Um grupo de 11 pequenas e médias indústrias concorrentes se uniu para financiar um projeto de inovação, dividindo custos e riscos. Trata-se de um consórcio, organizado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), em que fabricantes de baterias de reposição investem R$ 110 mil cada durante dois anos para desenvolver um sistema tecnológico para mercado de veículos. O custo total do projeto é de R$ 3,7 milhões.
Os técnicos das empresas trabalham conjuntamente para adequar as baterias a um novo sistema veicular – o start stop – que exige mais rendimento do componente. Esse sistema, que hoje está em 15% dos automóveis no Brasil, desliga o motor toda vez que o condutor para o veículo, em um semáforo por exemplo, e volta a ligar quando o motorista pisa no acelerador. A estimativa do mercado é que esse dispositivo esteja em 100% dos carros fabricados até 2021.
A mudança poderia ser uma ameaça às empresas que hoje fabricam baterias menos eficientes, que teriam seu espaço reduzido. Sozinhas, as empresas dificilmente teriam condições de fazer o investimento milionário em inovação, mas juntas poderão continuar a disputar o mercado. A maioria dos fabricantes (8) é do Paraná, um deles é de Goiás, outro de Santa Catarina e uma indústria do Rio Grande do Sul.
“É uma solução muito interessante, mas que demanda muito a construção de confiança entre os participantes. Esse é um papel, além do papel técnico de desenvolver o projeto, que o Senai possui, por ser ambiente neutro de conexão, de encontro das empresas”, disse o gerente executivo de Inovação e Tecnologia do Senai, Marcelo Prim. Parte do financiamento – R$ 1,2 milhão – é da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), ligada ao governo federal, e o mesmo valor é investido pelo Senai.
Além do foco na elaboração de um produto estratégico que vai permitir a sobrevivência do negócio, as empresas melhoraram, na primeira fase do projeto, o funcionamento das baterias de chumbo-ácido que atualmente são comercializadas pelas 11 participantes. Em seis meses, os pesquisadores do Senai analisaram a qualidade do produto e o processo de fabricação de cada um. Foi mantido, contudo, o sigilo entre os concorrentes para que nenhum deles soubesse o que foi feito em relação ao produto do outro.
Os termos do projeto são acertados entre os participantes. No caso deste consórcio, há uma base comum sendo desenvolvida, mas cada empresa terá uma solução única individualizada. Marcelo Prim explica que isso depende de cada objeto do projeto e dos próprios participantes. “Se, por exemplo, parte da solução é comum a todos, uma base tecnológica que vai servir a várias empresas, então as cláusulas de confidencialidade são mais restritas ao grupo em si. Há exclusividade do uso comercial por essas empresas que compõem o grupo.”
Há outros casos em que cada empresa tem uma especificidade e, portanto, são desenvolvidas as chamadas “cláusulas de cortina”. “Cada empresa vai ter a aplicação daquela tecnologia desenvolvida para o seu caso, para a sua especificidade e as empresas que compõem o consórcio não sabem o que está acontecendo com o projeto uma da outra, mas a base é comum e a aplicação é diferente”, acrescentou o gerente. Ele destacou que o Senai trabalha no desenvolvimento de um conjunto de modelos para que seja possível replicar essa cooperação em outros projetos.
Marcelo Prim destaca que os benefícios podem ir além dos resultados do produto em si, mas também pela interação entre os participantes. Além disso, vislumbra o envolvimento de startups que possam produzir a solução tecnológica e colocá-la no mercado. Outra solução para viabilizar a tecnologia desenvolvida seria as próprias participantes criarem uma nova empresa para colocar a solução à venda. “A gente está olhando tanto para as grandes empresas, como para as startups que podem ser um veículo para colocar os produtos, as soluções tecnológicas no mercado. É algo que abre um monte de outras possibilidades, sendo que essas duas são as principais que a gente observa agora.”
Inovação aberta
De acordo com o Senai, é a primeira vez no Brasil que um grupo com esse número de empresas concorrentes se une para desenvolver um novo produto no mercado. A única experiência conhecida por Marcelo Prim é a que envolveu indústrias de comésticos – Grupo Boticário, a Natura, a Yamá e a TheraSkin Farmacêutica – que trabalharam de 2013 a 2015 no desenvolvimento de rotas de nanoencapsulamento. O consórcio funcionou em uma primeira etapa e depois, na segunda fase, sigilosa e customizada, a equipe técnica de cada empresa atuou em separado.
O gerente executivo de Inovação e Tecnologia do Senai explica que esse modelo é muito comum na Europa e nos Estados Unidos. “Isso ocorre por diversos fatores. Primeiro porque são ambientes mais maduros de inovação. A inovação aberta nasceu nesses locais. Além disso, as empresas confiam mais nos institutos de ciência e tecnologia e de inovação. Já há uma reputação construída. No Brasil, toda a questão de inovação, inovação aberta, é incipiente ainda.”