Imagine que você está a dez mil metros de altitude, empurrando um carrinho de comida pelo corredor estreito de um avião, cercado de passageiros inquietos. Uma criança bloqueia seu caminho e você não consegue achar os pais dela.
Um passageiro se irrita ao saber que não pode pagar em dinheiro por uma refeição a bordo, outro pede permissão para usar o banheiro. E o seu trabalho é atender a todas essas exigências com boa vontade e simpatia.
Para os membros da tripulação de uma aeronave, é nesse exato momento que entra em cena o “trabalho emocional”.
Qual aparência facial e corporal adequada ao ambiente de trabalho?
O termo, introduzido pela primeira vez pela socióloga Arlie Hochschild, se refere ao esforço que realizamos para regular nossas emoções e manter uma “aparência facial e corporal adequada ao ambiente de trabalho”.
De forma simplificada, é o exercício que fazemos para expressar algo que não estamos sentindo genuinamente – seja manifestar positividade ou suprimir emoções negativas.
As primeiras pesquisas de Hochschild se concentraram no setor de aviação, mas não são apenas os comissários de bordo que mantêm as aparências. Na verdade, os especialistas dizem que o trabalho emocional está presente em quase todas as profissões em que há interação com pessoas, seja no atendimento direto ou não ao cliente.
Ou seja, onde quer que você trabalhe, é provável que boa parte do seu dia seja gasto fazendo isso.
Quando as pesquisas sobre trabalho emocional começaram, o foco estava na indústria de serviços e na hipótese de que quanto mais clientes ou interações houvesse, mais trabalho emocional seria necessário.
No entanto, os psicólogos ampliaram mais recentemente o foco para outras profissões. E descobriram que o desgaste não está tão relacionado à quantidade de interações, mas à maneira como os funcionários gerenciam suas emoções nelas.
Talvez hoje de manhã você tenha se aproximado de um colega para demostrar interesse em algo que ele dizia, ou teve que trabalhar duro para não ser alvo de críticas. Ficar de boca fechada pode ter sido mais difícil para você do que expressar seu descontentamento.
Estudo de caso
Em alguns casos, manter essa fachada pode se tornar pesado demais, e o preço a pagar é cumulativo. Mira W., que preferiu não dar seu sobrenome, deixou recentemente o emprego em uma das principais companhias aéreas do Oriente Médio, pois sentia que sua saúde mental estava em risco.
Em seu último cargo, o “cliente era rei”, diz ela. “Uma vez fui chamada de ‘p***’, porque um passageiro não respondeu quando eu perguntei se ele queria café. Perguntei duas vezes e fui atender a pessoa da frente. Ao seguir, fui insultada por ele.”
“Quando expliquei a situação ao meu superior, ele disse que provavelmente eu havia feito algo para provocar essa reação… Além disso, falou que eu deveria pedir desculpas”, recorda-se.
“Às vezes, eu tinha que mudar minhas expressões faciais durante uma turbulência forte ou um pouso de emergência, por exemplo. Projetar uma atitude calma é essencial para manter os outros calmos; esse aspecto não me preocupava. O que me deixava mal era a sensação de que eu não tinha voz quando era tratada injustamente ou com grosseria”, desabafa.
Enquanto trabalhou na companhia aérea, Mira se deparou com situações de assédio e sexismo – e a expectativa era que ela continuasse a sorrir. “Eu tinha que esconder constantemente o que sentia.”
Quando pedi demissão
Ao longo dos anos, e particularmente em sua última função, lidar com o estresse causado pela supressão de suas emoções se tornou muito mais difícil. Pequenos acontecimentos pareciam enormes. Ela passou a ter medo de ir trabalhar e sua ansiedade só aumentou.
“Eu sentia raiva o tempo todo, como se fosse capaz de perder o controle e bater em alguém ou explodir e jogar algo no próximo passageiro que me xingasse ou tocasse. Então pedi demissão”, desabafa.
Mira agora faz terapia para lidar com as consequências emocionais do que passou. E atribui alguns problemas ao fato de ter ficado longe da família, além do intenso calendário de viagens. Mas não tem dúvidas de que, se não tivesse que reprimir frequentemente suas emoções, ainda poderia estar desempenhando sua função.
Ela não está sozinha. Em todo o mundo, existe a expectativa de que profissionais de diferentes áreas adotem uma cultura de trabalho que suprima algumas emoções e evidencie outras – que podem incluir ambição, agressividade e apetite pelo sucesso.
Há alguns anos, o New York Times publicou uma longa reportagem sobre o “Amazon Way” (“Estilo Amazon”, em tradução livre), descrevendo o comportamento rigoroso que a empresa cobrava de seus funcionários, assim como os efeitos positivos e negativos que essa política surtia.
Enquanto uns pareciam prosperar naquele ambiente, outros lutavam contra a pressão constante para manter o semblante corporativo mais adequado às diretrizes da companhia.
“A maneira como lidamos com altos níveis de esforço emocional tem, provavelmente, suas origens nas experiências da infância, que moldam as atitudes que desenvolvemos em relação a nós mesmos, aos outros e ao mundo”, diz Lucy Leonard, psicóloga clínica e ocupacional.
“Atitudes contraproducentes, como ‘eu não sou bom o suficiente’, podem gerar padrões de pensamento no trabalho do tipo: ‘ninguém está trabalhando tão duro quanto eu’ ou ‘preciso fazer um trabalho perfeito’. Isso pode gerar estresse e aumentar os níveis de ansiedade durante o expediente”, explica Leonard.
É esperado, muitas vezes, que os funcionários prestem um bom serviço a clientes agressivos ou ansiosos. E podem ter que fazer isso ao mesmo tempo que se sentem frustrados, preocupados ou ofendidos.
