O feedback nas avaliações 360 graus deveria ser anônimo

O feedback nas avaliações 360 graus deveria ser anônimo

Mas era evidente quem havia feito os comentários negativos na avaliação de um executivo.

Lance Best, CEO da Barker Sport Apparel, estava reunido com Nina Kelk, diretora jurídica da empresa, que também supervisionava o departamento de recursos humanos. Havia sido um longo dia na sede da companhia em  Birmingham, Inglaterra, e no início da noite os dois estavam lendo as avaliações de cada um dos subordinados de Lance.

Ele ficou impressionado com o que viu na pasta de Damon Ewen, CFO da empresa. Na maior parte as informações eram neutras, algo que era esperado. Embora brilhante e respeitado, Damon não era dos colegas mais cordiais. Mas uma pessoa havia lhe dado a menor nota possível, e de acordo com os comentários escritos, Lance podia afirmar que era Ahmed Lund, diretor de vendas da Barker. Em um deles lia-se: “Nunca trabalhei com alguém tão controlador em minha vida”.

“Estes comentários são bastante cruéis”, disse Lance.

“Você está surpreso?”, perguntou Nina.

“Acho que não”, admitiu Lance.

Seu CFO e seu diretor de vendas vinham em conflito havia algum tempo. A avaliação 360 graus sobre Ahmed continha também algumas reclamações pontuais sobre seu estilo de trabalho — escritas sem dúvida por Damon.

Lance suspirou. Cinco anos antes, quando assumiu seu cargo, ele se concentrou no crescimento da empresa que seu pai, Eric — antigo CEO — havia fundado. A Barker licenciava o direito de usar logotipos de torneios esportivos nos produtos depois de firmar parceria com grandes marcas para produzi-los para o mercado varejista. Quando Lance
assumiu a empresa, sua receita era de cerca de £ 100 milhões. Pouco tempo depois, ele conseguiu fechar um acordo com a Howell, maior parceira da empresa. Negociar o contrato com essa marca global era um desafio, mas isso aumentou tanto os negócios da empresa que Lance e seus subordinados ainda achavam não ter horas suficientes em seus dias para fazer tudo o que era preciso. Eles certamente não tinham tempo para conflitos internos como aquele.

“Então, que fazemos com estas informações?”, perguntou Lance.

Nina deu de ombros. “Esta é a primeira vez que passo por processo desse tipo.”

“Certo. No entanto, preciso fazer alguma coisa. Sei que Ahmed e Damon não são amigos, mas espero que ajam de maneira civilizada.

Nina assentiu com a cabeça, mas Lance notou que ela estava se segurando para não dizer algo. “Você pode ser sincera comigo, Nina; preciso de seu conselho.”

De modo hesitante, ela disse: “Veja, acho que isso é parte do problema. Espera-se que sejamos civilizados, mas isso não se traduz em colaboração. Nós todos confiamos em você, mas não existe muita confiança entre os membros da equipe”.

“Todos acham Damon péssimo, então?”, perguntou ele, apontando para a avaliação.

Nina balançou a cabeça. “Não é apenas ele. Você pode ver pelos feedbacks que Ahmed também não é santo. Ele provoca Damon e a tensão entre eles — e suas equipes — produz uma reação em cadeia em todos. A gente vê as pessoas acusando umas as outras. Parece que é cada um por si.”

Embora Lance detestasse escutar aquilo, não era novidade. Ele simplesmente havia se convencido de que os problemas eram temporários e seriam resolvidos por si mesmos; afinal de contas, o departamento financeiro e o de vendas frequentemente estavam em rota de colisão nas empresas, e esse conflito não tivera um grande impacto nas receitas da Barker — elas haviam crescido 22% no último ano e 28% no ano anterior.

Esse crescimento, claro, não fora fácil, e chances certamente haviam sido desperdiçadas. A Barker havia perdido oportunidades com vários varejistas interessados em seus produtos por não conseguir coordenar a entrada deles em seu sistema rapidamente. Agora, Lance percebia que podia ser um aviso de que haveria mais conflitos. Ele precisava resolver isso. “Meu pai sempre quis realizar um daqueles retiros de team-building”, disse ele, sorrindo.
Há anos, essa era uma piada recorrente entre os executivos da Barker.

Nina deu risada. “Infelizmente, acho que estamos em um ponto em que isso não é suficiente.”

A CONFUSÃO

Na manhã seguinte, Lance estava em seu escritório quando recebeu uma mensagem de texto de Jhumpa Bhandari,
diretor de produtos: Podemos conversar?

Sabendo que aquilo não podia ser bom, Lance lhe telefonou imediatamente. Deixando de lado as formalidades, ela foi logo dizendo: “Você precisa fazer com que eles estejam em sintonia”. Lance não precisou perguntar quem eram “eles”. “Ahmed prometeu entregar amostras para a nova linha de produtos da Clarkson, mas seu pedido ultrapassou os limites financeiros estabelecidos, então precisamos da aprovação de Damon, e ele não vai dar.”

