O país é o terceiro mais ativo no uso do Google Assistente em dispositivos móveis –e 50% das buscas hoje são em celulares.
O que esperar da busca daqui para frente?
Vivemos ondas tecnológicas. O laptop foi uma inovação porque mudou um comportamento. Depois, a telefonia móvel alterou esse comportamento, levando o espaço computacional do usuário com ele para onde fosse, dentro do ônibus, até para a bicicleta. Agora, temos pequenas unidades de processamento em TVs, refrigeradores e cadeados que são ligadas à rede. A forma de interação com a web vai mudar. Como será a interação com a máquina por meio da voz? Concentramos nossos esforços para entender isso.
O que já descobriram?
Há um foco enorme da empresa no Google Assistente. Ele funciona bem em alguns casos, em outros não. Por exemplo, quando um usuário está falando com o Google e interrompe a pergunta para pedir um café no restaurante:“moço, me dá um café, por favor?”, o Google entende que o usuário quer saber sobre café. Nós sabemos a diferença, a máquina, não. Para aperfeiçoar nosso sistema, usamos aprendizado de máquina em todos os produtos. Viramos uma “AI-first company” (empresa em que a inteligência artificial vem em primeiro lugar).
Para melhorar isso, o Google nos ouve o tempo todo?
Não. O Google ouve depois da marcação de voz “ok, Google” [quando a pessoa fala isso dirigida ao celular]. Nossa preocupação com a privacidade está diretamente ligada à nossa reputação. Não utilizamos informações pessoais porque temos entendimento muito claro de que isso pode prejudicar tremendamente nossa reputação. Outras empresas talvez não tenham sido tão cuidadosas e hoje sofrem esse impacto.
O caso do Facebook e da Cambridge Analytica acendeu um alerta?
O Google sempre foi preocupado com essa questão. Costumamos atualizar nosso controle de privacidade para que o usuário entenda o que acontece quando ele faz uma busca. Temos que ter espaço para a privacidade, e os engenheiros do Google não têm acesso a coisas feitas por indivíduos; não têm. Estou no Google há mais de uma década, sou especialista, e posso te garantir que não podemos acessar as informações pessoais.
É tecnicamente impossível?
É preciso de uma permissão especial e jurídica, é algo seríssimo. Não disponibilizamos dados dos usuários. Posso olhar para uma população de 100 mil pessoas de maneira agregada, nunca indivíduo por indivíduo.
O senhor acredita que a preocupação com a privacidade aumentou?
Existe uma conscientização maior da sociedade. O mundo mudou. A mesma tecnologia que trouxe benefícios trouxe efeitos colaterais. Um deles é que reduziu os espaços privativos drasticamente. Gravar as coisas é muito simples e as pessoas têm que ter consciência disso.
Quais soluções saíram do Brasil para o mundo?
Muitas vezes, as pessoas pensam que criamos soluções para o mercado brasileiro, mas criamos soluções globais. Em 2006, desenvolvemos um programa que alterou o comportamento da busca em todas as línguas. Identificamos em quais casos era preciso misturar os resultados de busca do local com os de outras línguas. Quando você pesquisa por personalidades, políticos ou links para downloads, precisa ter a página oficial relativa a esse termo, com a origem do país que for, e páginas com o seu idioma.
Outra questão é que mais de 10% das consultas diárias, o que representa 100 milhões de consultas, são feitas por usuários que querem ir a um estabelecimento. Nos resultados, o Google mostra um painel com informações importantes. Quando você busca por uma doença, é a mesma coisa, temos um painel de conhecimento com detalhes validados por médicos do Hospital Albert Einstein.
Isso tudo saiu daqui. Qualquer consulta feita em qualquer língua tem em seus resultados um programa de código escrito de Belo Horizonte. É um impacto monumental.
Por que a engenharia fica em Belo Horizonte, separada da operação de São Paulo?
Existe uma tese de que é melhor se você estiver em uma cidade grande, com muitos atrativos e uma vida noturna e cultural vibrante. Tenho a opinião que é legal desde que o engenheiro possa ter um arranjo de moradia bom. O problema de São Paulo é que o profissional que está no início de carreira não consegue isso, mora longe do trabalho. Isso influencia na qualidade de vida e, indiretamente, no trabalho. Aqui, mais de 50% das pessoas vêm caminhando ao escritório.
Há poucas mulheres no Google (21.4% das vagas de tecnologia). Como atrair engenheiras e cientistas?
Nosso número é relativamente pequeno, assim como nas escolas de engenharia e de ciência da computação no Brasil. Temos o Mind the Gap, programa voltado a mulheres. Trazemos jovens em idade de pré-vestibular para conhecer o escritório. Tentamos mostrar que você pode ter uma carreira apaixonante sem precisar ser geek. Também temos comitês de diversidade e passamos a falar muito abertamente sobre o assunto.
Não vamos conseguir mudar a cena brasileira, mas temos que tomar atitudes aqui e hoje. De modo geral, as escolas de engenharia estão melhorando, mas não é um problema que se resolve em quatro anos. Precisamos de consistência na execução de políticas públicas para a educação. Se conseguirmos educar uma geração, a gente interrompe o ciclo [de evasão escolar e falta de mão de obra qualificada].