“Esse ajuste contínuo das expressões emocionais pode gerar baixa autoestima e sensação de isolamento”, diz a especialista.
Hochschild sugere que a maneira como lidamos com o trabalho emocional pode ser classificada de duas maneiras: ação superficial e ação profunda. E a opção escolhida pode interferir no “preço” que vamos ter que pagar.
Como não ficar exausto?
Em uma ligação telefônica complicada, por exemplo, se você agir de forma superficial, você responderá ao interlocutor alterando sua expressão externa, dizendo as coisas apropriadas, ouvindo e mantendo seus sentimentos verdadeiros completamente intactos.
Se você agir de maneira profunda, fará um esforço deliberado para mudar seus sentimentos verdadeiros, de acordo com o que o cliente diz – você pode não concordar, mas manterá o foco no objetivo.
As duas abordagens podem ser consideradas gentis, porém a segunda tenta se conectar emocionalmente com o ponto de vista da outra pessoa e gera um risco menor de burnout, a síndrome do esgotamento profissional.
Jennifer George é enfermeira, especializada em psiquiatria, responsável pela triagem da emergência do King’s College Hospital, em Londres, na Inglaterra. Seu trabalho requer atenção redobrada. Diariamente, ela precisa avaliar as necessidades de quem dá entrada na unidade – eles realmente precisam ser internados, carecem apenas de cuidado temporário ou estão em busca de drogas?
“É importante que eu teste minhas próprias suposições iniciais”, diz ela. “Me esforço para ficar atenta à história e realmente escutar. Esse é meu trabalho, mas agindo dessa forma, eu também reduzo o estresse.”
“Às vezes, meu instinto diz que a pessoa está tentando me enganar, ou apenas me sinto entediada com o que estão dizendo. Mas não posso ficar sentada lá e simplesmente rejeitar algo como se fosse mentira.”
Segundo George, essa situação pode ser perturbadora. Às vezes, ela precisa dizer não “de uma maneira bem direta” e, nesse caso, o ambiente pode se tornar ameaçador.
“Eu permaneço, o máximo que posso, fiel a mim mesma e às minhas crenças. Mesmo que eu precise estar aberta tanto para o que colegas de trabalho e possíveis pacientes têm a dizer, não vou dizer nunca algo em que eu não acredite ou pense estar certo. Isso me ajuda”, assegura.
Quando a situação fica complicada, Jennifer procura os colegas para desabafar. “Falar em voz alta me permite testar e validar minha própria reação. Então eu posso voltar para o atendimento”, diz.
Sempre tentar controlar os conflitos
Ruth Hargrove é uma ex-advogada que vive na Califórnia, nos EUA. Ela também enfrenta interações complicadas no trabalho, representando estudantes de San Diego – gratuitamente – em assuntos disciplinares.
“Praticamente todo mundo com quem você lida nesse sistema obriga você a trabalhar emocionalmente”, afirma.
Um dos problemas, diz Hargrove, é que alguns advogados partem para ataques pessoais, mediante qualquer fraqueza detectada – gênero, idade -, em vez de se concentrarem nas verdadeiras questões de cada caso.
“Eu lidei com isso de forma catastrófica no passado, deixava essas situações engolirem minha autoestima”, desabafa.
“Mas quando eu lido da maneira certa, percebo que posso separar melhor as coisas e que o ataque deles, sim, é uma evidência de fraqueza.”
Em vez de contestar acusações pessoais específicas, ela se limita simplesmente a enviar um e-mail de uma linha como resposta, dizendo que não concorda. “Não ampliar o conflito é muito importante“, avalia.
“É cansativo participar da batalha emocional de que outra pessoa quer que você participe. Mantenho o foco no verdadeiro objetivo do trabalho.”
Hargrove também precisa administrar a expectativa dos clientes. Caso tenham sido lesados, eles acreditam – às vezes, de maneira não realista – que a Justiça vai prevalecer.
“Eu tenho empatia, me coloco na posição de mãe deles, pensando que deve haver uma solução, mesmo quando eu sei que não há. Me ajuda que esse sentimento seja verdadeiro para mim também.”
Tentar entender o lugar do outro
Permanecer fiel aos sentimentos parece ser fundamental – diversos estudos mostram que quem precisa demonstrar emoções no trabalho que entrem em conflito com seus sentimentos verdadeiros é mais propenso a sofrer de exaustão emocional.
É claro que todos devem ser profissionais, faz parte do trabalho ter de lidar com clientes e colegas difíceis. No entanto, ao se colocar no lugar deles e tentar entender a posição de cada um, você estará promovendo seu próprio bem-estar, em vez de expressar sentimentos em que, no fundo, você não acredita.
Segundo Leonard, há iniciativas que indivíduos e organizações podem adotar para evitar o burnout. Limitar horas extras, fazer pausas regulares e abordar conflitos com colegas por meio dos canais certos são alguns exemplos, além de cuidar da saúde e ter uma vida satisfatória fora do escritório. Cultivar um “clima de autenticidade” no trabalho também é igualmente benéfico.
“Organizações que permitem aos funcionários ter um respiro dos altos níveis de regulação emocional e reconhecem seus verdadeiros sentimentos – sem prejulgamentos – tendem a se sair melhor diante desses problemas”, afirma.
Um ambiente assim também pode gerar mais empatia, ao permitir que os funcionários mantenham uma distância emocional daqueles com quem precisam interagir.
Sempre que possível, os trabalhadores devem ser verdadeiramente empáticos, estar cientes do impacto que as interações têm sobre eles e tentar se comunicar de maneira autêntica.
Segundo Leonard, isso pode “proteger as pessoas de uma comunicação dissimulada e de se sentirem exaustas diante do esforço e do ressentimento de ter que fingir.”