Essa era uma briga recorrente. Ahmed acusava Damon de colocar obstáculos e usar seu poder para prejudicar o departamento de vendas. Damon retrucava dizendo que Ahmed estava acabando com a Barker ao entregar os produtos praticamente de graça. Lance ora tomava o partido de um, ora de outro, dependendo de quem estava apresentando o pior tipo de comportamento. Mas ele não queria interferir novamente. Por que eles não conseguiam encontrar uma maneira de chegar a um acordo?

Praticamente lendo sua mente, Jhumpa disse: “Eles vão ficar neste impasse para sempre se você permitir. É como se estivessem em seus próprios feudos; eles agem como se nem fizessem parte da mesma equipe”.

“Você conversou com eles sobre isso?”

“Sobre o empecilho em relação a Clarkson? Claro que sim. Mas não adianta. Esta situação é uma confusão.”

O último comentário o feriu. A equipe não era perfeita, mas ainda estava atuando em alto nível.

“Seria muito bom se você falasse com eles”, suplicou Jhumpa, gentilmente.

Lance refletiu sobre a última vez que se reuniu com Ahmed e Damon. Cada um trouxe uma pasta repleta de emails impressos trocados entre eles a propósito de uma venda perdida. Lance ficara admirado com o tempo que eles dedicaram para se preparar daquela maneira .

“Deem-me algum tempo para avaliar a situação”, disse Lance. Aquela se tornara sua resposta padrão.

“Posso lhe dizer o que faria se estivesse em sua posição?”, disse Jhumpa. “Demitiria os dois.”

Ainda que Lance sempre tivesse admirado sua franqueza, ele se surpreendeu. “Brincadeirinha”, complementou ela rapidamente. “Que tal fazer com que eles trabalhem com um coach? Todos nos beneficiaríamos com a presença de alguém que nos orientasse a lidar com conflitos e a estabelecer algumas regras novas.”

Lance perguntou a si mesmo se o comentário sobre a demissão dos dois havia sido mesmo brincadeira, mas deixou passar. “Eu realmente conversei com aquela empresa de desenvolvimento de liderança no ano passado”, ele
respondeu. “Eles tinham alguns pacotes de coaching que pareciam atraentes, mas concordamos que estávamos muito ocupados com os novos contratos.”

“Bem, talvez devêssemos arrumar tempo agora”, disse Jhumpa.

Depois de desligar o telefone, Lance ainda pensava sobre a ideia de dispensar Ahmed e Damon. Por mais aterrorizante que fosse aquele pensamento, podia também ser um alívio. Ele ouvira histórias de CEOs que fizeram limpeza na casa substituindo vários executivos de alta posição de uma só vez.

INDO BEM

Naquela mesma tarde, Lance pediu a Damon que ficasse mais um pouco com ele.

Ouvi que há um empecilho com as amostras da Clarkson, disse.

“O de sempre. O departamento de vendas precisa reduzir o pedido. Assim que Ahmed fizer isso, eu posso aprovar”,
comentou Damon calmamente.

“Não parece que Ahmed vá ceder.”

“Ele vai.”

Lance resolveu intervir. “Está tudo bem entre vocês?”

“Do mesmo jeito de sempre. Por quê? Que está acontecendo? Os números estão ótimos neste trimestre. Estamos
indo bem.”

“Concordo em um ponto, mas tenho algumas preocupações em outro. Leva seis meses para conseguir integrar novos clientes em um momento em que todo mundo está brigando por eles.”

“É por causa daquelas avaliações 360? Procurei ser sincero em meu feedback”, comentou Damon, um tanto
defensivamente.

“A informação é anônima, por isso não sei quem disse o que, mas a tensão entre você e Ahmed é óbvia.”

“Claro que é. Sou o CFO e ele é o responsável pelas vendas. Se cada um de nós estiver fazendo bem seu trabalho,
vai haver conflito. E é o que estou fazendo: meu trabalho. Sou o responsável por manter a receita da empresa, e isso
significa que vou discordar de algumas pessoas.”
Lance já o ouvira dizer isso anteriormente, mas Damon foi um pouco além dessa vez. “O fato de você se sentir incomodado com esse conflito não torna as coisas nem um pouco mais fáceis.”

Ambos ficaram sentados em silêncio por algum tempo. Lance sabia que como parte desse processo ele precisaria examinar seu próprio estilo de liderança. De fato, sua avaliação 360 havia sido reveladora. Seus funcionários descreveram-no como um empreendedor apaixonado e um visionário, mas também comentaram seu estilo de administração, mais personalista que consensual, ou seja, ele não era dado a conduzir a equipe como um todo, e sua predisposição em favorecer ideias abrangentes em vez de se concentrar nos detalhes.

“Está certo, entendo o que você está dizendo. É minha responsabilidade; mas você precisa pensar sobre o que pode fazer para melhorar a situação. Existe uma diferença entre conflito produtivo e conflito prejudicial, e atualmente parece que estamos tendo o último excessivamente.”

NOSSA VISÃO PODE SE ESFACELAR

“Você já pensou em realizar um daqueles retiros para team-building?”, perguntou o pai de Lance, quando ambos conversaram sobre o assunto naquela mesma noite. “Sei que vocês nunca me levaram a sério…”

Lance deu risada. “Porque você nunca organizou um!”

“… mas ainda acho uma boa ideia”, prosseguiu Eric. “Ninguém sabe realmente como ter um conflito produtivo
no trabalho. Não é uma capacidade inata; é preciso aprendê-la.”

“Estou pensando na possibilidade, pai, mas não tenho certeza de que a esta altura será suficiente.”

“E uma compensação?” Isso era outra coisa que Eric transformara em algo rotineiro. Durante seu mandado como
CEO ele percebeu que a compensação para executivos C-level não era estruturada para encorajar colaborações. As
bonificações baseavam-se no indivíduo, na eficácia da unidade e no desempenho da empresa, em uma porcentagem que era, respectivamente, de 25%, 70% e 5%.

“Talvez seja o momento de aumentar esses 5% para pelo menos 10% ou até 20%”, disse Eric.

“Gostaria de realizar essas mudanças mas preciso da ajuda de Damon para isso e ele está sobrecarregado”, comentou Lance. “Além disso, vários especialistas afirmam que muitas pessoas veem as compensações como um martelo e cada problema como um prego. Os CEOs esperam que elas resolvam qualquer coisa, mas normalmente outras ferramentas são necessárias. Talvez eu precise fazer algo mais drástico.”

“Você não está pensando em demitir ninguém, está?” Eric contratara todos os executivos seniores que estavam atualmente na equipe de Lance e era quase tão leal a eles quanto a sua própria família.

“Para ser sincero, tenho pensado nisso. Não tenho certeza do que faria sem Ahmed ou Damon. Eles são uma razão importante dos bons resultados que conseguimos obter todos os anos; porém, olho para trás e me pergunto como conseguimos isso agindo do modo como estamos agindo. Preciso de uma equipe que trabalhe junta para alcançar nossos objetivos de longo prazo.” Quando Eric se aposentou, ele e Lance estabeleceram a meta de chegar a £ 500 milhões em receitas até 2022. “Esse grupo parece que vai se desintegrar a qualquer momento. E nossa visão pode se esfacelar junto.”

“Sinto muito”, disse Eric. “Você acha que herdou de seu pai uma pilha de problemas?”

“Não. Acho que de alguma maneira criei este — ou ao menos o deixei pior.”

“Bem, uma coisa é certa: você é o CEO agora, então terá de decidir o que fazer.”

Como Lance deve lidar com o conflito entre Damon e Ahmed? Os especialistas respondem

Scott Salmirs, presidente e CEO da ABM Industries – O problema de Lance não são os funcionários; é a cultura. Ele deve concentrar-se menos no conflito específico entre Ahmed e Damon e mais no modo isolado como atuam seus executivos — isolamento que ele permitiu e talvez até encorajou. Incentivos alinhados, coaching ofertado por pessoas
de fora da empresa e exercícios de team-building são todos úteis, mas não funcionaram a não ser que Lance seja claro a respeito do tipo de colaboração que deseja.

O verdadeiro trabalho em equipe é aquele cujos envolvidos entendem que seus objetivos estão intrinsecamente
ligados aos de seus colegas. O CFO sozinho não pode garantir o sucesso de uma organização; ele precisa concordar
com o diretor de vendas a respeito do melhor tipo de crescimento, com o diretor de RH sobre as necessidades dos
talentos, e com o diretor jurídico sobre os termos dos contratos. Pode parecer um clichê, mas os executivos C-level
são um ecossistema, não um feudo.

Quatro anos atrás, quando assumi o cargo de CEO da ABM, uma das maiores fornecedoras de serviços gerais dos
Estados Unidos, a empresa atuava de modo bastante isolado. Assim, criei uma regra de que nenhuma decisão
podia ser tomada sem que houvesse ao menos três pessoas presentes. Quando o CFO vinha até mim com uma  sugestão, eu dizia: “Vamos chamar o diretor do RH e ver o que ele acha”. Eu acreditava — e ainda acredito — que mais informações de diferentes pessoas produzem decisões melhores. Admito que, no início, era desconfortável; o pessoal achava que eu não confiava em sua capacidade de realizar o trabalho. Mas depois de seis meses eles abraçaram a ideia. O CFO aparecia no meu escritório junto com o diretor de RH e o diretor jurídico. Atualmente,
é muito raro alguém vir até mim sem antes ter discutido o assunto com ao menos alguns colegas.

A ideia não é criar mais trabalho. Certamente Lance deve tomar cuidado com o tempo de sua equipe. Mas não
estou defendendo consultas extensivas ou reuniões longas para que exista concordância em todos os detalhes.
Estou apenas defendendo a realização de conversas mais abertas — entre Ahmed e Damon e todos os outros —
para que o grupo possa evitar conflitos e tome decisões de grande qualidade em conjunto.

Lance pode começar realizando reuniões com os funcionários duas vezes por semana em que os membros do grupo falem honestamente sobre metas organizacionais e formas de atingi- las de modo coletivo. Ele pode até pedir a todos que trabalhem em um projeto — talvez remodelando o sistema de compensação — para que tenham um motivo profissional concreto para empreender uma colaboração. Logo após ter assumido a ABM, reorganizamos os negócios desde linhas de assistência até clientes verticais e adotamos um modelo de serviço compartilhado voltado para o cliente. Para nos auxiliar nesse processo, criei um comitê de direção com os líderes seniores da empresa. Disse a eles que esperava que discutissem e conversassem, mas que quando tomássemos uma decisão não houvesse insatisfações
ou críticas. A maioria conseguiu cumprir essas normas. Alguns poucos que continuaram a incitar conflitos e a prejudicar nossos esforços foram, eventualmente, dispensados.

Lance talvez precise fazer o mesmo como Ahmed e Damian caso não consigam resolver seus conflitos. Mas primeiro deve incentivar, de maneira clara, a realização de mais trabalhos em equipe entre os executivos C-level . “Sangue novo” não vai resolver o problema se a cultura permanecer disfuncional.

Dale Winston, presidente e CEO da Battalia Winston, empresa de recrutamento de executivos – Eu concordo com Jhumpa: que confusão! Lance realmente deixou um problema como esse passar quando assumiu o cargo de CEO, cinco anos atrás? Ele tem sorte de a Barker ter mantido seu crescimento, pois esse tipo de guerra territorial pode ser
prejudicial para as organizações. E desconfio que se ele não lidar logo com a tensão entre Ahmed e Damon, sua sorte irá acabar.

A essa altura, ajuda externa parece justificável. Lance deve contratar um consultor organizacional e um coach para avaliar objetivamente a situação e fazer um diagnóstico, oferecendo recomendações neutras para resolvê-la.

Talvez Damon precise de coaching voltado para a maneira como ele se comunica, ou que ele e Ahmed precisem discutir o modo como lidam com situações conflituosas. Nos 27 anos que estou à frente da Battalia Winston, uma das maiores empresas de recrutamento de executivos dos Estados Unidos comandada por uma mulher, contratei muitos coaches para auxiliar executivos a entender como seu estilo de trabalho afetava aqueles ao seu redor.

Também fui bem-sucedida ao realizar exercícios de team-building como os sugeridos por Eric. Retiros são uma ótima oportunidade para se afastar dos problemas e das reclamações do dia a dia e discutir estilos de trabalho e modos de colaboração para colocar as pessoas em sintonia. Com o facilitador correto, algo sempre fundamental, Lance pode fazer com que sua equipe se esforce e caminhe na direção certa, e o exercício será benéfico para todos, mesmo que algumas pessoas precisem mais do que outras.

Eu certamente não recomendaria a demissão de Ahmed ou de Damon neste momento. Quando dois gerentes executivos não se dão bem no trabalho, os empregados inevitavelmente começam a tomar partido. Se Lance demitir um deles, ou os dois, simplesmente porque discutem um com o outro, ele parecerá fraco e incapaz de administrar discussões saudáveis em sua equipe.

Em qualquer organização existem conflitos. Damon tem razão ao dizer que o departamento de vendas  frequentemente prioriza as receitas em vez de lucratividade e que é função do CFO controlar isso. A maioria dos conflitos que testemunhei entre nossos executivos ao longo dos anos ocorreu por território, clientes ou crédito concedido a outras pessoas por algum trabalho. Mas sempre fomos capazes de resolver essas questões — e assegurar que elas não se tornassem batalhas pessoais destrutivas — enfatizando o ethos de nossa equipe e mostrando a nossos consultores como o trabalho de cada um contribui para nosso sucesso coletivo.

Lance errou ao deixar isso se intensificar. Sendo alguém novo na função de CEO, ele deveria ter evitado esse problema de imediato, mas ainda não é tarde demais. Com a renovação do comprometimento de colaboração entre os executivos de níveis mais altos e a ajuda de um especialista ele pode aliviar a tensão entre Damon e Ahmed e, como resultado, eu espero, alcançar a meta de receita da Barker.